“Profetas do coronavírus” versus um possível lockdown em Rosh Hashaná

Arnon Afek

TEL AVIV – Por incrível que pareça, até Israel, a chamada “Nação Start-up”, também padece de falsos “profetas do coronavírus”, que negam ou diminuem a importância e a severidade da pandemia de Covid-19. No domingo, 6 de setembro, um grupo de 90 médicos lançou uma campanha para tentar convencer o governo e o público de que a crise do coronavírus está sendo exagerada. Um dos signatários, Dr. Amir Schachar, o chefe da emergência do Hospital Laniado, em Natânia, disse ao Canal 12 de TV que tudo não passa de uma “histeria totalmente desnecessária”.

Os médicos, que escreveram uma carta aberta ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, sugerem que a solução é o já infame método adotado na Suécia, país onde usar máscara nem é obrigatório e onde o governo decidiu, no começo da pandemia, em março, manter “a vida normal” para chegar à tão falada imunidade de rebanho. 

O Dr. Arnon Afek, diretor-geral associado do Centro Médico Sheba, em Tel Hashomer (o maior do país), e presidente do Conselho Nacional de Patologia e Medicina Legal, não consegue conter o desprezo em entrevista sobre a situação atual do surto do novo coronavírus em Israel.

“A negação faz parte da natureza humana e muitos países, acredito, enfrentam o mesmo problema”, diz ele. “Israel é uma democracia, então cada pessoa pode dizer o que pensa, Mas eu acredito que a vida humana é sagrada. Como médico, jurei que faria tudo para manter a vida das pessoas”. 

“Fazer testes perigosos como abrir tudo, deixar as pessoas adoecerem para chegar a uma imunidade do rebanho é perigoso e antiético”, continua Afek. “Alguns países tentaram. O Reino Unido desistiu muito rapidamente e a Suécia continuou, mas sem sucesso. O epidemiologista-chefe do país já admitiu que eles cometeram um erro. Então, até que essas pessoas me provem o que estão dizendo, o que eles sugerem é um jogo perigoso com a vida das pessoas”.

Israel passa pelo pior momento da pandemia, com mais de 3.500 infectados por dia – um dos maiores níveis do mundo em termos estatísticos. O número de mortos em seis meses superou 1.000 (a quantidade de mortos em toda a Segunda Intifada palestina, de 2000 a 2005). Como o país chegou a esse patamar e ao ponto de dar voz a quem nega a severidade da situação em um país que, apesar de ter um pé no passado com suas tradições e religiosos, tem um forte pé fincado na ciência e na inovação tecnológica?

Segundo o professor Afek, Israel reagiu muito bem à primeira onda do coronavírus. O país abriu muito rapidamente “departamentos de corona” e conseguiu realizar medidas nacionais importantes, incluindo a quarentena a todos os que retornavam do exterior. O problema, segundo o professor, é que Israel acreditou ser um modelo de sucesso e empinou o nariz em orgulho. E isso é sempre perigoso: acabou se descuidando e abrindo mão rápido demais de medidas como o lockdown parcial do começo, que misturou dias de toque de recolher total com fases de restrições menos severas. O sucesso acabou sendo um problema.

“As mensagens apocalípticas do começo, de que teríamos milhares de pacientes em ventiladores e mortos, não aconteceram. Então, as pessoas acharam ou que tinha dado certo e acabado ou que era exagerado. Como já estavam muito ansiosas para sair de casa, deram de ombros para as medidas de distanciamento social, uso máscaras e assim por diante. E o resultado disso a gente vê agora”, diz Afek.

A partir de julho, Israel passou a registrar um aumento constante no número de pessoas positivas para Covid-19. O começo do ano letivo, em 1° de setembro, piorou a situação. O sistema hospitalar israelense ainda está conseguindo lidar com o número cada vez maior  de doentes graves e entubados. Mas o professor Afek está preocupado. 

Nesta terça-feira (8 de setembro de 2020), uma nova medida de restrição foi implementada: um toque de recolher noturno (entre 19h e 5h da manhã) em 40 cidades ou bairros classificados como “vermelhos”, com os mais altos níveis de infecção. Cerca de 80% das cidades são árabe-israelenses. As restantes de ultraortodoxos (haredim). Essas são as duas minorias, em israel, que mais têm registrado infecções. 

A grande pergunta é: esse toque de recolher fará alguma diferença? Não seria mais eficaz fazer um lockdown de toda a população? “Entre os árabes-israelenses, que costumam celebrar casamentos com centenas e até mais do que milhares de participantes, os bloqueios noturnos irão diminuir essas aglomerações. Em relação aos religiosos, não tenho certeza se só o toque de recolher noturno ajudará. Tem que acontecer junto com outras medidas, como o fechamento de escolas e yeshivot”. 

“Certamente, um lockdown reduziria mais a infecção e permitiria que o sistema hospitalar melhorasse, se aprimorasse, se preparasse para o inverno”, diz o professor. “Por outro lado, o problema são os efeitos colaterais: econômico, sociais e emocionais. Acredito que devemos fazer todo o possível para não chegar a esse tipo de bloqueio geral por causa de seus efeitos prejudiciais. Mas pode ser que não tenhamos outra alternativa”, diz Arnon Afek.

Para o professor, o momento “menos pior” para fazer esse novo lockdown em Israel é agora. É justamente durante a chamada “época dos feriados”: o mês que engloba o Ano Novo judaico (Rosh Hashaná), Yom Kippur e Sucot. Este ano, o Rosh Hashaná começa dia 18 de setembro. Durante esse mês de feriados, em geral, há poucos dias úteis para trabalho e estudo. O país inteiro sai mais ou menos de férias (como acontece no Brasil no final de dezembro, comecinho de janeiro).

O governo deve anunciar, em breve, as orientações para essas datas religiosas. Até porque será preciso convencer os israelenses a não se aglomerarem em jantares de família no Ano Novo (o mesmo aconteceu em março, na época da Páscoa judaica, o Pessach) ou em rezas coletivas dentro de sinagogas fechadas com ar condicionado durante o Dia do Perdão (Yom Kippur). No Yom Kippur, também existe a tradição de que ninguém anda de carro no país (com poucas exceções). Então, todas as crianças saem às ruas e estradas vazias com suas bicicletas, seus triciclos e patinetes. Será que isso será proibido, este ano?

“Não acho que o governo vá fechar sinagogas. Principalmente no Yom Kippur, um dia muito sagrado para o povo judeu”, acredita o professor. “Mas espero, pelo menos, que as pessoas sigam as medidas corretas. Que orem em espaços abertos, em cápsulas com poucos fiéis juntos, algo assim. Em relação às crianças, também não acho que vão proibir que elas andem de bicicleta no Yom Kippur. Mas a verdade é que cabe ao governo decidir”.

Mesmo que o governo decida por um lockdown durante as festividades de Tishrei (o primeiro mês do ano judaico), é preciso pensar numa estratégia de saída desse lockdown. Não apenas acabar e ponto. Senão, não adianta nada. Ao meu ver, houve sim uma graduação de saída do lockdown de março e abril. Houve instruções. Mas, ao que tudo indica, foi rápido demais e muitos cidadãos acharam que tudo tinha acabado.

“A estratégia de saída da primeira onda falhou. Alguns dizem que nem houve estratégia. Se houve, ela falhou. Se não houve, é prova de que deveria ter havido”, diz o Dr. Afek. “Se não planejarmos com antecedência a forma como sairemos do lockdowns, corremos o risco de voltar ao mesmo ponto inicial. Será inútil”.

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