Daniela Kresch
TEL AVIV – “America first”. A libertação do soldado israelense-americano Edan Alexander pelo grupo terrorista Hamas nesta segunda-feira, 12 de maio de 2025, a pedido do presidente americano Donald Trump, deixou bem claro que o que interessa a Trump é apenas e somente a “América”. Os esforços do presidente dos Estados Unidos para libertar o último refém com cidadania americana – sem mais nenhum outro de outra nacionalidade – é uma mensagem clara: os americanos primeiro.
Não há dúvidas de que a libertação foi emocionante. Também não há dúvidas de que a família Alexander tem muito a agradecer a Trump. Mas a libertação foi uma demonstração de que a visão de Trump não é de uma América interessada em defender o valor de cooperação entre os povos. É de um Estados Unidos ensimesmado, focado só em si mesmo, em seus cidadãos, em seus interesses.
Trump não se importa com israelenses, palestinos, ucranianos, russos, paquistaneses ou indianos. O que quer é calmaria no mundo para que possa fazer o que realmente interessa: negociações para fortalecer a economia americana (e, porque não, sua própria economia familiar). E, de quebra, quem sabe, receber um Prêmio Nobel da Paz – seu sonho.
Trump quer realmente “acabar com guerras”, como ele mesmo diz. Mas nem sempre parece interessado nas condições que essas discussões de “paz” implicam para os envolvidos. Qual é o problema dar a Vladimir Putin o que ele quer (vastas terras na Ucrânia) para acabar com o violento conflito que o próprio presidente russo começou? E qual é o problema negociar diretamente os terroristas iemenitas Houthis para acabar com os ataques desses radicais contra embarcações americanas no Mar Vermelho, mesmo que isso signifique que os Houthis continuarão atacando outros navios e lançando mísseis contra Israel?
E no caso da libertação do Edan Alexander, o que importa ao presidente dos EUA que Israel é que terá que pagar o preço da devolução do refém? Ele recebeu o que queria. Israel que pague. Aliás, nem sabemos qual será o preço (volta da ajuda humanitária a Gaza, cessar-fogo de algumas semanas?). Independentemente de o preço ser justo – e eu tendo a achar que é –, é esquisito que um país negocie com um grupo terrorista pelas costas do país que pagará o preço.
Não que outras nações não tenham, também, priorizado a libertação de seus cidadãos sequestrados pelo Hamas no dia 7 de outubro de 2023. Das 251 pessoas que foram feitas reféns naquele dia terrível, metade era formada por estrangeiros ou gente com dupla nacionalidade. Países como Rússia, França, Reino Unido, Alemanha, Tailândia, Nepal e Filipinas também fizeram negociações diretas com o Hamas para tentar libertar seus cidadãos (com sucesso ou não). Os próprios norte-americanos, ainda no governo Joe Biden, também receberam reféns de nacionalidade americana no começo da guerra.
Mas agora é outra história. Como mencionado acima, Trump negociou diretamente com o Hamas através do Qatar sem participação ou conhecimento de Israel. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, foi devidamente ignorado. Isso porque Trump sabe que Netanyahu não quer negociar com o Hamas a libertação dos outros 58 reféns que continuam sendo torturados nos túneis de Gaza (20 deles ainda vivos). Netanyahu não está interessado no fim da guerra com o Hamas. Pelo contrário: por exigência dos parceiros de extrema-direita de sua coalizão de governo, promete não só continuar a guerra como aumentar seu ritmo.
Netanyahu precisa desses parceiros para se manter no poder. E os parceiros não se importam com os reféns, os quais preferem sacrificar em prol de uma utópica “vitória total” contra o Hamas. Para eles, Israel não pode nunca demonstrar fraqueza. E negociar com terroristas é fraqueza. Mesmo que isso signifique abandonar o ethos nacional de “não deixamos ninguém para trás” que caracteriza a sociedade israelense.
Impaciente, Trump decidiu passar por cima de Netanyahu e da coalizão e libertar o refém que lhe interessava. Quem, na verdade, pode culpá-lo? Sim, por um lado, é “americanos primeiro”. Mas, por outro, é “não vou esperar o governo Netanyahu fazer alguma coisa” quando se trata de um rapaz que também tem cidadania americana.
As últimas ações de Trump no Oriente Médio deixam claro que ele não tem mais paciência para as hesitações de Netanyahu, sua tendência de empurrar tudo com a barriga e não tomar decisões claras que ameaçam a continuidade de seu governo. Primeiro, a decisão de negociar diretamente com o Irã e não de apoiar – ou participar de – um ataque às instalações nucleares iranianas. Depois, a negociação com os Houthis, também sem participação israelense, que apenas levou a um “mini-acordo de paz” entre EUA e Iêmen, sem implicação nenhuma para Israel, que há um ano e meio é atacado quase que diariamente pelos fanáticos fundamentalistas de lá.
E, agora, a negociação direta com o Hamas, pegando o governo israelense de calças curtas. Netanyahu está tentando remediar essa facada nas costas ao dizer que a libertação de Edan Alexander só aconteceu porque o exército israelense está pressionando militarmente o Hamas após a volta da guerra em Gaza e a ameaça de que a guerra vai esquentar ainda mais. E que isso prova que sua insistência em continuar a guerra é o que vai libertar os outros 58 reféns.
A pressão militar pode até causar um efeito no Hamas, mas a maioria dos israelenses duvida das reais intenções de seu primeiro-ministro. Libertação de reféns ou se manter no poder? Netanyahu realmente acha que continuar a guerra é o melhor caminho para Israel? Sacrificar 20 jovens que ainda estão vivos é um preço justificável?
A libertação de Edan Alexander – mesmo sendo um evento feliz e emocionante – é um exemplo impressionante de como dois líderes com egos inflados e interesses divergentes não conseguem colaborar. Os dois competem pelo título de mais fortão, quem faz mais coisas chocantes. E o mundo observa tudo embasbacado.
Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.
Foto: Wikimediacommons