Na linha de frente do antissemitismo progressista

Nunca fiz os testes de DNA  “23 and me” nem “ancestry.com”. Nunca foi necessário. A herança judaica da Europa Oriental da minha família é algo que vivemos para honrar, inclusive em nossa posição política.

Como tantos outras, minha família veio aos Estados Unidos para escapar da discriminação no Velho Continente e enfrentou injustiça no Novo: condições de trabalho abusivas; cotas universitárias; exclusão social quando tentamos subir na escada do sonho americano. Dada a nossa história neste país – e nosso envolvimento em tantos movimentos de justiça social – não deveria ser uma surpresa que tantos jovens judeus, inclusive eu, se identifiquem como progressistas politicamente. Como defensor do direito ao aborto, gay e ambientalista, meu lugar nesses círculos sempre foi bem-vindo e aceito.

Pelo menos até agora.

Estou cursando o segundo ano na Universidade George Washington, cujo governo estudantil no ano passado aprovou a proposta de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), e agora me sinto às margens de um movimento no qual eu pensava estar inserido, marginalizado como alguém suspeito, na melhor das hipóteses, e opressivo, na pior das hipóteses. Isso é porque  sou sionista. É porque eu, como 95% dos judeus americanos, apoio Israel.

Antes estar no campus, dizia com orgulho que eu era progressista e sionista. Não achava que houvesse conflito entre essas duas idéias. De fato, eu as via em sincronia, dado que os progressistas há muito defendem os movimentos de libertação de minorias oprimidas. Eu via – e ainda vejo – o estabelecimento do estado de Israel como uma causa fundamentalmente justa: as pessoas mais perseguidas da história humana finalmente obtiveram o direito de autodeterminação após séculos de deslocamento, intimidação, violência e genocídio. Para mim, isso permanece verdadeiro, ainda que eu me oponha à ocupação da Cisjordânia. É o meu sionismo que informa minha opinião de que o povo palestino também tem direito ao seu próprio estado.

Mas minha opinião não é compartilhada com a multidão de ativistas progressistas que encontrei no campus. Deixaram bem claro para mim, e para outros judeus no campus, que qualquer forma de sionismo – até minha própria variante liberal, que critica várias políticas do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e busca uma solução de dois estados para o conflito israelo-palestino –  é um fracasso político. Para esse grupo e grupos similares de universitários em diversas cidades dos Estados Unidos, o sionismo é como se fosse um eco da propaganda soviética de várias décadas atrás, é racista. E qualquer um que se atreva a pronunciar as palavras “direito de existir” é inegavelmente um defensor do racismo.

Dado que quase todos os judeus americanos se identificam como “pró-Israel”, mesmo que a maioria de nós também seja crítica à política do governo israelense, essa intolerância afeta um grande número de jovens judeus americanos. Eu sou um deles.

Em muitas universidades americanas, inclusive a minha, agora é normal que as organizações estudantis chamem Israel livremente de poder imperialista e posto avançado de colonialismo branco, com poucas críticas ou discussões – não importa que mais da metade da população de Israel seja composta por judeus israelenses do meio Leste e Norte da África, e que o país possua uma minoria árabe de 20%. A palavra “apartheid” é lançada sem hesitação. O conflito israelense-palestino é repetidamente arrastado para discussões que variam de equidade LGBTQ (nas quais defender um registro muito melhor de Israel sobre os direitos dos gays em comparação com o de qualquer outro país do Oriente Médio, é tido como “pinkwashing”), de assistência médica à reforma da justiça criminal.

Em uma recente reunião de um grupo político, da qual participei, o sionismo foi descrito pela liderança como um “projeto transnacional”, um argumento antissemita que caracteriza o desejo de um Estado judeu como uma tentativa de dominação global . A organização continuou dizendo que o sionismo não deveria ser “normalizado”. Mais tarde, quando aconselhei um membro a incluir mais vozes judaicas à liderança da organização como um meio de adicionar mais nuances à sua plataforma, tive a certeza de que os judeus anti-sionistas já faziam parte do clube e, portanto, minhas preocupações com o antissemitismo eram infundadas.

Eu esperava essa brecha, pois é muito comum em espaços progressistas: esses grupos se protegem contra as acusações de antissemitismo exibindo seus apoiadores judeus anti-sionistas, apesar do fato de que esses judeus são uma pequena parcela da comunidade judaica. Esse tokenismo é visto como inaceitável – e com razão – em qualquer outro espaço em que uma comunidade marginalizada se sinta ameaçada.

Tudo isso coloca judeus progressistas, como eu, em uma posição extraordinariamente difícil. Freqüentemente, evitamos evidenciar anti-semitismo do nosso lado, por medo de nossa boa-fé política ser questionada ou, pior ainda, de perder amigos ou de ser estigmatizados como aquilo que mais denunciamos: racista, supremacista branco, colonialista e assim por diante. E é exatamente isso que acontece quando falamos.

Após as eleições israelenses em abril, passei uma semana explicando aos meus colegas de classe que havia muitas pessoas em Israel que não votaram no partido Likud de Netanyahu, assim como havia e há muitos americanos que se opõem ao presidente Donald Trump, apenas ser chamado de “facilitador do apartheid”, “matador de bebês” e “apologista colonial” pelos meus colegas, pessoalmente e nas mídias sociais.

No mês seguinte, no May Day, participei de uma manifestação estudantil por salários mais altos para a equipe da universidade, exibindo com entusiasmo um cartaz escrito “salários justos já”, que eu mesmo havia feito. A manifestação atraiu dezenas de estudantes. Todos nos reunimos na quadra onde gritávamos por salários justos, aplaudíamos os palestrantes e vaiávamos os nomes de alguns executivos da universidade. Em seguida, os organizadores da manifestação convidaram palestrantes das organizações “Jewish Voice for Peace” e “Students for Justice in Palestine”. A princípio, aplaudi esses palestrantes – imaginei que, apesar de discordar dessas organizações no que diz respeito a Israel, esses estudantes têm todo o direito de falar sobre a questão de salários justos para a equipe da universidade.

Mas quando começaram a falar, o encontro de repente se transformou de uma manifestação de “salários justos” para uma manifestação de “Palestina Livre”. Os oradores protestaram contra a opressão dos palestinos em Gaza e na Cisjordânia, que, segundo eles, tinham tudo a ver com os trabalhadores da universidade ganhando menos do que seu quinhão. Os estudantes não viram motivos para criticar condições de trabalho ou violações de direitos humanos em qualquer outra universidade, cidade, estado, região ou país. Pessoas sensatas ​​reconhecem que confundir os judeus com pessoas avarentas é antissemitismo. Comparar o conflito israelense-palestino aos salários insuficientes dos trabalhadores da universidade não é diferente.

E na semana passada, um vídeo foi postado no Snapchat de um aluno, no qual outro aluno da universidade é visto defendendo o bombardeio de Israel e, em seguida, passando a proferir palavrões flagrantemente antissemitas sobre os judeus.

Este é o nosso novo normal. Nos campi de faculdades e em círculos progressistas em todo o país, não importa se você se opõe fortemente à liderança da direita em Israel; se você é sionista, é visto como inimigo. Não importa se você acha que o presidente Trump é monstruoso por difamar Ilhan Omar e Rashida Tlaib; Fui taxado de “irremediavelmente problemático” no campus devido à minha falta de vontade de apoiar incondicionalmente a política deles. Não importa se você acredita no direito de autodeterminação para todas as pessoas, incluindo os palestinos; se você ainda sente uma conexão com o Estado de Israel como pátria para o povo judeu, está do lado errado da história.

Enquanto os supremacistas brancos planejam matar judeus em todo o país, os “anti-sionistas” nos campi das faculdades procuram nos marginalizar como supremacistas brancos. Considere o fato de que na Universidade da Virgínia – onde os supremacistas brancos marcharam pelo campus gritando “Judeus não nos substituirão!” – foram estudantes judeus que foram impedidos de ingressar em uma coalizão estudantil minoritária para combater a supremacia branca (essa decisão está sob revisão) . Na Universidade Beneditina, um aluno alinhado ao grupo Estudantes pela Justiça na Palestina pediu a um palestrante convidado que sobreviveu ao Holocausto que denunciasse os crimes de Israel contra os palestinos e depois foi embora durante seu discurso.

Neste mês, mais de 400 estudantes judeus saíram de uma reunião do governo estudantil na Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, depois que o Senado Estudantil, por uma votação de 29 a 4, aprovou uma resolução da organização “Students for Justice in Palestine” que condenava a “fusão de anti-sionismo e antissemitismo”. Na reunião, de acordo com Ian Katsnelson, o único senador judeu, havia um cartaz que equiparava partidários de Israel a nazistas.

Então, depois da votação, a “Students for Justice in Palestine” comemorou a vitória, afirmando que enviava “uma mensagem poderosa às forças supremacistas brancas no campus”. Elencar judeus e seus aliados como supremacistas brancos é uma cultura apelativa: ouse discordar e você será denunciado como seu maior inimigo.

Essa é a realidade de ser um judeu politicamente ativo em muitos ambientes universitários americanos. Se você se considera sionista porque sua família fugiu para Israel de um país do Oriente Médio como meio de sobrevivência, você é cúmplice na limpeza étnica. Se você se considera sionista porque sua família fugiu da Alemanha para escapar de um campo de concentração, você é um colonialista. Se você se considera sionista porque sua família fez aliá a Israel por causa de suas crenças religiosas ou espirituais, você é cúmplice do apartheid.

Os progressistas acreditam que as palavras são importantes e que as palavras podem amortecer o terreno da violência. Também acreditamos que qualquer política que exclua, ignore ou desumanize as vozes das minorias é uma política que é perigosa para todos nós. Esses ativistas, que têm uma influência cada vez maior além do quadrilátero, acreditam que essas mesmas considerações devem ser concedidas aos judeus? Temo a resposta para essa pergunta.

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