Sessão de verão na Knesset: Testando os limites da democracia israelense

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Revital Poleg

Com a abertura da sessão de verão da Knesset nesta segunda-feira, 5 de maio, parece pairar uma nuvem pesada sobre o Parlamento israelense. Não se trata apenas das tensões habituais da coalizão ou de disputas políticas internas, mas sim de uma ameaça profunda e essencial ao próprio caráter democrático do Estado de Israel.

O atual governo de extrema-direita há muito perdeu a confiança da maioria do público, está dividido internamente, mas unido em sua determinação de permanecer no poder. Para isso, atua com base no resultado das eleições e na ausência de maioria opositora que possa derrubá-lo; com um orçamento à beira do colapso, com repasses vultosos aos partidos ultraortodoxos às custas do restante da população, enquanto necessidades sociais urgentes e essenciais são repetidamente cortadas; com a Lei do Alistamento transformada em palco de disputas e chantagem política sem limites; e com uma crescente agitação pública – tudo isso, por si só, já deveria ser suficiente para abalar os alicerces do governo.

Quando tudo isso ocorre à sombra dos eventos de 7 de outubro, cujas feridas estão longe de cicatrizar. Vivemos ainda no contexto de uma guerra prolongada, definida pelo primeiro-ministro como o objetivo supremo do governo, em detrimento do retorno dos sequestrados –, ao mesmo tempo em que se minam os valores fundamentais sobre os quais o Estado foi fundado, e ainda sem a definição de qualquer meta para o “dia seguinte” (sim, mesmo após 17 meses de combate, ainda não há um objetivo claro). Há, sem dúvida, motivo para preocupação.

E, como se não bastasse, há ainda um objetivo central na agenda da nova sessão parlamentar: o avanço da reforma judicial, que visa enfraquecer o sistema judiciário, prejudicar os freios e contrapesos democráticos e fortalecer o poder do Executivo às custas da independência do Judiciário e dos direitos individuais.

Não apenas a reforma não foi retirada da pauta, mas, agora, com um governo dilacerado por conflitos internos, a tentação de empurrar adiante uma legislação radical aumenta. Em um cenário em que o primeiro-ministro se vê dividido entre as pressões de seus parceiros de coalizão e a realidade de segurança, econômica e de relações internacionais – tão complexa –, a reforma judicial se transforma em uma perigosa distração e em uma tentativa de reafirmar o controle do poder.

O público israelense já compreendeu há muito tempo: não se trata de uma “reforma”, e sim de uma revolução. O que está em curso é um processo sistemático de erosão do Judiciário – por meio de leis cujo objetivo é neutralizar a independência dos tribunais, revogar a cláusula da razoabilidade, alterar o processo de nomeação de juízes e conceder aos políticos um poder sem precedentes. Trata-se da construção de uma infraestrutura legal que poderá permitir a instalação de um regime autoritário, aparentemente “legal”, mas sem mecanismos reais de oposição.

É um processo que poderá transformar Israel em uma democracia apenas formal – na qual uma maioria parlamentar temporária poderá impor sua vontade sem limitações constitucionais, sem fiscalização efetiva, sem proteção às minorias e sem um sistema de freios e contrapesos.

E isso não é tudo: também está na pauta desta legislatura a nova Lei do Alistamento, ou melhor, a “Lei da Evasão”, que os partidos ultraortodoxos exigem que seja aprovada até o final deste mês. É difícil exagerar a fúria da imensa maioria da população – da direita e da esquerda – contra essa lei, que toca no nervo exposto de todos os soldados da reserva e suas famílias, que já estão servindo há centenas de dias e simplesmente não conseguem entender como o Estado pode permitir a evasão do serviço militar com respaldo legal.

À primeira vista, esta lei parece ter chegado a um beco sem saída, devido à oposição interna ao projeto de alistamento – tanto por parte de muitos membros da coalizão, cujos entes queridos servem nas forças armadas e na reserva, quanto em razão do compromisso público assumido pelo presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa, o deputado Yuli Edelstein, que almeja o cargo de próximo presidente do Estado e afirma que, sob sua comissão, não será aprovado um “projeto de lei de evasão”, e sim uma verdadeira Lei de Alistamento.

Os esforços de Netanyahu para manter a coalizão já o levaram a agir como um equilibrista experiente de circo, manobrando entre a aprovação do orçamento nacional e a necessidade de satisfazer os desejos dos partidos ultraortodoxos em troca de recursos adicionais. Na véspera do Dia da Lembrança, foi revelado que assessores do primeiro-ministro estão conduzindo mais uma negociação secreta com altos representantes dos partidos ultraortodoxos sobre a lei de isenção do serviço militar – numa tentativa de encontrar mais uma compensação financeira que permita adiar o enfrentamento dessa questão sensível.

Se há algum risco real à estabilidade da coalizão de Netanyahu e sua eventual queda, ele reside justamente na não aprovação da Lei do Alistamento. Isso vai acontecer? Enquanto os ultraortodoxos puderem obter benefícios do orçamento estatal, essa possibilidade é remota. No entanto, à medida que se aproximarem as próximas eleições, previstas para 27 de outubro de 2026, esse risco pode crescer – ainda que, no momento, sua probabilidade permaneça relativamente baixa.

A combinação entre o avanço da revolução judicial e a nova Lei do Alistamento cria um terreno escorregadio, que pode abalar os fundamentos sociais já frágeis do tecido israelense. E isso não é exagero: esta sessão parlamentar poderá ter impacto direto sobre o futuro do país.

A coalizão se preparou bem para esta sessão de verão. A estratégia já é conhecida: propor e promover simultaneamente um grande número de projetos de lei antidemocráticos, criando um efeito deliberado de “bombardeio em tapete” (carpet bombing) – uma avalanche intensa, ampla e indiscriminada de propostas legislativas, que torna difícil saber o que é apenas simbólico e o que realmente avançará para votação.

Isso também torna quase impossível para a oposição decidir em quais frentes lutar, pois simplesmente não se pode enfrentar tudo ao mesmo tempo. Trata-se, na prática, de uma guerra de desgaste contra uma oposição já enfraquecida.

De qualquer forma, o simples fato de que essas propostas estejam sendo apresentadas na Knesset – mesmo que nem todas se transformem em lei – já cria um efeito paralisante e legitima ideias extremistas que antes estavam fora dos limites do discurso aceitável em uma democracia.

A sessão de verão será um teste de força para a democracia israelense – e para a capacidade da sociedade civil de se organizar, de se fazer ouvir e de pressionar, em todos os âmbitos possíveis e legais, contra o que se configura como uma ameaça sem precedentes aos valores fundamentais do Estado: igualdade perante a lei, separação de poderes e direitos individuais.

Não se trata apenas de mais um ciclo de votações. Trata-se de uma escolha histórica – entre uma democracia judaica e liberal, ou um regime populista de maioria, que mina tudo o que foi construído aqui com tanto esforço.

Se a Knesset não compreender a gravidade do momento, caberá ao público lembrá-la. Não será fácil. Não será simples. E acontecerá enquanto a guerra continua, o destino de 59 sequestrados permanece incerto, o custo de vida dispara, e o governo de extrema-direita de Israel atua praticamente sem restrições.

Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.

Foto: Wikimediacommons

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