Fim do apoio militar dos EUA a Israel?

TEL AVIV – Uma confusão na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, na semana passada, realçou um processo em andamento na política americana: o de distanciamento e diminuição da identificação com Israel. Um grupo de parlamentares da ala mais progressista do Partido Democrata conseguiu, temporariamente, suspender a ajuda financeira de Washington a Israel. Mais especificamente: a transferência de US$ 1 bilhão de dólares, em 2022, para renovar o arsenal de baterias antiaéreas do sistema de defesa Domo de Ferro. 

O Domo de Ferro um sistema de defesa antiaérea desenvolvido em Israel para interceptar e destruir no ar mísseis de curto alcance, foguetes e bombas disparadas de distâncias de 4 a 70 quilômetros e que vão atingir áreas povoadas. Mas isso é caríssimo. Cada bateria antiaérea custa US$ 100 milhões de dólares e cada míssil interceptor, US$ 50.000.

Sem o sistema, os palestinos do grupo islâmico Hamas (e potencialmente outros, como o Libanês Hezbollah) poderiam matar um número alto de israelenses em seus ataques esporádicos – e indiscriminados – contra cidades israelenses.

Tudo começou na terça-feira, 21 de setembro, quando esses parlamentares democratas progressistas conseguiram, de forma surpreendente e sem precedentes, que a assistência a Israel fosse retirada de uma lei orçamentária mais ampla para 2022. Chocados com algo que nunca imaginavam que aconteceria, parlamentares pró-Israel conseguiram, então, aprovar dois dias depois, na quinta (23), uma legislação autônoma restituindo a assistência. A grande maioria dos parlamentares (420) votaram a favor da lei e só 9 (8 deles democratas) votaram contra.

O grupo dos democratas mais progressistas que logrou esse adiamento da ajuda financeira a Israel é formado por parlamentares como Alexandria Ocasio-Cortez, Ilhan Omar, Rashida Tlaib, Ayanna Pressley, Cori Bush, André Carson, Marie Newman, Raúl Grijalva e Chuy Garcia. Só um parlamentar republicado (Thomas Massie) se juntou a eles.

Ocasio-Cortez justificou a intenção de desinvestir na segurança de Israel em um tuíte afirmando que se trataria de uma retaliação ao “bombardeio de civis palestinos [e] centros de mídia” no conflito entre Israel e Hamas, em maio. Ela foi filmada chorando depois que a Câmara aprovou o apoio a Israel. 

Não conheço todos os nomes desse grupo, mas alguns se destacam por lutas por direitos-humanos que muitos judeus em Israel e pelo mundo também apoiam profundamente. É grave perceber a questão de Israel entra no rol dos vilões dessas pessoas.

Mais do que uma briga entre parlamentares pró ou anti-Israel, a querela interna dentro do Partido Democrata é que pegou muita gente de surpresa. Nunca houve dúvidas do apoio quase incondicional – e às vezes cego – do Partido Republicano a governos israelenses. Mas mesmo dentro do Partido Democrata, a simpatia por Israel – mesmo que às vezes acompanhada de críticas – também sempre existiu.

Mas a confusão aconteceu um mês depois do primeiro encontro entre o presidente democrata Joe Biden e o primeiro-ministro israelense Naftali Bennett, na Casa Branca, quando Biden repetiu um mantra que todos os presidentes americanos repetem, há décadas: que os EUA estão comprometidos com a segurança de seu maior aliado no Oriente Médio, Israel. É quase uma humilhação a Biden que políticos de seu próprio partido militem para rejeitar uma ajuda financeira para um sistema de defesa que salva vidas de pessoas em Israel.

Quem defende o desinvestimento no Domo de Ferro o faz acreditando que os palestinos também deveriam ter um sistema de defesa que evite a mortes de seus civis. Como se Israel gozasse, com esse sistema que o próprio pais desenvolveu, de uma “vantagem” injusta na luta contra o Hamas. Eles acreditam que, sem dinheiro para seu sistema de defesa, talvez Israel pensasse duas vezes em manter o status quo em relação aos palestinos, retornando seu foco a negociações de paz.

O que esses parlamentares talvez tenham deixado passar é que o Hamas não está realmente interessado em negociações de paz, já que não aceita a própria existência de Israel. Então, essa ideia de que negociações evitariam ataques do Hamas a Israel é complicada. Há 20 anos, é sempre o Hamas que ataca primeiro Israel, levando o país a responder com força. Israel – mesmo que os incrédulos não acreditem – faz o máximo para evitar mortes de civis palestinos em seus ataques a Gaza. Os céticos podem rir, mas é verdade, mesmo que o número de mortos palestinos, em geral, seja bem maior do que o de israelenses.

Nesse sentido, muitos acreditam que ajudar Israel a se defender também diminui a quantidade de mortos e feridos palestinos. Estando aqui em Israel, posso dizer com toda a certeza: caso ataques do Hamas causem milhares de mortes de israelenses, a pressão popular por aqui seria incontrolável por reações violentas do exército de Israel contra a Faixa de Gaza, podendo levar até mesmo a uma reocupação do território.

Por um lado, pode-se dizer que a votação que aprovou, no final das contas, a ajuda ao Domo de Ferro foi fruto da maior cooperação entre democratas e republicanos nos últimos anos. Afinal, grande maioria dos democratas e republicanos aprovaram a lei, o que demonstraria que o apoio a Israel ainda é “bipartisan”: ainda perpassa os dois partidos americanos.

Por outro lado, o ineditismo de um grupo de democratas – considerados os mais progressistas e defensores de direitos-humanos – tentando evitar a assistência a Israel para um sistema de defesa (não de ataque) é considerado um problema grave e deve abrir os olhos dos israelenses. Talvez tenha acabado a era de apoio americano incondicional a Israel.

O ministro das Relações Exteriores de Israel, Yair Lapid, atribuiu a situação à “terra arrasada” deixada pelo primeiro-ministro anterior, Benjamin Netanyahu, que torpedeou o relacionamento entre Israel e o Partido Democrata ao apoiar abertamente Donald Trump em 2016 e 2020 e ao tentar minar publicamente a posição do ex-presidente Barack Obama na questão iraniana. 

Esse assunto estará certamente na cabeça de Naftali Bennett durante seu discurso na Assembleia Geral da ONU, dia 27 de setembro. Será que Bennett repetirá o que todos os primeiros-ministros repetem (pelo menos desde a década de 60): que Israel e os EUA são aliados incondicionais? E o que acontecerá quando Joe Biden voltar ao acordo nuclear das potências com o Irã?

Como todas as questões sensíveis relacionadas a Israel, as respostas a essas perguntas são complexas e virão com o tempo.

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