Entrevista com Yair Hirschfeld, um dos aquitetos do processo de paz de Oslo

(texto originalmente publicado no Fathom)

No momento em que a peça Oslo estreia em Londres, Calev Ben-Dor, do Fathom, entrevistou Yair Hirschfeld, que foi, juntamente com Ron Pundak, um dos arquitetos do processo de paz de Oslo. Se a história humana que Hirschfeld nos conta sobre como o processo de paz avançou e chegou até o gramado da Casa Branca já é em si mesma fascinante, sua análise política do fracasso – dos erros cometidos, da opinião pública ignorada, de estradas abertas que não foram percorridas – é uma leitura essencial para israelenses, palestinos e a comunidade internacional.

Calev Ben-Dor: Oslo ganhou o prêmio de melhor peça no Tony Awards e será estreada em Londres em setembro. Seu personagem é apresentado na peça de modo que muitos dizem ser inexato. O que você acha em relação a isso?

Yair Hirschfeld: A ideia da peça é excelente no que concerne a demonstrar que Oslo é um importante desenvolvimento histórico, e é provável que ela deslanche um debate público nos Estados Unidos, no Reino Unido e também em Israel e na Palestina, o que será muito bem-vindo. No entanto, é importante ter em mente que é uma peça ficcional – até onde sei, o autor não fez qualquer esforço para conversar com nenhum de nós.

A peça tem também duas falhas básicas. A primeira é similar à do poema O fardo do homem branco, de Rudyard Kipling, no sentido de que ela – a peça – sugere que israelenses e palestinos são incapazes de celebrar a paz entre si, por isso precisam dos ocidentais, esclarecidos homens brancos noruegueses, para fazê-la, o que está longe de ser verdade. O conflito é entre dois povos cujas pátrias ficam no mesmo lugar e ambos experimentaram sérias ameaças existenciais, que têm ocorrido durante os últimos 130 anos. A ideia de que ele possa desaparecer num estalar de dedos é uma proposição muito perigosa, e olhar o conflito através dessas lentes distorce fatos e realidades básicas. Existem profundos componentes emocionais, históricos, políticos e psicológicos nesse conflito, e cada um exige que se construa, a longo prazo, um ambiente de confiança e legitimidade para que se possa resolver o conflito. É pena que isso não seja representado na peça.

CB-D: Voltando à realidade, como aconteceu sua participação em Oslo?

YH: A peça descreve o processo de Oslo como tendo começado em 1992, quando os noruegueses entraram em cena para romper o impasse que se instalara entre israelenses e palestinos. Meu papel no processo começou em fevereiro de 1979. Meu campo de especialização acadêmica é o Irã, e após a revolução fui convidado a falar na televisão austríaca, o que levou a um encontro com o chanceler Bruno Kreisky, e ele pediu que eu me envolvesse no diálogo israelo-palestino.

Uma proposta que apresentei a Kreisky foi levada ao príncipe herdeiro da Jordânia, e em outubro de 1980 recebemos como resposta um documento que levei a Yossi Beilin e Shimon Peres — porta voz e líder do partido trabalhista israelenses, respectivamente. Trabalhei arduamente com os dois lados para introduzir e manter em andamento negociações israelo-palestino-jordanianas. Passamos, nos bastidores,  por um período de tentativa e erro de aproximadamente 12-13 anos para verificar o que era e o que não era possível. Consegui construir uma relação de confiança e respeito com líderes palestinos na Cisjordânia e em Gaza. Com base nas lições aprendidas nesse processo inicial, o secretário de Estado americano, James Baker, convocou a Conferência de Madrid e Peres enviou-me a Madrid para observar como as coisas estavam evoluindo com os principais atores – os americanos, os europeus e o lado jordaniano-palestino.

Um amigo palestino deu-me uma descrição detalhada das posições de israelenses e palestinos em Madrid, e quando Yitzhak Rabin assumiu o cargo de Primeiro-Ministro um ano depois, começamos a estudar como poderíamos seguir em frente. Em 1992 as negociações formais em Washington não estavam indo para lugar nenhum – houve uma grande atentado terrorista e Rabin exilou cerca de 400 membros do Hamas no sul do Líbano. Nesse contexto, depois de o Knesset – parlamento israelense –  ter revogado uma lei que proibia israelenses de falarem com a Organização para a Libertação da Palestina, a OLP, meu ex-aluno Ron Pundak e eu nos encontramos com a delegação da OLP na Noruega, e consideramos que  nosso papel seria primeiramente o de constatar e estabelecer quais eram os fatos.

Previamente, os israelenses tinham tido a ideia de abordar primeiro a questão de Gaza, e na Noruega, Abu Ala, alto oficial e negociador palestino, sugeriu a mesma coisa, porém Beilin pedi que eu preparasse outro documento. Minha tarefa, nessas conversações em nível II (não oficiais), foi preparar um documento conceitual que pudesse ser levado ao nível I (oficial) e, posteriormente, constituir a base para as negociações. Passei quatro dias em casa e, com base no conhecimento do que havia acontecido antes e naquilo que eu achava ser possível, escrevi um rascunho novo para um acordo. Esse rascunho tornou-se, depois, o esquema para os Acordos de Oslo (com algumas importantes mudanças que, em minha opinião,  não foram tão boas quanto o original!).

Durante esse período eu pedi especificamente aos noruegueses que não estivessem presentes no recinto da negociação. Eles nos hospedaram e acolheram, e estávamos muito gratos por isso, mas eu acreditava que o conflito só poderia ser resolvido por israelenses e palestinos, e não queríamos que eles se envolvessem na parte substancial das negociações.

CB-D: Que lembranças você têm do relacionamento entre os negociadores? O quanto vocês se aproximaram uns dos outros? Houve momentos específicos nos quais as conversas ficaram difíceis?

YH:  Negociações não são um evento social. Os negociadores, em última análise, têm de representar os interesses nacionais de seu país e começam fazendo declarações contraditórias. Por um lado, eles expressam uma real determinação de alcançarem um acordo, mas, por outro, precisam enfatizar as linhas vermelhas que marcam seus limites de concessões. Eu, pessoalmente, tinha uma tarefa adicional, que era a de propor ideias relevantes ao mesmo tempo em que mantinha em aberto a possibilidade de contestação, de modo a não comprometer o nosso governo. A parte social de Oslo foi exagerada por jornalistas. Havia amizade e um envolvimento sério, mas em essência o que queríamos era definir um terreno comum e ver como poderíamos criar condições para um acordo.

Assim como aconteceu em outras negociações, houve pelo menos dois momentos de grande conflito: primeiro, quando inicialmente identificamos um terreno comum, também estávamos identificando, inevitavelmente, uma área de “terreno não comum” – os pontos onde havia conflito. O desafio era descobrir como eliminar essas áreas de desacordo. O que nos ajudou a superar isso foi a dramática oferta que Peres fez a Yasser Arafat, de que voltasse de Túnis para os territórios caso chegássemos a um acordo. Isso foi levantado já no terceiro encontro, quando ainda estávamos na fase de estabelecer fatos (e antes de nos depararmos com uma crise). Assim, já contávamos com um “fazedor de acordos” antes de chegar ao primeiro momento de conflito. A oferta de Peres fez Abu Ala perceber que ele precisaria aceitar o que Arafat sempre quis – a posição do líder exilado de seu povo que retornava à sua pátria.

O segundo momento de conflito surgiu após eu já ter dito ao ministro do Exterior da Noruega que havíamos chegado a um acordo em 6 de julho de 1993. Em muitas negociações, um dos lados frequentemente tenta fazer o bolo crescer (aumentar suas reivindicações) e provocar uma crise no último momento (pois só então pode garantir que o acordo seja o melhor possível para ele). Foi isso que os palestinos fizeram entre o início de julho e meados de agosto, mas foi habilmente neutralizado pelo diretor-geral do Ministério do Exterior israelense, Uri Savir.

CB-D: Um dos feitos mais importantes do acordo de Oslo foi adiar as conversações sobre o status final para o fim do processo. Em retrospecto, como você avalia essa estrutura das negociações? 

YH: Estou mais convencido do que nunca de que essa era a única opção. A suposição de que um conflito com mais de 100 anos possa ser resolvido com um pedaço de papel está totalmente fora da realidade. Para poder resolver questões de status final, como Jerusalém, refugiados, etc., temos de criar confiança e legitimidade, assim como as estruturas de uma solução de dois estados que funcione. É preciso que o processo seja gradual.

Depois de assinar o acordo de Oslo tentamos negociar imediatamente todas as questões relativas ao status final (a partir de entendimentos entre Beilin e Abu Mazen, então Ministro das Relações Exteriores palestino e presidente da Autoridade Nacional Palestina em 1994), objetivo que levou a um fracasso após outro. Arafat disse a Beilin e a mim que negociar um status final naquela ocasião não ia funcionar, mas nós não o ouvimos. Este é meu maior arrependimento. Sari Nusseibeh também me disse que precisávamos do Likud no governo, e não do partido Trabalhista (o que equivaleria a dizer aos que apoiaram Bernie Sanders que precisávamos de Donald Trump!). O raciocínio de Nusseibeh era que, se o Likud estivesse no governo, os israelenses avançariam lentamente para um acordo de paz e a Autoridade Palestina teria tempo para criar instituições com o apoio da oposição pró-paz em Israel. Não acreditamos nele naquele momento, mas agora sei que tinha razão, contanto que se adotasse uma abordagem diferente em relação à expansão dos assentamentos, permitindo a construção em áreas já construídas, mas não além delas. 

CB-D: Você quer dizer com isso que os palestinos precisavam de uma abordagem gradual para poderem adquirir legitimidade, estabelecer as estruturas de um estado e ter controle sobre elas?

YH: Sim. O desafio para o Fatah era deixar de ser um movimento revolucionário para serem os líderes de um estado responsável, próspero, contíguo [ao nosso], em sua pátria, e dono de um território no qual teriam de forjar um acordo com seu inimigo. Além disso, era uma situação na qual um futuro estado palestino teria de cooperar com Israel (dada a proximidade geográfica e as enormes vantagens econômicas que podemos oferecer) para ser bem-sucedido. E tudo isso leva tempo.

CB-D: Quais foram, em sua opinião, as maiores realizações e os maiores fracassos de Oslo?

YH: Minha geração cresceu nas décadas de 1950 e 1960, época na qual Israel estava totalmente isolado, internacional e regionalmente. O secretário de Estado americano, John Foster Dulles, disse que Israel era uma pedra pendurada no pescoço da América, e a União Soviética nos ameaçava militarmente. A grande realização de Oslo foi abrimos Israel para o mundo inteiro. Nós construímos um relacionamento sério com os palestinos, até mesmo uma parceria (e afirmar que não há um parceiro para a paz é ultrajante, porque eles são parceiros, para o bem ou para o mal); temos relações com o Egito, a Jordânia e outros estados árabes; temos um relacionamento muito estreito com os Estados Unidos e a Europa. Oslo é o maior fator desse processo. E ele nos proporcionou uma estatura moral mais elevada, o que, acredito, é muito importante.

Em termos do que ficou a desejar, no lado prático, os palestinos prometeram menos terrorismo, mas tivemos mais;  Israel prometeu menos assentamentos, mas tivemos mais; ambos prometemos uma transição pacífica para o fim do conflito e isso não aconteceu. Mas olhando mais de cima, de um ponto de vista mais abrangente,  tínhamos um paradigma errôneo – o que precisávamos fazer era fortalecer o conceito de uma solução de dois estados, avançar no reconhecimento mútuo, e construir um contíguo e responsável Estado da Palestina que funcionasse. Tínhamos de atravessar o processo de transformar o movimento palestino revolucionário numa sociedade empenhada na construção de um Estado, e o período intermediário de cinco anos era ambicioso demais, um tempo irrealisticamente curto para fazer isso. 

Em 2000 dois desenvolvimentos cruciais nos proporcionaram efetivamente a oportunidade de adotar esse paradigma. Arafat queria anunciar o Estado da Palestina em 1º de janeiro de 2001, e assumir o controle sobre 51-53 por cento do território (com mais dois anos de negociações sobre o restante dos territórios), realizar eleições em Jerusalém oriental e que Israel reduzisse o financiamento dos assentamentos.

Ao mesmo tempo houve um acordo paralelo. Um ex-secretário-geral do movimento dos assentamentos, e que estava no governo, Otniel Schneller, tinha chegado a um acordo sobre questões civis com sua contrapartida palestina, Jamal Tarifi. A proposta de Arafat, combinada com a estrutura do acordo Schneller-Tarifi constituíam um acordo perfeito que poderia ter levado o processo de Oslo a um claro sucesso. Em vez disso tivemos um primeiro-ministro que propôs a ideia de ‘tudo ou nada’ – ou um acordo de status final ou absolutamente nada, o que foi uma proposição exorbitante.

O segundo erro foi termos esperado poder fazer a paz sem a participação de dignitários religiosos de ambos os lados. Como exemplo de quão seculares fomos, em 2006 as delegações foram convidadas pelo governo espanhol para ir à Espanha, para as comemorações do 15º aniversário da Conferência de Madrid, e quando nos serviram carne de porco nenhum membro das delegações israelense e palestina viu problema em comê-la. Obviamente não éramos representantes da totalidade de nossos públicos. A ideia de que podíamos manter de fora dignitários religiosos era problemática. Só chegaremos a um acordo de status final e ao fim de todas as reivindicações se contarmos com alguma forma de bênção religiosa para ele.

C-BD: Após vinte e cinco anos nos quais houve várias tentativas para um status final, atualmente não há um acordo para recomeçar negociações, e ambos os públicos parecem estar ambivalentes em relação ao paradigma de dois estados. Quais, em sua opinião, são os desafios futuros?

YH: Do lado israelense ainda há uma maioria em Israel a favor da solução de dois estados, a qual eu creio ser necessária para a identidade e a segurança tanto do povo judeu quanto do povo palestino, mesmo na vigência do Parlamento atual. Temos de repassar esse trabalho para a geração mais jovem, que terá de lidar com a questão religiosa, a interface islâmico-judaica e as questões internas do lado israelense, entre as diferentes correntes da sociedade. Israel precisa de uma estratégia com cinco componentes: maioria suficiente em Israel para chegar a um acordo com os palestinos que enxergue a solução de dois estados; estabelecer uma parceria com os palestinos; ampliar nossas relações com o mundo árabe; fortalecer nossas relações com a Europa; fortalecer nossas relações com os Estados Unidos.

Para o povo palestino, creio que o desafio seja o de dirigir suas energias no sentido de construir uma vida segura, próspera e digna para eles mesmos em seu próprio estado, o qual, assim como Israel, será capaz de oferecer proteção existencial aos membros de seu povo que vivem foram das fronteiras do estado.

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O desafio para ambos os povos, trabalhando juntos, é construir uma ponte entre Oriente e Ocidente, para a Europa e os Estados Unidos, de um lado, e para o mundo árabe e islâmico do outro.

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