A volta da Covid-19 em Israel: falsa sensação de segurança?

TEL AVIV – Parecia bom demais para ser verdade. E era. Os israelenses estavam seguros de que haviam deixado para trás o pesadelo da Covid-19. Mas o pesadelo voltou esta semana, depois que dezenas de alunos não vacinados de escolas e adultos já vacinados foram identificados com a variante Delta – a mutação indiana do coronavírus. Milhares foram colocados em quarentena.

Os israelenses foram relembrados de que o mundo passa por uma pandemia e que, pode mais que o país tenha vacinado quase 65% da população, ninguém está realmente seguro até que o mundo inteiro esteja vacinado.

A partir desta sexta-feira, 25 de junho, voltou a obrigação de usar máscaras em locais fechados, o que havia sido revogado há apenas dez dias. O vilão da volta da Covid-19 a Israel é o Aeroporto Internacional Ben Gurion, a única real porta de entrada aérea a Israel (há outro aeroporto internacional no Sul, mas muito pequeno).

Com a sensação de segurança depois da vacinação em massa, entre dezembro e março, e a subsequente queda drástica de casos e de mortes, os israelenses – que costumam acreditar que são invencíveis – decidiram que era seguro viajar para o exterior. Milhares decidiram sair de férias ou rever parentes em outros países, incluindo nos chamados seis países “perigosos”: Brasil, Argentina, México, Índia, Rússia e África do Sul. 

O resultado é a entrada da variante Delta, que é mais infecciosa do que o vírus original. Se a vacina da Pfizer é eficaz em cerca de 96% contra o vírus original, a mesma vacina é 88% eficaz contra a variante Delta. Ainda é uma eficácia alta. Mas até vacinados podem ser infectados, sem contar com as crianças não vacinadas até os 15 anos (a vacinação de 12 a 15 anos começou só no começo do mês) e os 10% ou 15% de israelenses hesitantes ou negacionistas que insistem em não se vacinar.

Diante dos novos surtos, entrevistei o Professor Eyal Leshem, diretor do Centro de Medicina de Viagem e Doenças Tropicais do Centro Médico Sheba (o maior de Israel), especialista em doenças virais e consultor da Organização Mundial de Saúde (OMS). Abaixo, a entrevista completa, na qual ele alerta para essa falsa sensação de segurança, apesar de demonstrar otimismo. Afinal, mesmo que imunizados sejam infectados, eles não devem desenvolver uma doença grave. Crianças também são menos suscetíveis a desenvolver Covid-19 grave. Mas quem não se vacinou… Enfim, abaixo a entrevista.


Professor Eyal Leshem (Foto: cortesia)

Estamos diante de uma quarta onda de Covid-19 em Israel?

PROF. LESHEM: A variante Delta foi encontrada em mais de 80 países no mundo e, nos países em que ela entrou, se tornou rapidamente a mais comum. Tudo o que acontecerá conosco nas próximas semanas pode ser previsto pelo que está acontecendo na Inglaterra, neste momento. Enquanto houver pessoas viajando, enquanto houver pessoas voltando do exterior, às vezes com o vírus, poderemos ver um aumento no número de casos. 

Há o perigo de vermos um novo surto de hospitalizações e mortes, em Israel?

PROF. LESHEM: Quando falamos sobre uma onda de Covid-19, nos preocupamos principalmente com hospitalizações, doenças graves e mortalidade. E aqui, a nossa situação é muito diferente da que era em dezembro e janeiro. Porque hoje, a maioria dos infectados são jovens saudáveis ou vacinados e, portanto, embora já existam centenas de casos no país, ainda não vemos aumento no número de pacientes hospitalizados ou em estado crítico ou de mortalidade. É provável que seja principalmente um aumento nos casos leves, não de hospitalizações. Também teremos hospitalizados e doentes graves, mas muito menos do que vimos em janeiro e dezembro.

Em Israel, mais de 60% da população já está vacinada. Será que não é o suficiente para alcançar uma imunidade de rebanho diante dessas novas variantes?

PROF. LESHEM: A imunidade de rebanho é uma condição na qual o vírus encontra mais dificuldade em se espalhar. Israel tem imunidade de rebanho porque, há meses, embora tenha havido casos de coronavírus, o vírus não tem se espalhado facilmente. Existem populações onde pode se espalhar, principalmente crianças. Mas muito menos em adultos. Obviamente, quanto maior a porcentagem da vacinação, menor a chance de um surto. Mas lembre-se: não temos apenas 65% de vacinados. Temos que incluir as pessoas que se recuperaram e também têm menos risco de contrair uma doença grave. Portanto, a porcentagem real em Israel é provavelmente mais perto de 70% e isso está muito próximo da imunidade de rebanho. O mais importante é saber quem está vacinado. Entre os israelenses com mais de 50 anos, mais de 90% estão vacinados ou se recuperaram da doença. Apenas 200.000 pessoas ainda podem ser infectadas com uma doença grave. E é claro que quem não está vacinado, vale muito a pena se vacinar. Mas a grande maioria dos cidadãos israelenses, em resumo, está protegida.

No caso das crianças de 12 a 15 anos, o senhor acha que foi um erro não dar uma instrução geral há uma semana para vacinar todos?

PROF. LESHEM: Não, acho que a avaliação de risco quando a vacina foi aprovada, há duas semanas, era de um risco baixo. Então, não recomendamos. Apenas possibilitamos a vacinação dos adolescentes, mas não recomendamos. A situação agora é diferente e houve uma mudança na avaliação do risco. Ninguém é obrigado a vacinar os filhos, mas é uma recomendação bastante razoável. Eu vacinei os meus filhos de 14 e 12 anos, porque eles querem ir à escola, querem visitar os avós e talvez viajar para o exterior nas férias. Não há razão para não vaciná-los.

Israel é uma espécie de modelo no mundo. O que pode ser ensinado sobre como lidar com o coronavírus nesta questão das variantes?

PROF. LESHEM: Acho que é possível aprender com Israel que, se você chegar a uma situação em que a maioria da população idosa, que está mais propensa a desenvolver uma doença severa, for vacinada, você pode voltar a uma vida normal porque o risco é baixo. Mas não há, na medicina ou na vida em geral, risco zero. Sempre existe um certo grau de risco. Uma vez que o país, qualquer país, seja capaz de vacinar a maioria de seus cidadãos em risco, ele será capaz de permitir que todos os cidadãos vivam próximo ao que era normal antes. E a segunda coisa: a Covid-19 veio para ficar. Simplesmente se transformará de um vírus potencialmente fatal a um vírus que, se alguém for infectado e tiver sido vacinado, não vai morrer. Então, a previsão é que, em alguns anos, o coronavírus seja mais uma causa de pneumonia e não algo incomum e assustador quanto foi no ano passado.

Há progresso no que tange drogas contra Covid-19, algum tipo de tratamento precoce ou cura?

PROF. LESHEM: Não há dúvida de que a única prevenção, a melhor solução, é a vacinação. Há excelentes evidências científicas para isso. Não há medicamento que possa dar 95% de proteção como a vacina dá. Não só para o coronavírus, mas para qualquer vírus. Os medicamentos comprovadamente eficazes são poucos e caros – como o Remdesivir, por exemplo. É claro que há muitos médicos que oferecem soluções que não são comprovadas cientificamente.

E quando à hidroxicloroquina, que ainda tem gente que sugere para tratamento precoce?

PROF. LESHEM: A hidroxicloroquina não apenas não foi comprovada como um medicamento que ajuda. Ela já foi comprovada como ineficaz. É preciso seguir o que chamamos de “medicina baseada em evidências”. Os tratamentos para o coronavírus, infelizmente, não são bons para quem já se infectou. Existem esteróides, existe o Remdesivir e outros poucos medicamentos muito caros que ocasionalmente apresentam alguma melhora. Existem vários tipos de anticorpos e agentes antifúngicos que você pode tentar administrar em situações difíceis e, é claro, existe o plasma. Mas em todos esses casos, a capacidade de ajudar infectados é muito limitada. Só o que funciona mesmo é a vacina. E ponto.

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