“O Hamas tenta atrair atenção mundial”

Tel Aviv – A voz de barítono do jornalista Alon Ben-David é inconfundível. Aos 51 anos, ele é especialista em assuntos de defesa e questões militares e conhecido do público por suas aparições nos telejornais do Canal 10 da TV israelense. Formado em Ciências Políticas pela Universidade de Tel Aviv, com mestrado em Administração Pública pela Universidade Harvard, Ben-David começou a carreira jornalística como repórter militar Galey Tzahal, do exército. Depois, passou pela rádio Kol Israel e pelo Canal 1 e, desde 2003, está no Canal 10.

Alon Ben-David também colabora com revistas internacionais e ancora um programa sobre defesa no canal privado i24News, além de dar palestras e aulas eventuais em Israel e no exterior. Ele falou ao IBI durante a Conferência de Homeland Security e Cyber de Tel Aviv 2018, da qual participou como palestrande.

A trégua entre Israel e o Hamas durou cerca de quatro anos. O que levou à escalada nas hostilidades mais recente?
O Hamas é um movimento racional. Não quer entrar em conflito com Israel. Quer sobreviver como um governo, como uma entidade. Se considera a única entidade do Oriente Médio que representa a Irmandade Muçulmana. A única que sobrevive. No Egito, os membros da Irmandade Muçulmana foram para a cadeia. Na Jordânia, são oprimidos. Na Síria, foram abatidos. Mas, quando começou a ser negociado um acordo de reconciliação entre a Autoridade Palestina e o Hamas, a AP passou a pressionar o Hamas, começou a reduzir o dinheiro, a reduzir a eletricidade em Gaza. O Hamas, então, não tive escolha a não ser tentar atrair atenção mundial.

 Atrair a atenção por que?
Por que o mundo, incluindo o mundo árabe, com exceção do Qatar, não se importa mais com Gaza. Então, o Hamas decidiu começar essas manifestações na fronteira com Israel (em 30 de março) para chamar atenção. Mas o raciocínio básico do Hamas é não começar uma guerra. Eles se consideram militarmente em posição mais fraca do que Israel, até porque foram cortados de suas linhas de suprimentos há anos. Eles não são capazes de importar armas normais, então eles precisam produzir armas improvisadas. Mas eu tenho que tirar o chapéu para eles. Eles dão as cartas com ousadia, entendendo que Israel também não quer uma guerra. Eles sabem, também, que vão ficar sem sua infraestrutura subterrânea, porque nós teremos destruídos todos os túneis subterrâneos do Hamas até o final de 2019. Então, para eles, o que importa é sobreviver e evitar uma guerra em larga escala.

Qual é a estratégia de Israel em relação a Gaza?
Não há estratégia israelense em Gaza. Nosso governo nunca tomou nenhuma decisão. Queremos ver Gaza como parte da Cisjordânia, como parte da Autoridade Palestina? Queremos olhar para Gaza como uma entidade independente, o que de fato é? Não tomamos nenhuma decisão. Tivemos quatro anos para pensar em algo, mas os disperdiçamos. Parece que nossos tomadores de decisão estão fazendo o máximo para não decidir o que fazer com Gaza. Então, seguimos o fluxo. Por um tempo, o fluxo foi liderado por Mahmoud Abbas, mas não estava nos servindo e não estava servindo a Gaza. Estava servindo apenas a Abbas.

Como assim?
Abbas cortou a eletricidade de Gaza, não permitiu que grandes projetos de energia elétrica e dessalinização fossem para lá. Levou essas pessoas ao desespero. O gazano médio não tem trabalho – lá, o desemprego é de 57%. Então ele diz: sabe de uma coisa? Eu vou para a fronteira na sexta-feira, vou receber 100 shekels para protestar. Sim, posso perder uma perna ou ser morto, mas é a minha melhor chance de jantar.

Quais serão os próximos passos de Abbas, ao seu ver?
Nós contornamos o Abbas. Agora, estamos trabalhando diretamente com o Qatar sob os auspícios da ONU. Os qataris estão fornecendo o dinheiro para pagar a eletricidade. Eles estão fornecendo o dinheiro para os salários de 30.000 funcionários da Autoridade Palestina que são do Hamas e algumas famílias pobres. Abbas paga mensalmente 90 milhões de dólares em comida, remédios e salários para 78.000 servidores da AP em Gaza e ele precisa decidir se vai continuar e providenciar isso. Se não, teremos que encontrar outro caminho.

Como você vê a cobertura da mídia internacional em relação a Gaza?
Como eu disse, o mundo não se importa com Gaza. A única coisa boa que saiu desse fenômeno chamado ISIS (Estado Islâmico) é que ele pintou todos aqueles que lidam com o terrorismo como algo muito específico que o mundo não gosta. E embora o Hamas tenha se esforçado muito para evitar esse tipo de imagem, ele não conseguiu. Na maior parte do mundo, olham para o Hamas e dizem: vocês derrubaram o regime legítimo da Autoridade Palestina, em 2006. Vocês estão colhendo o que plantaram. Não nos importamos. No dia da transferência da embaixada americana para Jerusalém (30 de março de 2018), 63 palestinos morreram em Gaza! É um número de mortos em guerras! Não é um pequeno incidente. Você viu alguma manifestação em Jerusalém Oriental, na Cisjordânia, em algum lugar? Não, ninguém se importou.

Qual é o papel da Jihad Islâmica?
A Jihad Islâmica é uma coisa muito diferente. Nós em Israel falamos muito sobre o Hamas em termos de uma organização terrorista. Mas o Hamas é um movimento social, mais amplo. Eles prestam serviços em todos os aspectos da vida, do berço ao túmulo. O Hamas lida com tudo: jardins de infância, clubes de jovens, clubes de anciões, mesquitas, tudo. A Jihad Islâmica é puramente uma organização terrorista. Isso é o que eles fazem. Eles são 100% financiados pelo Irã. Eles obedecem ao Hamas e são bastante disciplinados, porque o Hamas não permitiria que operassem se desobedecessem.

Se Gaza não é a prioridade de Israel, qual é?
Israel atualmente foca na Síria e na tentativa iraniana de estabelecer uma base por lá. O que está acontecendo na Síria e no Líbano é muito mais preocupante do que Gaza. Gaza é percebida pelos tomadores de decisão em Israel como um problema que precisa ser gerenciado, mas que não pode ser resolvido. Gerenciado como uma doença crônica: não vai te matar, mas temque cuidar disso dela vez em quando. Não tem cura, mas dá para viver com ela.

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