David Ben-Gurion, 133 anos depois: o pai da nação cultuado e revistado

O icônico fundador de Israel, David Ben-Gurion, se sentou na cadeira de primeiro-ministro, em Jerusalém, por pouco mais de 13 anos (1948-1954/1955-1963). Até setembro passado, era o líder com mais tempo no poder desde a criação de Israel, em 1948. Agora, o recordista é o atual premiê, Benjamin Netanyahu. 

Mas, diferentemente do polêmico Netanyahu, David Ben-Gurion é amplamente cultuado como Pai da Nação. A imagem do velhinho careca proclamando a Independência do país, em 14 de maio de 1948, em Tel Aviv, é um dos maiores símbolos nacionais. Outra de Ben-Gurion, já idoso, plantando bananeira em uma praia, vestido apenas com roupa de banho, está gravada na mente dos israelenses.

A imagem de David Ben-Gurion como criador das instituições nacionais se mistura com o mito de um líder “das antigas”: humilde e interessado apenas no bem comum. Ele seria tudo que o israelense gostaria de ser: ético, humilde, zen. Mas, por outro lado, um líder corajoso, sem medo de tomar decisões polêmicas e pioneiras e se colocar contra tudo e todos. As críticas – certamente existentes – não mancham a imagem pública. Todos os líderes pós Ben-Gurion foram comparados a ele. 

Mas quem foi David Ben-Gurion? Ele nasceu há exatos 133 anos (16 de outubro de 1886) com o nome de David Grün em Płońsk, na Polônia (na época, parte do Império Russo). Perdeu a mãe aos 11 anos. O pai era um advogado e ativista do movimento Hovevei Tzion, voltado par a luta contra o os pogroms na Europa. Desde jovem, se envolveu com a ideia do sionismo: a autodeterminação do Povo Judeu em algum lugar do mundo (mesmo que não especificamente em Eretz Israel). 

Em 1906, imigrou para Jerusalém, na época sob controle dos turco-otomanos. Alguns anos depois, adotou o sobrenome Ben-Gurion. Quando a Primeira Guerra Mundial começou, em 1914, se uniu a uma milícia pró-otomana. Três anos depois, após a Declaração Balfour (que prometia um Lar Judaico na Palestina), decidiu mudar de lado e apoiar os britânicos. Fez campanha pelo alistamento de judeus da Palestina no exército inglês.

Durante o Mandato Britânico na Palestina (1920-1948), se tornou o principal líder do Yishuv (a comunidade judaica na região). Foi presidente da Agência Judaica e da Organização Sionista Mundial. Desempenhou o papel fundamental no estabelecimento do Histadrut – o principal sindicato da Palestina mandatória – e no desenvolvimento da organização paramilitar Haganá. Também ajudou na criação do Mapai, precursor do Avodá (o Partido Trabalhista), que dominou a política israelense até 1977. 

Após a proclamação da Independência, Ben-Gurion teve que lidar com uma situação de crise que muitos políticos não conseguiriam enfrentar. Enquanto os 600 mil judeus do Yishuv comemoravam pelas ruas, ele temia os desafios por vir: a declaração de guerra de países árabes contra o recém-criado Estado de Israel e a absorção de milhões de imigrantes judeus em um país micro com uma economia de pós-guerra. 

Coube a ele conceber e pensar como seria Israel. Nem sempre suas decisões agradavam. Como, por exemplo, a de criar e manter relacionamento com o governo alemão após o Holocausto. Mesmo com o recedimento de indenizações milionárias, muitos israelenses se opuseram.

Outra decisão complexa foi a do status quo com os haredim. Mesmo sem qualquer tendência religiosa (se dizia “arreligioso”), prometeu aos ultraortodoxos que Israel seria um Estado não-teocrático com liberdade religiosa, mas no qual o shabat seria o dia oficial de descanso e a alimentação kasher, a servida em órgãos públicos. Abriu caminho para criar uma jurisdição única para os assuntos da família judaica, estabelecendo que cada setor teria autonomia na esfera da educação. As consequências são sentidas até hoje com o fortalecimento dos haredim na política nacional e o aumento populacional dos ultraortodoxos. 

Historiadores acreditam que Ben-Gurion temia que, sem estender a mão aos haredim, perderia o apoio de milhões de judeus pelo mundo, para os quais a criação de Israel, três anos após o fim do Holocausto, era algo quase místico.

Nas primeiras semanas após a Independência, Ben-Gurion ordenou que todas as milícias judaicas fossem substituídas por um exército oficial, as Forças de Defesa de Israel (FDI). Não foi simples. O casodo navio Altalena é um exemplo trágico. O navio carregava armas compradas pelo Irgun, a milícia liderado por Menachem Begin. Ben-Gurion exigiu o confisco das armas. O resultado foi um confronto às margens de Tel Aviv que deixou 16 militantes do Irgun e três soldados das FDI mortos. 

Também foi sob Ben-Gurion, em 1959, que o criminoso de guerra nazista Adolf Eichmann foi capturado pelo Mossad na Argentina e levado para Israel, julgado e condenado à morte. A missão, apesar de nobre para a maioria, conta com críticos que questionam o direito de Israel de sequestrar pessoas – mesmo que nazistas em fuga – em outros países.

Dizem que Ben-Gurion era “quase obcecado” com Israel obter armas nucleares. Para ele, era a única garantia para a sobrevivência de Israel diante da superioridade numérica dos países árabes. Sua visão sobre o o mundo árabe, aliás, foi desfiada por ele em dois livros: “Nós e nossos vizinhos” (1931) e “Minhas conversas com líderes árabes” (1967). No segundo livro, ele afirma que os árabes de Israel devem receber os mesmos direitos de qualquer cidadão, incluindo o de ser eleito presidente do país.

Em discurso na ONU, ele reconheceu o apego dos árabes-palestinos à mesma terra onde está localizado o Estado de Israel e defendeu uma colaboração entre os povos: “Esta é a nossa terra natal (…), mas está situada em uma área envolvida por pessoas de língua árabe, principalmente seguidores do Islã. Devemos fazer mais do as pazes com eles. Precisamos chegar a colaboração e aliança em termos iguais”.

Uma série de biografias ao longo dos anos tentaram decifrar Ben-Gurion. A mais recente é “Um Estado a todo custo” (“A State at Any Cost”), de Tom Segev. O autor israelense, conhecido crítico do sionismo, acusa Ben-Gurion de usar a resolução da Partilha da Palestina (1947) como incentivo para implementar o que chamou de “antigo sonho sionista”: “o máximo de território com o mínimo de árabes”. 

Segundo Segev, Ben-Gurion escreveu em seu diário, às vésperas da Declaração de Independência, a seguinte indagação: “Os árabes devem ser expulsos?”. Mas o professor Efraim Karsh, do Centro Begin-Sadat da Universidade Bar-Ilan, rejeita essa análise. Ele diz que, no diário, Ben-Gurion se pergunta o que fazer com um pequeno número de árabes que viviam em vilarejos que serviam de base para ataques a alvos judeus.

Karsh cita que o próprio Ben-Gurion argumentou que, “se o sionismo desejasse expulsar os habitantes da Palestina, teria sido uma utopia perigosa e uma miragem reacionária e prejudicial”. Em 1947, após a Partilha, ele afirmou: “Em nosso Estado também haverá não-judeus – e todos serão cidadãos iguais. O Estado também será o Estado deles”.

A saída de cena de Ben-Gurion aconteceu em 1970. Ele se mudou para o meio do deserto do Neguev, mais precisamente para Sde Boker, um remoto e isolado kibutz. Lá, ele viveu até sua morte, em 1973, junto com sua esposa, Paula, mãe de seus três filhos: Amos, Geula e Renana. 

A imagem de Ben-Gurion, cultuada pela maioria e analisada por muitos, reflete a complexidade que é Israel. Mas se o julgamento sobre ele ainda continua, sua defesa tem, até o momento, a vantagem. 

Pelo menos uma coisa é certa: sua humildade como político que andava de calças curtas, plantava bananeira e amava a vida simples do deserto contrasta com a de políticos atuais, aparentemente ávidos por status e dinheiro. 

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