As duas narrativas de vitória: quem venceu a guerra?

TEL AVIV – Israel e o Hamas assinaram um cessar-fogo, que entrou em vigor na madrugada desta sexta-feira, 21 de maio, pelo horário de Israel. Nem bem os lançadores de foguetes esfriaram e os aviões israelenses posaram de volta em suas bases, líderes do Hamas já cantaram “vitória” e milhares de palestinos saíram às ruas da Faixa de Gaza para comemorar, lançado fogos de artifício, bradando gritos de guerra e tremulando a bandeira palestina. A narrativa era de que venceram essa “mini-guerra” de 11 dias, apesar das mais de 230 mortes de palestinos, a destruição de dezenas de prédios, casas e infraestrutura. Apesar das imagens trágicas que fizeram o mundo condenar Israel.

Do lado israelense, não podia ser mais diferente. As pessoas acordaram numa espécie de ressaca, sem gritos de vitória ou cantorias nas ruas, ávidas apenas para catar os cacos, sacudir a poeira e voltar à vida normal. A narrativa é mais confusa diante das 12 mortes e centenas de feridos, casas, carros e estradas destruídos ou incendiados: Israel causou muito dano aos terroristas do Hamas, mas não levou ao fim do grupo que controla Gaza com mão de ferro desde 2007 e que aterroriza os israelenses há 20 anos com seus foguetes e mísseis. Como o próprio ministro da Defesa de Israel, Benny Gantz, disse: “Acabou, mas não foi completado”. Israel não perdeu, mas também não ganhou. 

Depois das bombas, o que realmente importa, para os dois lados, é a narrativa. É como a Operação Guardião dos Muros (nome dado pelo lado israelense) entrará para os livros de História. Como os resultados vão ser absorvidos pelo imaginário da população e como afetará a política. 

Para o general da reserva israelense Amos Yadlin, ex-chefe da Inteligência Militar, ex-vice-comandante da Força Aérea de Israel, ex-adido militar de Israel nos EUA e ex-diretor executivo do Instituto de Estudos de Segurança Nacional (INSS), o resultado dessa rodada de hostilidades terminou num “empate assimétrico”.

“Não há dúvidas que Israel venceu de forma decisiva esse embate, na dimensão militar”, diz Yadlin. “O Hamas falhou em todas as tentativas de atacar Israel. Os túneis subterrâneos – muito usados em 2014 – foram neutralizados, suas tentativas de cruzar a fronteira com drones, com paraquedistas, com militantes a pé ou por mar, foram frustradas. A defesa de Israel foi impressionante. Mas o Hamas conseguiu algumas vantagens políticas. Conseguiu que sua posição entre os palestinos fosse elevada. O Hamas entrou no vácuo que Abu Mazen (Mahmoud Abbas) criou, foi capaz de incitar tumultos internos entre judeus e árabes, em Israel”.

Então, diante desse “empate”, cada lado vai tentar costurar sua narrativa. É mais fácil para o Hamas, que controla um regime ditatorial e mantém 2 milhões de pessoas como reféns em um pequeno território de 40 km de extensão e 5 km de largura. Lá, o que os líderes dizem, é a verdade. É só inventar uma e pronto. É só lembrar o que Hassan Nasrallah, líder da guerrilha libanesa Hezbollah, disse depois da guerra que incitou contra Israel, em 2006. Ele afirmou que conseguiu uma “divina vitória”. Só que, desde então, ele mora num bunker e não sai de lá, com medo de ser morto. E o Hezbollah não voltou a atacar massivamente Israel, apesar de ser cem vezes mais forte que o Hamas. 

Do lado israelense, no entanto, a democracia faz com que as opiniões e análises pipoquem sem parar. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu tenta criar sua narrativa de que Israel destruiu 100 km de túneis subterrâneos do Hamas, acabou com boa parte de sua infraestrutura e etc. Ele tenta vender aos israelense a ideia de que Israel recuperou a “dissuasão” (palavra que poucos entendem, em português, mas que quer dizer causar medo no inimigo para que ele não ataque mais). Nem todos acreditam nesse discurso. Muitos dizem que Israel saiu com o rabo entre as pernas. O clima, então, não é de euforia nas ruas, não é de “vitória”, como gostariam os líderes políticos e militares. A pergunta é: poderia ser diferente?

Para Amos Yadlin, fica claro que a “vitória” que muitos gostariam, em Israel, é ilusória e errônea. Aqueles que pregam que Israel deveria derrubar o Hamas e reocupar Gaza vivem em outro mundo, segundo ele. Reocupar Gaza não era o objetivo estratégico de Israel, agora, e nem deveria ser: “Que tipo de vitória isso nos daria? O que conseguiríamos derrubando o Hamas e voltando a controlar dois milhões de palestinos? Não acho que é uma boa ideia. Vamos tirar essa palavra ‘vitória’ de nossa terminologia. É muito difícil definir isso quando se luta contra uma organização terrorista”.

Yadlin pensa que Israel deveria repensar toda a sua estratégia: “Havia uma sensação em Israel de que o problema palestino foi reduzido a uma prioridade muito baixa, por muitos motivos. O clímax disso foram os Acordos de Abraão, quando países árabes disseram aos palestinos: ‘basta, nós apoiamos vocês a 70 anos, mas vocês só perdem oportunidades de perder oportunidade. Precisamos de Israel como aliado contra o Irã’. Mas essa mini-guerra de agora provou que essa ideia estava errada. A questão palestina está aí, ainda é forte, não acabou”.

Segundo o general da reserva, Netanyahu reverteu a abordagem que deveria ser a certa. Ele endureceu com Abu Mazen e acabou fortalecendo o Hamas: “Netanyahu foi muito duro com Abu Mazen porque não queria avançar no processo de paz. E ele basicamente ajudou o Hamas a ser um mini-Estado, permitiu que o Qatar transferisse dinheiro a eles, fornecesse muito material supostamente para reconstruir Gaza, mas sabemos que o Hamas usou para construir túneis e foguetes. De certa forma, Netanyahu pensou que, se o Hamas representasse os palestinos, seria muito mais fácil para ele dizer que Israel não pode negociar com todos os palestinos. Isso deve ser revisitado pelo próximo governo”.

Colocando a parte a questão da estratégia de longo prazo em relação aos palestinos, tendo a preferir uma Israel pouco eufórica agora, que questiona e critica a narrativa do governo, do que uma Faixa de Gaza certa da “vitória”. Prefiro uma democracia confusa e com narrativas que não funcionam do que uma ditadura com uma só narrativa obrigatória, mesmo que seja de sucesso.

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