Enquanto a guerra em Gaza se arrasta, a paciência da Europa se esgota

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Revital Poleg

No Oriente Médio – assim como no cenário global – não existe vácuo. Como expressa com precisão o discurso estratégico contemporâneo: “If you don’t define yourself, someone else will do it for you.” Quando um país não define para si uma visão e objetivos políticos – outros o farão em seu lugar. A abstenção deliberada do Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu em apresentar uma visão para o “dia seguinte” da guerra em Gaza não deixa o cenário vazio. Ao contrário, convida outros atores a preencherem o espaço com suas próprias iniciativas e alternativas.

O problema não está apenas na ausência de visão, mas também em uma política orientada por um objetivo vago – “vitória total” – carente de definição ou significado prático, e carregado de implicações graves. Uma estratégia militar que não está acompanhada por um propósito político claro pode levar não apenas ao fracasso estratégico, mas também a um isolamento diplomático cada vez mais profundo.

O abismo entre a continuidade da guerra – cujo propósito é cada vez mais questionado e cujos custos humanos, sociais e estratégicos só aumentam, seja no impacto sobre a sociedade israelense e nas chances de trazer de volta os reféns, seja na realidade humanitária cada vez mais devastadora em Gaza – e o crescente apelo internacional pelo cessar-fogo e por uma solução política, coloca Israel em uma posição de vulnerabilidade extrema. Ignorar a dinâmica geopolítica e a insatisfação crescente entre seus aliados mais próximos não é apenas um erro tático, é uma escolha que compromete seu lugar no cenário internacional e pode prejudicar as perspectivas de seu futuro político e estratégico.

A questão não é se Israel tem a capacidade de influenciar – mas se está disposta a fazê-lo. As ferramentas existem, as oportunidades ainda estão abertas, mas cada atraso adicional reduz o nosso espaço de ação.

Para o pesar de muitos cidadãos de Israel, parece que, em vez de liderar uma iniciativa política para moldar nosso futuro, o Primeiro-Ministro opta repetidamente por priorizar as posições das alas mais extremas de sua coalizão. E não por necessidade de segurança ou por uma visão estratégica de longo prazo, mas por estreitos cálculos de sobrevivência política.

Ao longo dos anos, Benjamin Netanyahu soube se mover entre diferentes – e por vezes contraditórias – posições ideológicas, em uma impressionante acrobacia política que lhe permitiu a mais longa continuidade no poder entre todos os primeiros-ministros da história de Israel. Seu “segredo” esteve na habilidade de equilibrar entre o interesse nacional e suas necessidades pessoais, e de manobrar com flexibilidade entre posições: da oposição aos Acordos de Oslo à sua implementação parcial com o Acordo de Hebron; da crítica ao Plano de Retirada ao voto a favor, em outubro de 2004; do apoio declarado à criação de um Estado Palestino no famoso discurso da Universidade Bar-Ilan à rejeição absoluta de seu avanço. E claro, de declarações categóricas como “Ben Gvir não será ministro em meu governo” à realidade atual, em que Ben Gvir é uma das figuras mais influentes da coalizão.

No entanto, desde a formação de seu atual governo, essa flexibilidade política deu lugar a uma crescente radicalização. A capacidade de navegação que o caracterizava dissipou-se, sendo substituída por um alinhamento com as posições de seus parceiros extremistas – Ben Gvir, Smotrich e outros – motivado exclusivamente por razões de sobrevivência política.

Para os aliados próximos de Israel, especialmente na Europa, a paciência se esgotou. Países que se posicionaram ao lado de Israel imediatamente após o ataque de 7 de outubro e apoiaram suas ações, em especial Alemanha e França, hoje observam com crescente preocupação a guerra sem fim, o impasse quanto ao destino dos reféns, o agravamento da crise humanitária em Gaza e a completa ausência de uma perspectiva política. A frustração cresce, e já não escondem o grau de preocupação e insatisfação com a conduta do governo israelense, com declarações em tons que até recentemente eram impensáveis.

O comunicado da União Europeia de 20 de maio, indicando que considera “reavaliar” o compromisso de Israel com o Acordo de Associação – o acordo-base que regula suas relações políticas e econômicas – surpreendeu Jerusalém. Dezessete dos 27 países membros já declararam apoio à reavaliação do cumprimento por parte de Israel do Artigo 2 do acordo, que exige o respeito aos princípios da democracia e dos direitos humanos como condição prévia para a cooperação.

“Sem dúvida, trata-se de um ponto de inflexão nas relações entre Israel e a União Europeia”, afirma a Dra. Maya Sion-Tzidkiyahu, diretora do programa de Relações Israel-Europa no Instituto Mitvim. “A União Europeia é como um navio gigantesco – ela envia sinais, mas a mudança de direção leva tempo. Desta vez, o sinal foi claro.”

Mesmo que nenhuma decisão formal seja tomada de imediato, o próprio fato de o debate estar em pauta pode gerar um efeito de esfriamento significativo. Cada país membro da UE pode agir de forma bilateral – suspendendo, limitando ou cancelando cooperações pontuais. Ao mesmo tempo, empresas e organizações europeias podem optar por congelar iniciativas ou adiar parcerias com instituições israelenses.

É importante dizer: também a União Europeia tem o que perder com a suspensão das relações com Israel. As parcerias científicas, econômicas e tecnológicas oferecem benefícios mútuos concretos. Mas neste momento, os critérios em jogo não são apenas pragmáticos, são princípios. Os valores democráticos que fundamentam o próprio acordo estão agora em xeque – e o que determinará o desfecho ainda está em aberto.

Mas os desdobramentos no plano europeu não param por aí.

No dia 13 de junho de 2025, sob os auspícios do presidente francês Emmanuel Macron, será realizado em Paris um fórum internacional promovido pelo Fórum de Paz de Paris, sob o título: “O Apelo de Paris – por uma Solução de Dois Estados, Paz e Segurança Regional.”

A conferência, que acontecerá no Conselho Econômico, Social e Ambiental da França (CESE), será dedicada à formulação de ideias e recomendações práticas para fomentar iniciativas regionais, reconhecimento mútuo e a renovação do impulso diplomático rumo à solução dos dois Estados. O evento contará com centenas de participantes da sociedade civil: israelenses, palestinos, e representantes do Oriente Médio, Europa e Estados Unidos. Empresários, ex-oficiais, diplomatas e especialistas se reunirão em mesas-redondas com seus pares franceses.

A França espera que as deliberações deste fórum – que deverá reunir entre 300 e 400 participantes – estabeleçam uma base concreta para um possível acordo entre as partes.

E como se isso não bastasse, em 17 de junho está prevista outra conferência na ONU, também sob iniciativa da França, desta vez em parceria com a Arábia Saudita, dedicada igualmente ao avanço da solução de dois Estados. O objetivo do encontro é consolidar um apoio internacional amplo ao relançamento do esforço político e recolocar a questão do acordo permanente israelo-palestino no centro da agenda diplomática global. Fontes diplomáticas francesas afirmam ter capacidade de pressionar o Hamas para que não tenha qualquer papel em um futuro arranjo em Gaza.

Em resposta, Mike Huckabee, Embaixador dos Estados Unidos em Israel, expressou sua forte oposição à iniciativa, afirmando que a França não tem o direito de “impor uma solução a Israel, um Estado soberano”, e declarou que os EUA não participarão da conferência. Israel, como era de se esperar, também deverá se ausentar.

Quando Israel silencia na arena política e só faz ouvir sua voz na arena militar, outros falam em seu nome.  Uma liderança responsável não pode se dar ao luxo desse privilégio.

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Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.

(Foto: Flickr/Christian Lee)

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