O enterro de um rabino que paralisou Tel Aviv

TEL AVIV – A Grande Tel Aviv, onde vivem quase 4 milhões de pessoas, parou neste domingo (20 de março de 2022) por causa de um enterro que reuniu 350 mil pessoas. Ruas e estradas foram fechadas, a polícia pediu calma, as autoridades apelaram para as pessoas evitassem ir ao local, a mídia transmitiu tudo ao vivo, por horas. Mas quem faleceu? Algum ídolo da cultura? O primeiro-ministro? Um herói nacional?

Não. O enterro deste domingo foi de um rabino de 94 anos: o rav Chaim Kanievsky, que faleceu na sexta-feira (18) em Bnei Brak, uma cidade com população ultraortodoxa (extremamente religiosa), pouco antes do começo do shabat (o sábado judaico).

Se o leitor deste texto nunca tiver ouvido falar do rabino Kanievsky, não se sinta sozinho. Nem todos, mesmo em Israel, sabiam quem ele era ou haviam escutado muito o nome dele. Mas para os haredim, os judeus ultraortodoxos “tementes” (tradução de haredim) a Deus, o rabino era mais do que famoso. Era um líder religioso extremamente importante. 

Não vou tentar explicar aqui a importância de um rabino que chamam de “um dos maiores de sua geração”. Até porque eu não sei realmente o que isso quer dizer. Mas, pelo que entendi, ele tinha uma memória incrível e conhecia a Torá como poucos. E, para os haredim, conhecer cada palavra da Torá é um valor supremo. Seu conhecimento da Torá o transformou em líder. O judaísmo não tem santos. Mas talvez esses rabinos “geracionais” são o que mais se aproxima dessa ideia de “santidade”. 

Assim que terminou o shabat, no sábado à noite, começaram a chegar as informações sobre o enterro. Diziam que o público chegaria a 1 milhão de pessoas, que poderia aglomeração (Covid?…) e um empurra-empurra parecido com o que aconteceu em Meron, no ano passado, quando 45 pessoas morreram  pisoteadas no fim das festividades de Lag Baomer por causa do número de participantes em um local que não poderia conter tanta gente. Os mortos eram todos haredim.

As TVs e rádios transmitiram os preparativos e o enterro do rabino Kanievsky ao vivo. As imagens mostraram centenas de milhares de homens vestidos com ternos pretos e blusas brancas (mulheres não participam de aglomerações mistas, claro…) chegando em ônibus e cruzando a pé as ruas e pontes em direção à casa do rabino para acompanhar a procissão até o cemitério. A mídia também transmitiu os discursos, preces e choro dos convidados a falar sobre o legado do rabino.

Mas por que tanta gente? Os haredim são, hoje, mais de 12% da população de Israel. Em 2050, dizem os especialistas, serão 25%. A grande maioria deles é extremamente conservadora nos costumes e arisca a novidades tecnológicas que possam “desviar” e “desvirtuar” os jovens em direção ao secularismo. Há proibição de uso de smartphones, restrição do uso de computadores e da internet, a não ser para entrar em sites considerados “kosher”. Quer dizer: quando um líder ultraortodoxo morre, a tendência é que seus seguidores (homens…) queiram acompanhar o evento in loco.

Não é a primeira vez que um enterro de um líder haredi alcança proporções gigantescas. Em 2013, 800 mil pessoas (10% da população de Israel, na época) compareceram ao enterro do rabino Ovadia Yossef. Outros enterros, de rabinos como Eliezer Shach e Yossef Eliashiv, também atraíram centenas de milhares. 

Na comparação com a (ainda) maioria secular em Israel, os números são enormes. Quando os ex-primeiros-ministros David Ben Gurion ou Shimon Peres morreram, muitos certamente lamentaram e acompanharam os funerais. Mas a maioria o fez pela TV, pelo rádio ou (mais recentemente) pela internet. No caso do assassinato do ex-premiê Yitzhak Rabin, em 1995, multidões realmente se aglomeraram para ver de perto o transporte do caixão de Tel Aviv para Jerusalém e visitaram o local da morte, na Praça Rabin (na época chamada Praça Malchei Israel), mas não houve 350 mil só no funeral, ao mesmo tempo.

No caso da morte de um ídolo da cultura, talvez o maior enterro tenha sido o de Arik Einstein, em 2013, uma espécie de Caetano Veloso israelense. Realmente, houve comoção nacional – e não só entre os seculares. Mas nada parecido com as multidões de haredim em enterros de rabinos.

Há 20 ou 30 anos, a imprensa israelense não cobria tantto esses eventos religiosos, como o enterro do rabino Kanievsky. Naquela época, o secularismo de Israel era mais latente. Mas, em 2022, não se pode mais ignorar os haredim, que são cada vez mais numerosos e influentes, não só política como culturalmente (a série Shtisel é um sucesso também aqui). 

A Israel liberal e progressista das primeiras décadas do país, dos kibutzim, dos shorts jeans e chapéus “tembel”, dos roqueiros, dos filmes “burrekas” (as chanchadas daqui) e etc, não existe mais. Israel ainda tem maioria secular. Mas a minoria religiosa – com seu espectro enorme de estilos e tipos de religiosidade, incluindo judeus, muçulmanos e cristãos – está cada vez mais presente no cenário nacional.

Isso se reflete também politicamente, com certeza, porque os mais religiosos tendem a ser também mais conservadores em termos políticos. Esse dado – exemplificado pelo enterro do rabino Kanievsky –precisa estar na cabeça de todos nós.

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