O protesto da comunidade drusa: Grande dor que está apenas começando eclodir

Revital Poleg 

A semana passada foi uma das mais turbulentas que Israel já conheceu, mesmo em uma época já muito agitada. Os diversos eventos que vivenciamos não deixaram de fora qualquer área – da política à segurança, mas também na economia, nas relações exteriores e outras. Em meio de tudo isso, eclodiu um protesto da comunidade drusa (21 de junho) – protesto que é incomum no cenário sociopolítico de Israel .

Tudo começou com uma grande manifestação dos residentes drusos de Golã contra os planos do Ministro Itamar Ben-Gvir de reiniciar a construção das turbinas eólicas nas Colinas de Golã. 

Rapidamente, a revolta se espalhou para Carmelo e para a Galileia: os membros da comunidade drusa que vivem nessas áreas decidiram se juntar a seus irmãos e clamar contra o profundo problema que os atinge há anos e que reflete uma grande dor e decepção: o tratamento dado pelo Estado de Israel aos que escolheram amarrar seu destino com ele.

As turbinas foram apenas o fósforo que acendeu o fogo. A explosão era apenas uma questão de tempo e está longe de terminar.

O que está por trás desse protesto?

Por quase 15 anos, o Estado de Israel vem promovendo um grande projeto de energia no Golã para construir 120 turbinas eólicas, em áreas que pertencem aos kibutzim e moshavim e aos residentes drusos da região. Os contratos foram assinados com todos, conforme exigido, mas quando chegou o momento da implementação, surgiram objeções por parte dos drusos. 

As pessoas contrárias alegaram que, apesar do consentimento dado por proprietários de terras específicas, a maioria dos residentes se opõe à construção das turbinas. O Sheikh Mowafaq Tarif, líder espiritual da comunidade drusa, apoiou a resistência e disse que era justificada.

A oposição também tem motivos políticos. Até a Guerra dos Seis Dias (1967), os drusos nas Colinas de Golã eram cidadãos sírios. Em 1982, Israel declarou a soberania sobre o Golã e o anexou a Israel. Como parte desse processo, a cidadania foi oferecida a todos os residentes drusos. A maioria deles recusou, seja por motivos ideológicos ou por medo de que, em um futuro acordo de paz, o Golã seja devolvido aos sírios e eles possam ser considerados traidores de seu país. Ademais, muitos têm famílias no outro lado da fronteira e  temem que tal passo prejudique sua segurança.

Em vista da sensibilidade da questão, e com base na informação recebida pelo governo anterior (Bennett-Lapid) de que a implementação do projeto pode provocar protestos severos, foi decidido, já naquela época, adiar a implementação até que acordos fossem alcançados por meio de um diálogo conjunto e respeitoso

Porém, na semana passada, os residentes da área descobriram, inesperadamente e sem nenhum aviso prévio, que comboios de veículos policiais, forças de grande porte e equipamentos antiprotesto estavam começando a chegar à área para proteger a operação de instalação, que estava prestes a começar.

A raiva que essas imagens provocaram entre os residentes drusos de Golã e os outros membros da comunidade em Israel eclodiu em uma manifestação violenta. Os resultados foram péssimos: 12 policiais foram feridos nos tumultos e dois manifestantes drusos foram gravemente feridos e hospitalizados.

É importante lembrar: a sociedade drusa constitui aproximadamente 1,5% da população de Israel. O povo druso vinculou seu destino com o Estado de Israel, mesmo antes da fundação do Estado por sua própria escolha. O relacionamento próximo e a colaboração boa que existia entre a liderança drusa e a liderança judaica do movimento sionista em Israel ficaram ainda mais fortes com o estabelecimento do Estado. 

Desde 1956, os drusos cumprem o serviço obrigatório nas IDF, o Exército de Israel. Muitos deles se alistam em unidades de combate de alta categoria, chegando aos postos de oficiais, inclusive oficiais seniores, e são altamente respeitados. Eles podem ser encontrados na arena diplomática em níveis superiores (incluindo representantes diplomáticos de Israel no Brasil) e em muitos outros campos. No nível político, por outro lado, houve uma deterioração (um membro no Knesset atual em comparação com 4 representantes e um ministro no Knesset anterior), o que reduz a presença deles no espaço israelense e os “aprisiona” em um caminho sem saída, com voz enfraquecida.

O sentimento de privação e marginalização começou a surgir na sociedade drusa há vários anos, devido ao tratamento desigual por parte do Estado em termos de serviços para o cidadão, desenvolvimento urbano, etc. Essa realidade expressa uma lacuna significativa entre a simpatia pública que a sociedade judaica sente por eles e a vida na prática.

Esses sentimentos aumentaram em 2017, com a aprovação da “Lei Kaminitz”. Essa lei se destina para combater violações de construção e permite uma aplicação mais rápida e rigorosa de multas financeiras significativas, foi o primeiro ponto de ruptura significativo. 

Nas aldeias drusas (e ainda mais nas aldeias árabes), há uma proliferação de construções ilegais. É evidente que isso não deve ser permitido. No entanto, o Estado também tem sua parcela de culpa no crescimento desse problema, pois não tem pressa em aprovar o desenvolvimento e os planos diretores nesses locais, o que deixa a população local sem uma solução legal às necessidades naturais de crescimento. 

Na falta de resposta formal, as construções são realizadas sem autorização, e seus proprietários recebem ordens de demolição, além de multas altíssimas. Essa lei não somente deixou a injustiça sem solução, mas, na prática, dificultou-a ainda mais, sem fornecer uma resposta ao problema. De qualquer modo, os moradores acabam perdendo.

Não é de admirar, então, que a sensação de privação começou a se intensificar e, com isso, a raiva contra o estado aumentou. A lei Kaminitz é um ponto de transição para a comunidade drusa em Israel. Essa realidade só tem piorado, com a  polêmica “Lei da Nacionalidade” que foi aprovada em 2018, no governo de Netanyahu.

Essa lei gera controvérsia porque consagra valor constitucional da identidade judaica, mas não inclui o compromisso com o valor da igualdade ao lado do valor nacional – o que está previsto na Declaração de Independência (e nas constituições de outros estados-nação do mundo). Pela primeira vez, as relações dos drusos com o Estado de Israel foram praticamente questionadas. De fato, a lei marca o início da reforma judicial que estamos vivenciando atualmente com mais vigor. 

Até hoje, essa lei constitui uma “ferida aberta e sangrenta” no coração das sociedades drusa e árabe. A demonstração que aconteceu na semana passada é uma expressão da dor que está acompanhando a comunidade drusa desde então.

Em uma entrevista à Rádio IDF, Rafik Halavi, prefeito de Daliyat al-Karmel, a maior cidade drusa de Israel, uma respeitada ex-personalidade da mídia, disse: “Uma espécie de intifada está a ponto de surgir entre os drusos em Israel… A raiva está crescendo. Estamos vivendo aqui uma transformação muito difícil. O estado simplesmente não nos respeita”.”

Não foi à toa que o primeiro-ministro se apressou em conversar com Sheikh Mowafaq Tarif, o líder espiritual da comunidade drusa,  pedindo-lhe que acalmasse os ânimos. Ao contrário da posição de Ben Gvir, Netanyahu decidiu, em 25 de junho, congelar as obras até depois da Festa do Sacrifício, que acontece nesta semana, e anunciou que instruiu a sua equipe a encontrar soluções para a crise habitacional nas comunidades drusas. 

Há razões para acreditar que estamos bem longe do fim da história.

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