Não tenho outro país

“Não tenho outro país, mesmo que minha terra esteja queimando, e não vou me calar até que ela abra seus olhos”

Por Revital Poleg

O Estado de Israel, que em pouco tempo celebrará seu 75º Dia da Independência, está hoje em uma encruzilhada desafiadora que jamais enfrentou na história. Estes não são dias fáceis para a sociedade israelense. A revolução jurídica liderada pelo governo ultranacionalista de Benjamin Netanyahu, em um galope apressado, representa para muitos cidadãos um desafio ameaçador que, se for bem sucedido, vai quebrar os fundamentos democráticos sobre os quais o Estado foi fundado.

Desafios e ameaças de segurança foram nossa preocupação mais do que uma vez. Alguns deles, infelizmente, ainda são muito relevantes. A sociedade israelense sempre soube se posicionar contra eles, unida e forte. Mas, desta vez, e diferentemente do que antes, é uma ameaça tangível e imediata ao caráter, essência e futuro de Israel como Estado judeu e democrático. Este desafio, por surpreendente que pareça, é mais assustador do que os desafios de segurança nacional. 

Nasci e fui criada em Israel em um lar sionista, em um clima de liberdade que caracterizou não apenas minha família, mas meu entorno e meu país. O sionismo sempre fluiu em minhas veias e, portanto, passei a maior parte de minha carreira no serviço público em uma série de cargos, representando meu país internamente e no exterior (também no Brasil). O fazia com muito amor e orgulho por quem somos e pelo que somos: um país judeu, democrático, pluralista e liberal – a incorporação da visão sionista com a qual meu pai sonhava quando chegava aqui depois da Segunda Guerra Mundial, como muitos outros. Meus filhos cresceram aqui, e aqui meus netos vão nascer.

Não votei em Netanyahu, nem desta vez nem no passado. Sua vitória na última eleição era bastante prevista. O crescimento contínuo da  direita em Israel é evidente e o desenvolvimento demográfico expressa isso claramente. Mas, como alguém que acredita na democracia, aceitei e respeitei os resultados eleitorais, esperando pelo melhor. Em nenhum cenário possível imaginei, como muitos outros em Israel, que o novo governo da direita, por mais radical que seja (e é), não preservará nossa democracia e colocará em perigo a própria essência de Israel.

Mas eu estava errada! Desde que o governo de Netanyahu foi empossado, há cerca de dois meses, o governo mais extremista de direita que já conhecíamos, estamos testemunhando uma imensa radicalização e novas iniciativas que me deixam com medo, incluindo medidas que não necessariamente  têm a ver com o aspecto jurídico. 

Hoje em dia, sou uma “cidadã preocupada”, que assiste com temor, tanto de minha casa como das praças onde manifesto nas últimas semanas, como o caráter do Israel judeu e democrático, aquele fundado nos princípios da Declaração da Independência, está mudando. Tal como eu, há muitos cidadãos preocupados.

“Isto é o que prometemos aos nossos eleitores antes das eleições”, diz Netanyahu, e os membros da coalizão se juntam a ele em uníssono. Bem, este não é o caso… durante a campanha eleitoral Netanyahu evitou claramente tratar das questões jurídicas, e deixou o assunto completamente ambíguo mesmo quando lhe perguntaram diretamente sobre ele.

“Vocês não aceitam a decisão democrática do eleitor”, diz o primeiro-ministro. Netanyahu acusa vigorosamente a esquerda por não aceitar o processo eleitoral, e nega a alegação de que praticamente ele está levando a uma revolução do regime, enquanto usa as ferramentas democráticas para fazer isso.

É direito do governo aplicar suas políticas”, argumentam os membros da coalizão, usando exemplos de decisões políticas anteriores tomadas por governos anteriores apesar da vigorosa oposição pública, como no caso dos Acordos de Oslo (1993) ou do Plano de Desengajamento (2005).

Bem, o argumento é correto, mas não relevante. E por quê? Porque o processo atual, liderado por Netanyahu, não se trata de aplicar políticas dentro do quadro democrático existente, mas sim de mudar totalmente as regras do jogo e implementar um novo regime não democrático que não tem nada a ver com as regras democráticas que o levaram ao poder. Esta ameaça é a mera razão que levou centenas de milhares de cidadãos israelenses às ruas por 8 semanas consecutivas para protestar contra este perigo e, impedi-lo.

É importante entender que os protestos não são de “esquerda contra direita”, como afirma Netanyahu. Estes são protestos civis, dos quais participam uma grande variedade de pessoas. Certo, a maioria deles são do centro e esquerda, mas também eleitores do Likud, pessoas religiosas, moradores da periferia, jovens e idosos, diversos níveis socioeconômicos e muito mais. Quanto mais a deliberação sobre a reforma jurídica na Knesset progride, mais pessoas entendem para onde tudo isso vai, e se juntam aos protestos.

Para onde tudo isso vai? Ainda é cedo para avaliá-lo, mas os protestos continuam e se expandem de semana a semana, e vão continuar enquanto for necessário, tal como escreveu o poeta Ehud Menor: “Não tenho outro país, mesmo que minha terra esteja queimando. “Não vou me calar porque meu país mudou seu rosto, não vou desistir, vou mencioná-lo a ela, e vou cantar em seus ouvidos, até que ela abra seus olhos”.

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