Para um mundo repartido, uma dose de Amós Oz

Amós Klausner se tornou Amós Oz aos 14 anos de idade, após a morte de sua mãe. Oz em hebraico significa força e Klausner passou a ser Oz, que passou a ser kibutznick, soldado, professor, escritor e militante político – e tornou-se, enfim, a principal voz de oposição israelense dentro e fora do país. Nascido em Jerusalém, filho de imigrantes russos, foi autor de 40 livros e um dos fundadores do movimento pacifista Shalom Achshav, Paz Agora, em 1978. Oz faleceu por conta de um câncer há exato um ano neste sábado (28).

Com retórica, clareza e fluência ímpares, Amós Oz foi fortemente acolhido pela crítica e público leitor do país em sua primeira década como escritor. Livros como Meu Michel (1968) foram muito elogiados, tornando-o símbolo de uma geração. A partir de 1980 vieram anos difíceis, quando não somente a crítica mas também departamentos de literatura negaram a maior parte de sua produção. Em 2003, com o lançamento de De amor e trevas, ficção baseada na história de sua família, houve nova reviravolta positiva para Oz. 

Segundo o autor, a reação negativa que enfrentou esteve ligada à sua atuação fora da literatura. Em uma de suas últimas entrevistas, publicada no livro Do que é feita a maçã, Oz fala sobre si em terceira pessoa para explicar as críticas sofridas anteriormente:

“Ele estava em todo lugar e em lugar nenhum. Isto é: na política também. Que história é essa, até chefes de governo o convidam para conversar e o citam na rádio, na imprensa. Quase não há movimento na esquerda em que ele não esteja de alguma forma no centro. (…) não dá para saber qual é a dele, ele não se encaixa na esquerda pós-sionista que diz que todo o projeto sionista foi um erro ou um crime, nem com os que dizem ‘logo tudo isso vai acabar e o último vai apagar a luz’. Mas tampouco está com os que gostam dos lugares santos e se derretem de tanto que somos belos e Israel é uma luz para todos os povos. Mas também não está com os que dizem que os árabes não têm culpa alguma e nós é que somos culpados de tudo. Que tipo de pessoa é essa, escorregadia como uma enguia?”

Com bom humor, Oz narra também que no começo da carreira pediu um único dia por semana à comunidade do kibutz para se dedicar ao trabalho com a escrita e recebeu uma primeira resposta negativa: “Não é possível conceder o estatuto de artista a alguém. Todos poderão reivindicar.” E a segunda, não menos importante: “Quem vai ordenhar as vacas?”.

Ainda sobre o ofício do escritor, conta da dificuldade em escrever sobre a guerra (“Um dos motivos é que a lembrança mais aguda que tenho do campo de batalha é a dos cheiros. Cheiros não se comunicam”). Em outro momento, cita um poema de Nathan Alterman: “Porque o mundo está partido, porque ele é dois, e é duplo o som de seu lamento, pois não há casa que não carregue seu morto, e não há morto que esqueça sua casa”. Para Oz, conviver com os mortos é convidá-los às vezes para uma xícara de café e enviá-los, após evocar algumas lembranças, de volta à escuridão. 

O mundo de fato está partido, com fronteiras duais, fortes e bem definidas. Está partido entre guerra e paz, literatura e mesquinhez, fanatismo e equilíbrio, política e selvageria, mortos e vivos. Amós Oz dedicou sua obra justamente à discussão do meio termo, do razoável, do sensível. Para mortos e vivos há sempre uma xícara de café.

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