O jogo da paz: samba e sucesso, mas com que paz?

Mais de 28 mil pessoas foram, nesta segunda-feira, 29 de outubro, ao estádio Sammy Ofer, em Haifa, para ver, ao vivo, ídolos do futebol brasileiro no “Shalom Game”, o Jogo da Paz. Era fácil ver gente com camisas ou bandeiras do Brasil, cartazes ou faixas em português – a maioria nostálgicos brasileiros que moram no país. 

Todos queriam vez os 14 ex-craques do Brasil que desembarcaram em Israel só para o jogo: Ronaldinho Gaúcho, Kaká, Rivaldo, Bebeto, Roberto Carlos, Cafu, Cesar Sampaio, Emerson, Amoroso, Gonçalves, Polga, Aldair, Edmílson e Jefferson. E, de quebra, ver alguns dos maiores ídolos do futebol local, como Reuven Atar, Yossi Benayoun, Itizk Zohar e Giovanni Rosso. 

O fato de que os israelenses perderam de 4 a 2 não incomodou os torcedores não-brasileiros. A partida, um sucesso de público, foi tão lúdica que um dos juízes inventou um cartão amarelo contra Kaká só para poder chegar perto dele e tirar uma selfie. Tudo ao vivo.

Na verdade, apesar de o nome ser “Shalom Game” (Jogo da Paz), não ficou muito claro se o objetivo era mesmo promover um furtiva paz ou apenas divertir (também um objetivo nobre, claro). Em sua página do Facebook, o evento foi definido como “um jogo histórico entre jogadores lendários do Brasil e de Israel (…) promovendo a amizade, a camaradagem, a harmonia e a unidade”. 

Parecia ser algo no estilo dos jogos entre árabes e judeus ou israelenses e palestinos promovidos pelo Centro Peres para a Paz e Inovação e pela ONG “Gol da Igualdade”. Mas que paz foi a exaltada no “Shalom Game”?

“Qual é a conexão com a paz?”, também se perguntou o jornalista Yirad Tzafrir, do jornal Haaretz. “Além de branding e alguns clichês de mídia, realmente não houve nenhuma. Talvez entre Bibi Netanyahu e Jair Bolsonero. Talvez entre Yossi Benayoun e Yaniv Kattan. Jogadores, fãs ou crianças palestinos não foram incluídos no evento e os representantes árabes foram apenas (os jogadores) Salim Touma, Abbas Suan e Zahi Armley”.

O porta-voz do jogo, Rotem Grossman, afirmou ao Haaretz que foi uma vitória tanta gente pagar para ver um jogo com a palavra “Shalom” no nome. Afinal, a expressão é associada, por muitos em Israel, apenas aos esquerdistas.

Em entrevistas sobre o jogo, o craques brasileiros, calejados em respostas à imprensa, usaram de um cabedal de respostas gerais ao serem perguntados sobre questões políticas. O que pensam de Israel? Viram algum sinal de conflito, por aqui? Foram ameaçados ou pressionados pelo BDS para não vir? Todos responderam o que os israelenses queriam ouvir: estavam gostando muito de Israel, não viram nada de ameaçador nas ruas, nenhum sinal de conflito ou de violência. 

“Sabemos que diferenças culturais existem e devem existir em qualquer lugar”, disse César Sampaio. “Faz parte da cultura dos povos. Mas, em Israel, existe respeito ao ser-humano. Pelo que eu vi até agora, é um povo muito acolhedor. É um prazer estar aqui”.

“A palavra Shalom é uma das que nós aprendemos no Brasil. Ela tem um significado muito importante”, argumentou Kaká. “Nós sabemos o que o esporte é capaz de fazer, os valores que o futebol consegue transmitir. Por experiência, sabemos que o futebol pode unir povos. O esporte consegue neutralizar situações de conflito. Queremos que o público se divirta ao mesmo tempo em que transferimos eses valores”.

Jefferson também disse acreditar piamente na importância desse jogo como um instrumento para a paz, seja ela qual fosse: “Este é um evento histórico. Não é apenas um jogo, é uma tentativa de unir pessoas com diferentes pensamentos. A gente nem tem que entrar muito nesses assuntos (de conflito), mas só o fato de saber que, com o futebol, podemos ultrapasser fronteiras, já me sinto feliz”. 

O amistoso foi idealizado pelo advogado e empresário carioca Mauro Rozenszajn, que fez alá para Israel há dois anos. Mauro havia jogado futebol no Rio, na juventude e, depois da aliá, buscou uma maneira de fazer a diferença em Israel – e criar um nicho no mercado de trabalho local – através de sua paixão pelo esporte. A ideia de um jogo com veteranos da Seleção Brasileira surgiu no começo de 2018. Demorou quase um ano e meio para se tornar realidade.

O palavra “Shalom” poder ter sido escolhida por ser famosa e significar algo nobre. Mas a impressão que ficou é a de que, além de vender ingressos, o objetivo foi mais o de promover Israel como um país que anseia pela paz e onde é seguro visitar. Para o famoso jogador israelense Itzik Zohar, trata-se de boas metas.

“O que fizeram os organizadores foi mostrar que em Israel há, além dos conflitos, guerras e outras coisas, pessoas normais. Também temos aqui vida e um país que grita ‘paz’ e que quer falar de paz. É muito importante trazer jogadores desse calibre e mostrar, através deles, essa realidade”, disse Zohar.

Não ficou claro se os jogadores brasileiros tinham em mente que o gol do jogo era mais fazer boas relações públicas do país do que exatamente promover algum tipo específico de paz, especialmente com os palestinos – ausentes do gramado. Para Itzik Zohar, não há nenhum problema em usar a imagem de famosos nesse sentido: 

“Esses jogadores são muito grandes, todo o mundo os acompanha e vê o que eles fazem. Quando eles chegam a um lugar pequeno como Israel, experimentam a realidade, falam bem de Israel e vêm que aqui tem pessoas que, na verdade, só querem se divertir e jogar futebol e esportes, e jogo com convivência e não é como nos mostram no mundo, esse é o objetivo principal. Se a paz é um objetivo político, então o jogo tem um objetivo político”.

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