Mesmo se conseguir evitar eleições, Netanyahu já perdeu

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Daniela Kresch

Tel Aviv – O premiê Benjamin Netanyahu corre contra o tempo para impedir que os partidos ultraortodoxos deixem sua coalizão, fato que desmantelaria o governo. Talvez consiga. Mas, independentemente disso, já perdeu algo muito importante. Não o poder imediato; ele pode se manter no cargo até março de 2026, quando quase todos esperam que convoque novas eleições. O que se foi é o controle da coalizão mais coesa, direitista e religiosa da história de Israel — a sua coalizão dos sonhos. E mais: perdeu o apoio dos haredim, até então fundamentais para sua base, a quem chamava de “aliados naturais”. O paradoxo: quem mais era leal até hoje ameaça sua liderança.

A lealdade dos partidos ultraortodoxos, consolidada desde 2014, era sustentada pela promessa de Netanyahu de aprovar uma isenção militar definitiva aos jovens haredim — algo que tentam há duas décadas. Naquele ano, o então já primeiro-ministro decidiu que precisava desses partidos leais a ele, sem que cogitassem se aliar ao centro ou à esquerda (o que já fizeram diversas vezes desde 1948). Isso seria fundamental para que Netanyahu pudesse abrir mão de aliados indesejáveis ao costurar futuras coalizões de governo. Nada como ter sempre as 15 ou 16 cadeiras dos haredim no bolso.

Para isso, Netanyahu prometeu ser o “messias” de uma lei definitiva de isenção militar para os ultraortodoxos. Essa é a raison d’être dos partidos ultrarreligiosos: evitar que os jovens de 18 anos que foram criados na bolha ultraortodoxa saíam da bolha na caserna e – oy vavoy – se percam para o secularismo. Netanyahu conseguiu convencer a liderança dos dois partidos religiosos (o Judaísmo da Torá e o Shas) de que seria capaz de legislar tal lei.

Após cinco eleições em três anos, em dezembro de 2022 nasceu o governo mais direitista, ultranacionalista e religioso da história de Israel — um trunfo duplo para Netanyahu: coalizão coesa e estável. Mas ele falhou em cumprir a promessa principal aos haredim. A tentativa, iniciada em janeiro de 2023 pelo ministro da Justiça Yariv Levin, de enfraquecer a Suprema Corte e viabilizar a isenção, não avançou devido à forte oposição popular.

Mas, o maior choque veio em 7 de outubro de 2023, com o ataque brutal do Hamas a Israel e o início da guerra em Gaza. Desde então, quase 1.000 soldados morreram e dezenas de milhares ficaram feridos física ou emocionalmente (ou ambos). Tornou-se insustentável aprovar uma isenção militar para uma minoria quando a nação exige união no fronte.

Netanyahu, habilidoso estrategista político, enfrenta agora seu maior vexame. Ele terá de disputar uma campanha eleitoral com o foco na isenção aos haredim — um pesadelo que mina sua narrativa do “Sr. Segurança”, mesmo dentro de sua base nacionalista. Membros do Likud cogitariam migrar para a nova legenda de centro-direita do ex-primeiro-ministro Naftali Bennet, ou para o partido linha dura do veterano ex-ministro da Defesa Avigdor Lieberman; ou até se deslocar para o bloco dos nacionalistas radicais liderado por Itamar Ben Gvir e Bezalel Smotrich.

Para Netanyahu, pode se tratar de uma campanha eleitoral perdida. Ele sabe disso e está desesperado em busca de um spin político. Algo militar (“vitória total” em Gaza, ataque à infraestrutura nuclear do Irã) ou, quem sabe, a assinatura de um acordo de normalização de relações com a Arábia Saudita. Enquanto não consegue formular uma nova narrativa, ele vai tentar fazer o que sabe melhor: empurrar com a barriga, enquanto puder, a coalizão de agora.

Ele vai fazer novas e furadas promessas aos ultraortodoxos de que aprovará “em breve” uma lei que os isente, isso depois de 2 anos de meio de fracasso. Dirá que, para que a miragem se torne realidade, só precisa afastar a procuradora-geral do governo, Gali Baharav Miara, ou o atual líder do Comitê de Relações Exteriores e de Segurança do parlamento, Yuli Edelstein.

Se as promessas sem fundamento não derem certo, se a demissão de Edelstein não convencer os haredim a darem a esse governo mais um tempinho até o recesso de verão do Knesset, Netanyahu vai acionar seu gabinete de spin para tirar da cartola narrativas que o transformem em herói da história.

Ele pode tentar culpar os partidos ultraortodoxos pela incapacidade de fazer um acordo com o Hamas para reaver os 55 reféns israelenses que ainda estão no cativeiro do Hamas em Gaza, 20 deles ainda vivos e passando por toda sorte de maus tratos, fome e torturas estilo DOI-CODI nos ano 70 no Brasil. Afinal, ao convocar novas eleições, o governo fica congelado, sem poder tomar decisões importantes como um acordo com o Hamas.

A narrativa dirá que ele, Netanyahu, “queria muito” fazer esse acordo, mas os haredim o atrapalharam. Não sei a quem ele poderá enganar com isso, já que é claro que a volta dos reféns não é a maior prioridade de Netanyahu desde 7 de outubro, e sim outra miragem, a da “vitória total” contra o Hamas.

Não duvido que Netanyahu consiga criar uma nova narrativa. Ele é mestre na disciplina “Maquiavel”, graduado em “os fins justificam os meios”. Não duvido que ele consiga manter o governo, por agora, e nem que consiga ser reeleito em 2026. Ele é uma força política impressionante.

Mas, não há dúvida de que o mago já não encanta seus aliados ultraortodoxos. O feitiço se dissipou. A confiança no “messias da isenção militar” se esvaiu. No Israel pós-7 de outubro, não há espaço para isso. A ameaça dos haredim também escancara como Netanyahu usa e abusa de mentiras e promessas vazias para manter aliados.

Os haredim estão tão decepcionados que, mesmo sabendo que não receberão todas as benesses e o poder político que têm hoje, estão dispostos a chacoalhar o mapa político na esperança de que, de alguma forma, consigam uma mão de cartas melhor num futuro governo – o que é um pensamento irracional baseado apenas, talvez, na fé no Todo Poderoso. Ou, quem sabe, os líderes religiosos estejam dispostos a derrubar Netanyahu por mera vingança.

Sem a promessa de lealdade eterna dos haredim, Netanyahu fica mais fraco e vulnerável. Mesmo que consiga se manter no poder até 2026, já perdeu o controle deste governo e deixou para trás a imagem de governante forte que cumpre tudo o que promete a seus “aliados naturais”.

Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.

(Foto: Flickr/WorldEconomicForum)

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