Israel e as pessoas negras: diversidade e preconceito

TEL AVIV – O Dia da Consciência Negra no Brasil é um bom momento para analisar a história e a realidade das pessoas negras em Israel. No país de maioria judaica, há cerca de 2,2% de habitantes negros, a maioria judeus etíopes de famílias que imigraram para Israel na década de 80 do século passado. Há também imigrantes ilegais da Eritreia e do Sudão, bem como grupos menores como os Hebreus de Dimona. É cada vez mais normal ver pessoas negras nas ruas, na TV, em propagandas, em locais de trabalho. Mesmo assim, existe racismo e preconceito. 

O maior número de pessoas de origem africana em Israel faz parte da comunidade de judeus de origem etíope (chamados de falashas ou Beta Israel), que é formada por cerca de 130 mil pessoas, sendo que um terço delas já nasceu em Israel e tem o hebraico como língua natal. A imigração em massa dos etíopes é um dos capítulos mais complicados da história de Israel, com lados positivos e negativos. Volta e meia há protestos da comunidade contra casos latentes de racismo, principalmente relacionados à ação policial. 

Em 2019, por exemplo, houve protestos por causa da morte de Salomon Teka, um imigrante etíope de 18 anos, que foi alvejado por um policial em um parque no Norte do país. A polícia alega que ele, juntamente com amigos, jogou pedras contra policiais e que um deles atirou no chão para alertar o grupo. A bala, no entanto, resvalou no asfalto e atingiu Teka. Testemunhas, no entanto, afirmam que foi a polícia que atiçou a confusão e o policial atirou diretamente contra o jovem.  

O caso fez com que manifestantes bloqueassem cruzamentos, ruas e estradas por horas a fio. Em alguns dos pontos, houve incêndios de pneus e quebra-quebra de vitrines e carros. No ato mais violento, manifestantes subiram no capô de um carro e quase lincharam o motorista.  

Não foi a primeira vez que a comunidade etíope saiu às ruas. Em 2015, um vídeo de dois policiais espancando brutalmente um soldado uniformizado de origem etíope provocou dias de protestos. Em janeiro de 2020, em outro caso que provocou alvoroço, outro jovem de 24 anos, também de origem etíope, foi baleado e morto por policiais.  

As manifestações denunciaram o tratamento policial em Israel a cidadãos ou moradores de pele negra. Tanto judeus de origem etíope quanto imigrantes ilegais de países como Eritreia e Sudão afirmam que “os dedos dos policiais apertam o gatilho com facilidade demais”, o que não acontece com a população de pele mais clara. 

Eles também denunciaram o racismo – às vezes velado, às vezes aberto – que permeia a sociedade israelense: dificuldades em conseguir emprego, de entrar em boates, de alugar e comprar apartamentos em certos bairros.  

Recentemente, no entanto, a comunidade saiu às ruas por outro motivo: exigir que o governo traga imediatamente para Israel os restantes 10 mil judeus etíopes que estão em Adis Abeba e Gondar à espera de fazer aliá (imigrar para Israel). Os líderes comunitários estão preocupados com a guerra civil da Etiópia, que começou há um ano e não tem horizonte para terminar.  

O projeto da imigração dos judeus etíopes começou em 1979, poucos anos depois que o rabino Ovadia Yossef os reconheceu como judeus. Os Beta Israel acreditam ser descendentes da tribo israelita de Dan, cujos membros migraram para o Reino de Cush (hoje Etiópia e Sudão) na época da destruição do Primeiro Templo de Salomão, no século VI AC, e passaram dois milênios isolados de outras comunidades judaicas. Para alguns, no entanto, a origem é mais antiga e tem como base a história bíblica do romance entre o Rei Salomão e a Rainha de Sabá. 

Como Israel não tinha relacionamento diplomático com a Etiópia, o serviço secreto israelense, o Mossad, contatou agentes sudaneses para ajudar milhares de falashas a chegarem à fronteira com o Sudão, de onde poderiam ser levados para Israel. O caminho era feito a pé e na surdina e estima-se que 4 mil pessoas tenham perecido de fome ou vítimas de bandidos na caminhada. Diante dos perigos, o governo israelense decidiu acelerar o processo e, em 1985, deslanchou a “Operação Moisés”, levando 8 mil etíopes, de uma vez só, para a Terra Santa.  

Outras operações semelhantes seguiram. Mas os líderes dos etíopes em Israel expõem cada vez mais as falhas do processo que criou uma comunidade com problemas de integração em Israel. As diferenças culturais, sociais e educacionais são latentes, principalmente em comunidades localizadas na periferia. Muitos não conseguiram se adaptar à vida no país e ainda hoje têm dificuldade de se integrar no mercado de trabalho. Isso sem contar com casos de racismo claros, como o de escolas que separam estudantes negros dos brancos.  

Além dos membros da comunidade Beta Israel, há questões envolvendo imigrantes ilegais africanos – que, em geral, cruzam a fronteira do Egito com Israel em busca de emprego. Quase todos são da Eritreia e do Sudão. Esses não são judeus: são na maioria muçulmanos, mas também há cristãos. Muitos alegam ser perseguidos politicamente em seus países de origem e pedem asilo a Israel, mas raramente recebem esse status. Uma boa parte mora no Sul de Tel Aviv.  

A imigração africana começou em 2006 e por uma década foi um dos assuntos mais polêmicos em Israel. Os imigrantes ilegais chegaram a ser 100 mil, um número alto levando-se em conta que Tel Aviv não chega a ter um 1 milhão de habitantes. Com o tempo, soluções foram sendo encontradas, como oferecer dinheiro e ajuda para quem aceitasse ir embora de volta para seu país ou para outro país africano. A Europa passou a ser o destino preferido desses imigrantes a partir de 2011, com o início da guerra civil na Síria. A pandemia do Coronavírus também diminuiu o influxo. Mas hoje eles ainda são dezenas de milhares. 

Outro grupo é o dos Hebreus de Dimona, uma curiosa comunidade de 3 mil americanos-africanos que se estabeleceu no Sul de Israel nos anos 70. São veganos, polígamos e não acreditam em remédios alopáticos. O idealizador do grupo foi o americano Ben Carter, nascido em Chicago, que adotou o nome hebraico e Ben Ammi Ben Israel. Para ele, seus seguidores deveriam deixar para trás todos os bens materiais, confortos e valores da sociedade americana e voltar às origens bíblicas, em Israel. Em 1969, o primeiro grupo imigrou para Israel. Aos poucos, o resto da comunidade o seguiu. Mas, em mais de 50 anos, eles nunca foram reconhecidos como judeus pelo governo do país.  

Os moradores de pele negra em Israel – judeus, muçulmanos ou cristãos – certamente encaram racismo no país, mesmo que muitos israelenses queiram crer que esse tipo de preconceito não exista no Estado Judeu. Afinal, os judeus enfrentam há milênios o antissemitismo por todo o mundo. Mas Israel é um país complexo e heterogêneo, com muitas divisões latentes: judeus X árabes, ashkenazitas X sefaraditas, homens X mulheres. O preconceito com base na cor da pele também está presente e deve ser combatido não só com leis (que existem) mas com mudanças culturais profundas.

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