O assassinato do cientista no Irã e as implicações para Israel

Amos Yadlin em evento do INSS (Reprodução do Twitter)

TEL AVIV – Até o momento de seu misterioso assassinato nos arredores de Teerã, no último 27 de novembro, quase ninguém no mundo sabia da existência do cientista nuclear iraniano Mohsen Fakhrizadeh (pronuncia-se “Môssen Fahri-Zadê”). Agora, depois de sua morte, Fakhrizadeh – apontado como um dos líderes do programa nuclear do Irã, principalmente da parte secreta e armamentista – se tornou herói nacional e sua eliminação acendeu um alerta mundial quanto a retaliações contra os possíveis mandantes.

Para Amos Yadlin, diretor executivo do Instituto de Estudos de Segurança Nacional (INSS) da Universidade de Tel Aviv, quem ordenou o assassinato tinha três objetivos em mente: remover Fakhrizadeh da liderança do programa nuclear secreto do Irã, dar ao ainda presidente americano, Donald Trump, a desculpa que ele precisa para atacar as instalações nucleares do Irã, e dificultar muito a vida do sucessor de Trump, Joe Biden, caso ele queira voltar ao antigo JCPOA (o acordo entre as potências e o Irã, assinado em 2015).

“Os mandantes não olharam apenas para Teerã, eles olharam para Washington”, diz Yadlin, um general da reserva que serviu por mais de 40 anos no exército israelense e foi chefe de Inteligência Militar e comandante adjunto da Força Aérea. 

Yadlin acredita que Israel, apontado como responsável pelo assassinato pelo regime iraniano, deve estar pronto para uma retaliação, que pode ser imediata ou não: “A segurança nas embaixadas já está ao nível mais alto. A defesa antimísseis estão ativadas e Israel também já deve ter um plano para reagir à retaliação iraniana”.

Quem era Fakhrizadeh?

YADLIN: Mohsen Fakhrizadeh era o chefe do programa nuclear secreto iraniano. Qualquer pessoa que conheça o programa nuclear do Irã sabe que o Teerã tem dois programas: um é o público, com disfarce de civil, fiscalizado pelo AIEA, e outro é militar, o que não é permitido, segundo o Tratado de não proliferação de armas nucleares (TNP), com o objetivo de obter a bomba atômica. Então, quando o Irã anunciou a interrupção de seu programa militar nuclear, em 2003 (quando os EUA derrubaram Saddam Hussein e eles acreditavam que seriam os próximos), Fakhrizadeh, um cientista que também era general da Guarda Revolucionária Iraniana, foi nomeado para dirigir todas as atividades secretas do programa armamentício.

Farhizadeh era conhecido do público no Irã? Podemos esperar mais iranianos nas ruas protestando contra sua morte?

YADLIN: Ele não era uma figura conhecida pelo público. Não apareciam fotos suas na imprensa, seus trabalhos não eram divulgados. Só quem era próximo da Guarda Revolucionária e do regime iraniano o conhecia muito bem, mas não o povo como um todo. Depois de sua morte, é claro, ele se tornou um herói nacional. Mas olhando para as manifestações, não vejo o nível de admiração que vi no caso do assassinato de Qasem Soleimani (janeiro de 2020), que era bem conhecido, quase o herói n° 1 do povo iraniano, ou pelo menos dos iranianos que apóiam o regime.

Ele era um alvo civil ou militar? Em termos da lei internacional, foi um alvo militar legítimo ou apenas um civil trabalhando em um programa militar?

YADLIN: É uma pergunta muito boa. Não sou especialista em direito internacional. Mas, se eu tiver que supor, ele era um alvo legítimo. Ele era, sem dúvida, um general da Guarda Revolucionária.

Qual é o dano do assassinato para programa nuclear iraniano?

YADLIN: Não há danos ao enriquecimento e à parte do programa público. Mas o dano ao programa secreto, o programa de armamentismo, é enorme. Não se pode medir com certeza, mas, sem dúvida, Fakhrizadeh era a fonte central de conhecimento e organização deste programa.

Os iranianos vão retaliar? Contra quem?

YADLIN: Sim. Primeiro, eles precisam decidir quem é o responsável. No primeiro momento, havia quatro candidatos: EUA, Israel, Arábia Saudita e oposição iraniana. Com o passar do tempo, eles passaram a apontar primordialmente para Israel. O dilema é: eles querem uma vingança séria, que também tenha uma dimensão de dissuasão. Mas, por outro lado, eles sabem muito bem que o presidente americano Donald Trump ainda está no cargo até 20 de janeiro e que, há duas semanas, ele consultou seus generais e especialistas em segurança sobre a possibilidade de atacar as instalações nucleares iranianas. Portanto, eles não querem dar uma desculpa a Trump para esse ataque.

Então, eles agora estão olhando para o menu de retaliação e pensando qual será o momento certo. Quando os EUA assassinaram o general Qasem Soleimani, os americanos assumiram a responsabilidade. Então, a vingança iraniana, a retaliação, aconteceu em poucos dias. Eles lançaram dezenas de mísseis contra uma Base Aérea dos EUA no Iraque. Acho que, neste caso, como ninguém assumiu a responsabilidade e isso faz parte de uma guerra encoberta, eles podem adiar a retaliação pelo menos até os últimos dias de Trump na Casa Branca, para não dar tempo suficiente para que ele use a retaliação como um gatilho para um americano ataque.

Qual é o menu de possíveis retaliações iranianas?

YADLIN: Se não quiserem ser agressivos demais, podem reagir acelerando seu programa nuclear. Não o secreto, mas o público. Podem enriquecer mais, podem enriquecer a nível superior, podem instalar centrífugas avançadas. Se decidiram ser mais agressivos, a retaliação pode ser feita contra embaixadas. Eles podem tentar alvejar cientistas ou VIPs israelenses pelo mundo. Eles também podem usar suas proxies no Oriente Médio para atacar Israel: o Hezbollah no Líbano, os houthis no Iêmen ou suas milícias xiitas na Síria ou no Iraque. Se decidiram por um passo extremo, podem lançar mísseis do Irã contra Israel. Portanto, todas as possibilidades estão abertas e não tenho dúvidas de que, neste exato momento, eles estão considerando isso nos fóruns adequados, em Teerã.

O que Israel deve fazer?

YADLIN: Em primeiro lugar, recomendo fortemente aos funcionários do governo que mantenham a boca fechada e não vazem nada. Eles já falaram muito. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu insinuou, na semana passada, que havia feito muito durante a semana e que havia eventos que ele não podia relatar. Os americanos foram rápidos em vazar para o New York Times que a responsabilidade pela assassinato é de Israel. Paralelamente, Israel deve estar pronto para a retaliação. A segurança nas embaixadas já está ao nível mais alto. A defesa antimísseis estão ativadas e Israel também já deve ter um plano para reagir à retaliação iraniana.

Você acha que assassinatos de cientistas iranianos contribuem realmente para atrasar ou atrapalhar o programa nuclear iraniano ou trata-se apenas de jogo psicológico?

YADLIN: A questão do assassinato é muito complexa. Existem muitas abordagens. Num extremo, há quem diga que, quando você neutraliza o líder de um projeto, é sempre muito útil para atrasar ou até acabar com esse projeto. Por outro lado, há quem diga que ninguém é insubstituível e, se manter o líder, você pode até causar mais danos ao induzir uma vingança. Mas os casos Imad Mughniyeh (o n° 2 do Hezbollah morto em 2008), Qasem Soleimani e Fakhrizadeh são exceções. Você até pode substituí-los, mas não há substituto real para suas capacidades, conhecimento, liderança e esforços estratégicos. O Irã se esforçou em duas frentes, nas últimas décadas: conquistar a hegemonia no Oriente Médio – com presença no Iraque, na Síria, no Líbano e no Iêmen – e fazer de tudo para estar o mais próximo possível de ter a bomba atômica. Esses dois esforços foram liderados por Sulemani e Fakhrizadeh e esses dois esforços, sem dúvida, sofreram com o desaparecimento deles da arena.

Quais são as repercussões políticas deste assassinato? Isso tornará mais difícil para os EUA e o Irã voltarem às negociações sobre o acordo nuclear?

YADLIN: Quem ordenou o assassinato tinha três objetivos em mente. Um era remover Fakhrizadeh da liderança do programa secreto de armamento nuclear iraniano. O segundo, a esperança de que uma retaliação iraniana dê ao presidente Trump a desculpa que ele precisa para atacar as instalações nucleares do Irã. E o terceiro é dificultar muito a vida do sucessor de Trump, caso ele queira voltar ao antigo JCPOA (o acordo entre as potências e o Irã, assinado em 2015). Os mandantes não olharam apenas para Teerã, eles olharam para Washington.

Há uma guerra secreta – ou talvez não tão secreta – entre Israel e Irã há tempos. Essa guerra está acelerando? 

YADLIN: Essa guerra começou realmente há décadas. O ataque do Irã a alvos israelenses é algo que começou nos anos 90. Os ataques terroristas à embaixada de Israel e à AMIA, em Buenos Aires, são dois exemplos. Na última década, a guerra passou também para o campo cibernético, como o vírus Stuxnet, por exemplo, que danificou as instalações de Natanz e nunca foi reivindicado por ninguém – mas li em alguns livros que foi comandado por Israel e pelos EUA… Pode ser que no ano passado tenha havido uma aceleração. O motivo é que estamos no final de uma administração muito leal a Israel em Washington. Então, talvez haja uma tentativa de realizar operações que, na próxima administração, não sejam tão aceitas.

Se Joe Biden voltar ao programa nuclear de 2015, quão ruim será para Israel?

YADLIN: Bons acordos são certamente melhores do que qualquer operação militar. Mas acho que voltar ao JCPOA original seria um erro grave. Em 2015, quando o acordo foi assinado, havia duas avaliações muito extremas em relação a ele. Tinha os que apoiavam o acordo porque pensavam que este era o melhor acordo de não proliferação já alcançado e seria até mesmo um motivo para dar um segundo Prêmio Nobel ao então presidente americano. Por outro lado, tinha os que, em Riad, Jerusalém e outros lugares, pensavam que se tratava de algo muito problemático, que poderia ser um segundo Acordo de Munique (o tratado de 1938 no qual britânicos e franceses fecharam os olhos para os perigos da Alamanha nazista e da Itália fascita).

Como analista, nunca defendi essas duas análises extremas. Sempre achei que o acordo tinha lacunas, que não era o melhor acordo possível e que não impedia todos os caminhos iranianos para a bomba. No entanto, era melhor do que a situação em 2015. Ele fez com que o Irã passasse de poder chegar à bomba em dois meses para um ano. E se os iranianos concordassem, poderiam ficar nesse mesmo ponto por uma década. Porém, nos últimos cinco anos, o Irã foi adquirindo legitimidade plena para, se quiser, ter duzentas mil centrífugas com 20 reatores nucleares. E isso não é aceitável.

Aprendemos algo, desde 2015: que a esperança de que o Irã seja menos agressivo e mude seu comportamento no Oriente Médio era uma ilusão. E que o JCPOA em 2015 foi baseado no pressuposto de que o Irã não estava lidando com armamentismo, mas isso também era uma ilusão. 

Portanto, ficarei muito feliz se voltarmos a um acordo, mas só depois que ele seja alterado e as lacunas sejam eliminadas. E se o “JCPOA 2.0” resolver questões urgentes, como a dimensão armamentista do programa e a inspeção falha, e se for um bom acordo que realmente impeça todos os caminhos iranianos para a bomba, isso certamente seria preferível a uma ação militar.

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