O “teatrinho” de Pompeo na Cisjordânia e no Golã

O ministro das Relações Exteriores israelense Gabi Ashkenazi (à direita) e seu homólogo americano Mike Pompeo (2° da direita) no Golã em 19 de novembro de 2020. Foto: MFA/Israel

TEL AVIV – O secretário de Estado americano, Mike Pompeo, esteve em Israel por pouco mais de dois dias, na semana passada. Ele inovou a fazer a primeira visita oficial de um secretário de Estado dos EUA a um assentamento israelense na Cisjordânia e às Colinas de Golã. Na Cisjordânia, ele visitou a vinícola Psagot, que fica nos arredores de Ramallah, onde degustou o vinho chamado “Pompeo”, em sua homenagem. Depois viajou de helicóptero para o Golã, onde recebeu um briefing sobre os acontecimentos na fronteira com a Síria e com o Líbano.

O assunto ocupou mais espaço na imprensa estrangeira do que na israelense – com exceção, claro, do jornal gratuito pró-governo “Israel Hayom” (Israel Hoje). No maior diário de Israel, o “Yedioth Aharonoth” (Últimas Notícias), no entanto, a visita foi relegada a uma página interna, com um pequeno texto. Nem chamada de primeira página teve. As rádios e TVs de Israel até cobriram a visita do secretário de Estado – que foi recebido com toda a pompa pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu –, mas sem dar muito peso.

Na escalada do principal telejornal israelense, o do Canal 12, na noite desta quinta-feira (19 de novembro), o assunto nem entrou na lista das 9 pautas mais importantes do dia. O telejornal considerou mais importante o novo aumento de casos de  coronavírus, a movimentação do Hamas na fronteira de Gaza com Israel, a morte de um bebê de quatro meses depois de ser balançado pelos pais, a escolha do jogador israelense Deni Avdija para a NBA americana e até mesmo a onda de influencers “gordinhos” que não se importam com o peso. 

Quando cobriu o assunto, a mídia israelense focou nos inúmeros agradecimentos de Netanyahu a Pompeo por tudo o que a administração Trump fez em prol de Israel nos últimos quatro anos, mas deixou claro que se tratou de uma visita de despedida – mesmo que o próprio Pompeo e seu chefe, o ainda presidente americano Donald Trump, não tenham admitido a derrota para Joe Biden nas eleições americanas. Quer dizer: o que Pompeo faz ou deixa de fazer agora, a dois meses do fim do mandato de Trump, não tem a menor importância real. Não muda nada na realidade da região. 

Nem o simbolismo tem peso. A prova disso é que os palestinos ignoraram a visita de Pompeo a Psagot. Não deram a mínima. E não se ouviu um pio do governo sírio em relação à presença de Pompeo no Golã. Afinal, tantos palestinos quanto sírios têm mais o que fazer e outros problemas mais urgentes para resolver.

Aliás, Pompeo não disse em momento algum algo parecido com “adeus”. Ele manteve a pose de secretário de Estado como se fosse continuar no cargo por anos. Até ameaçou com sanções contra a UNIFIL (os soldados da ONU que patrulham o Sul do Líbano), como se fosse capaz de cumprir a promessa depois de 20 de janeiro de 2021, quando Joe Biden tomará posse.

Toda essa visita foi uma espécie de “teatrinho”. Pompeo fingiu que ainda tem algum poder de influência e Netanyahu fingiu que o fato de que ele botou os pés em um assentamento e no Golã tem alguma importância. Pompeo disse que produtos de assentamentos importados pelos EUA terão selo “Made in Israel” e que irá reconhecer o BDS como um movimento antissemita. Pode até ser que ele tenha algum tempo para dar esses dois passos. Mas também pode ser que a administração Biden cancele tudo assim que entrar em vigor.

Netanyahu manteve o teatro, mesmo já tendo parabenizado Biden por telefone (o que certamente não deve ter alegrado Trump). O premiê israelense quer aproveitar os últimos dois meses do “lame duck” na Casa Branca para conseguir favores finais – talvez alguns “facts on the ground” que sejam difícil de desfazer depois. Quem sabe Pompeo e Trump autorizem a construção de milhares de casas em colônias na Cisjordânia e que o processo para isso comece antes da posse de Biden? 

Mas o maior favor que Netanyahu pode querer (não sei se ele quer, é só uma conjectura…) é que Trump autorize um ataque a alvos nucleares no Irã. Parece que Trump andou pensando no assunto, na semana passada. Afinal, se tem que sair da Casa Branca à força, por que não sair em grande estilo: começando uma guerra com o Irã? Isso não só agradaria seus apoiadores mais entusiasmados como se transformaria em um nó difícil de desfazer para Biden. Ou melhor: ele ganharia duas vezes. Teria mais apoio ainda de seus fãs para, quem sabe, concorrer de novo à presidência em 2024, e atrapalharia quem o venceu nas urnas, transferindo a ele uma baita de uma batata quente.

A administração Trump foi realmente uma disrupção na política externa americana em relação a Israel. Trump reconheceu Jerusalém como capital de Israel, transferiu a embaixada americana para Jerusalém, reconheceu as colônias israelenses na Cisjordânia como legais, desinvestiu na UNRWA, cortou relacionamento com os palestinos, defendeu Israel em fóruns internacionais, moderou os históricos acordos de normalização diplomática entre Israel, Emirados Árabes, Bahrein e Sudão e etc.

Foi um céu na terra para Netanyahu, amigo pessoal de Trump. E deixou um gosto de “quero mais” para muitos israelenses, mesmo muitos progressistas e de esquerda. Afinal, realmente Israel é um saco de pancadas da diplomacia mundial há anos, muitas vezes com razão, mas outras vezes sem razão. E algumas das novidades – como os acordos de paz e o reconhecimento de Jerusalém como capital – foram bem-recebidas pela grande maioria dos israelenses, mesmo os que têm ojeriza de Trump.

Só que Trump foi um ponto fora da curva na diplomacia americana. Agora, é só esperar para ver o que disso tudo Biden vai desfazer. E se a nova administração democrata vai adotar uma política mais balanceada, que não isole ou boicote Israel, mas também não ignore ou afaste os palestinos da mesa de negociações.

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