Quando perdemos o Sionismo?

Em uma conferência que assisti no ano passado, na Universidade de Tel Aviv, houve um pequeno momento que, na minha opinião, carrega mundos de significados para pensarmos o sionismo atual. O professor David Ohana, da universidade Ben Gurion, apresentava uma palestra sobre as relações entre o movimento sionista religioso e o movimento Caananita [1]. Nesse congresso estava também Seyla Benhabib, uma das mais famosas interpretes de Arendt e teóricas politicas atuais. Em um dado momento da discussão, Benhabib argumentou que encontra urgência em defender Israel, apesar da ideologia sionista. De maneira oposta à autora, Ohana argumentou defender o sionismo “contra” o Estado de Israel. Esse momento ficou gravado em minha cabeça e até hoje me causa questões. Acredito existirem diversas leituras para esse impasse e, considerando o arcabouço teórico de cada uma dessas pessoas, fica quase impossível desvendar todas as nuances envolvidas no desacordo. Tentarei aqui apresentar uma leitura possível e demonstrar o motivo da urgência desse debate. 

Benhabib aparenta estar dizendo: devemos defender Israel como defenderíamos qualquer outra democracia. Mesmo não sendo um estado perfeito em suas posturas, ele tem tanta legitimidade enquanto estado como qualquer outro. Ou seja, enquanto democracia ocidental, como qualquer outra. No entanto, existe uma tentativa sionista de impor um estado étnico em detrimento dessa democracia. O movimento sionista tenta tornar Israel um estado de exceção e isso deve ser impedido. Não quero aqui discutir o real significado do sionismo, quero somente apontar para um pressuposto problemático que eu encontrei em seu discurso: quando começamos a falar de sionismo no singular? Acredito que uma pessoa do porte de Benhabib dificilmente pode ser considerada uma ignorante e mesmo assim ela descreve o movimento sionista como uma coisa única e uniforme.   

Acredito que a resposta de Ohana venha justamente opor essa narrativa, ou seja, opor a ideia construída nos últimos anos pelo governo de Israel de um movimento coerente e rígido. Não indo contra a ideia sionista mas mostrando que ela, na verdade, é plural. Opor o Estado de Israel por meio da ideia sionista significa demostrar que, segundo tal ideia, diversos projetos podem existir, e é justamente a partir desses projetos que devemos sempre medir a atual configuração do Estado. As consequências desse argumento são que projetos como o de exigência de lealdade a pátria proposto pelo atual ministro da segurança, Avigdor Lieberman, projetos que visam eliminar a pluralidade do sionismo em detrimento de uma lealdade ao estado de Israel em sua configuração atual como a única pratica legitimamente sionista, são essencialmente antissionistas. 

Acredito ser justamente nesse ponto que a questão que eu propus se torna urgente: por quais motivos o apoio incondicional ao Estado de Israel e suas posturas se tornaram equivalentes ao sionismo? Vemos hoje toda uma ideologia e um debate de aproximadamente um século reduzidos ao simples apoio irrestrito à atual conjuntura estatal; e isso no lugar de o Estado de Israel responder às teorias, projetos e pensamentos que o criaram. Acredito existir aí uma inversão, e não por acaso, da lógica sionista. Não estou afirmando que não devemos apoiar Israel ou que a sua atual conjuntura não tenha bases na ideologia sionista. Para mim não é essa a discussão que devemos ter nesse momento; antes dela, existe a urgência de clarificar como serão entendidos os projetos alternativos. Ou seja, devemos entender que mesmo que a atual conjuntura seja legítima (e não estou afirmando se sim ou se não), ela não pode ser a única proposta na mesa. Ela nunca foi e é um absurdo ela se apresentar assim agora.

É um absurdo que uma pessoa crítica ao status quo, mas que acredita na democracia israelense e nas instituições vitais de seu Estado, sofra ataques, por exemplo, da ministra da justiça (e de seu respectivo partido) sob acusação de estar traindo o princípio sionista dos país. É também um absurdo essas pessoas serem colocadas do lado de fora da narrativa sionista com tanta facilidade. Quem luta pela democracia israelense e acredita no país não pode, de maneira alguma, ser taxado de antissionista. Essa lógica, na verdade,  acaba por comprometer de maneira fundamental o significado do sionismo. 


[1] A ideologia do movimento opunha a ideologia sionista do começo do século. Eles acreditavam na supremacia da terra em detrimento da narrativa judaica e, portanto, buscaram retomar um nome ‘neutro’ para o local. Segundo eles, a nova configuração política deveria levar em consideração todos os habitantes da terra e não opor uma narrativa contra a outra. A terra seria governada por todos os seus habitantes judeus, árabes, drusos.

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