IstoÉ: precisamos falar sobre antissemitismo

Nada caracteriza mais o moderno antissemitismo do que a ideia do “complô judaico”. Segundo essa tese, renascida na Rússia do século XIX, Fábio Wajngarten, secretário de comunicação do atual governo, o senador Jaques Wagner, do PT, e Gleen Gleenwald, jornalista do The Intercept, pensariam de forma parecida, guiados por agendas políticas definidas por algum ente superior. E tudo isso por um único motivo: são judeus.

Ainda de acordo com essa tese, os judeus, compartilhando os mesmos interesses, operariam segundo uma lógica oculta, definida por interesses também ocultos, sendo capazes de exercer influência em diversas esferas da política, da economia e da sociedade.

A edição da revista IstoÉ desta semana, que traz na capa a chamada “O manipulador do planalto”, acompanhada da imagem do judeu Fábio Wajngarten manuseando marionetes que representam a “televisão”, a “mídia digital”, a “mídia impressa” e o “rádio”, indica que preconceitos dessa natureza seguem circulando.

Desconsiderando as contradições e a diversidade da comunidade judaica, o jornalista denuncia um suposto elo dos judeus com os desmandos do governo, indicando que o secretário de comunicação representa as ideias dos judeus brasileiros. E por que? Simplesmente porque haveria uma certa essência judaica que impõe formas de pensamento a todos os judeus do mundo.

Assumindo a lógica do antissemitismo conspiracionista, o jornalista da IstoÉ não está sozinho. Ele encontra solo comum com os Czares russos que se apoiavam nos Protocolos dos Sábios de Sião para produzir os pogroms, com a propaganda nazista que acusava os judeus de fazerem parte de uma conspiração global que ameaçava a Alemanha, com Stálin e sua tese da conspiração dos médicos judeus, e com o brasileiro Filinto Muller, integralista e chefe de polícia de Getúlio Vargas, envolvido na elaboração do Plano Cohen para justificar o fechamento democrático da década de 1930.

Bem acompanhado o jornalista da IstoÉ não está.

Mas, para chegar nesse ponto de afirmar que o secretário de comunicação do governo Bolsonaro segue uma agenda nascida na comunidade judaica, ele teve que ignorar parte considerável da realidade, omitindo a resistência judaica ao governo, o cancelamento da palestra do então candidato no clube A Hebraica de São Paulo, as manifestações em frente ao clube do Rio de Janeiro, as notas de repúdio de várias organizações por suas declarações e os inúmeros protestos em Israel. Enfim, tudo que não combinasse com a matéria foi ignorado.

Sabemos como funciona, conspirações não têm vínculos com os fatos. Ao contrário, ela os cria. Assim, para produzir essa suposta “conexão judaica”, o autor do texto se vale de artifícios odiosos.

O texto afirma, sem qualquer prova, que empresários judeus “financiaram o acionamento de mensagens em série pelo Whatsapp em favor de Bolsonaro e patrocinaram o esquema de robôs com mensagens do candidato nas mídias sociais”. E chega ao absurdo de dizer que “os israelitas são conhecidos por atuarem no submundo do setor de segurança e informação”, fazendo uso do termo “israelitas”, que designa os judeus, provavelmente no lugar da palavra “israelenses”, relativo aos cidadãos do Estado de Israel, generalização igualmente descabida.

Sem indicar quantos e nem mencionar quem, a matéria assegura que “muitos empresários judeus contribuíram de forma extraoficial para a campanha de Bolsonaro”. Aciona, ainda, estereótipos antissemitas ao fazer referências a “empresários judeus e milionários”, “manipulação”, “jogo duplo”, “mesquinharia” e até traição à pátria, ao citar um ex-colaborador de Bolsonaro que teria alertado o presidente que Wajngarten “queria fazer mais negócios no governo do que trabalhar pelo Brasil”.

Mas há mais um ponto nessa história toda. A política da secretaria de comunicação do governo federal pode até ser passível das críticas conferidas. Não entramos no mérito da comparação de suas práticas com aquelas dos regimes totalitários dos anos 30, e tampouco nos interessa refutar as críticas colocadas. O que defendemos é que as condutas tomadas por Wajngarten não têm nada a ver com o fato dele ser judeu.

E por fim, para evidenciar o tom trágico e irônico, o antissemitismo aberto em relação ao Fábio Wajngarten acaba por transformá-lo em vítima, fazendo com que diversos grupos prestem solidariedade a ele. Ao criar uma realidade fantasiosa a respeito da relação dos judeus com a política, a matéria acaba por fortalecer uma lógica que ela supostamente denuncia.

Instituto Brasil-Israel

ARTIGOS

Inscreva-se na newsletter

MENU

CONHEÇA NOSSAS REGRAS DE
LGPD E CONDUTA ÉTICA

© Copyright 2021 | Todos os direitos reservados.
O conteúdo do site do IBI não reflete necessariamente a opinião da organização. Não nos responsabilizamos
por materiais que não são de nossa autoria.
IBI – Instituto Brasil-Israel
SP – Sao Paulo