A primavera israelense após a demissão do ministro da defesa

Daniela Kresch

TEL AVIV – Israel está em convulsão. Mais do que nunca e como nunca se viu no país, nem na Guerra do Yom Kipur, nem durante as intifadas, nem sob os ataques do Hamas. Neste domingo, dia 26 de março, algo aconteceu que que fez com que centenas de milhares de israelenses saíssem às ruas espontaneamente por todo o país: Tel Aviv, Jerusalém, Haifa, Natânia, Beer Sheva, Karkur. Pessoas de pijama e sandália que pegaram uma bandeira azul e branca e saíram para protestar, sem organização prévia e sem uma liderança clara. Pessoas gritando “de-mo-cra-cia” nas ruas, levando cartazes. Em alguns lugares, ateando fogo em pneus. Em Jerusalém, até mesmo avançando sobre as grades que a polícia havia colocado perto da residência do primeiro-ministro.

E tudo por causa da última gota d’água deste governo Benjamin Netanyahu – após tantas gotas d’água que ele e seus apoiadores têm pingado sobre Israel na tentativa de enfraquecer – e ferir fatalmente a Suprema Corte do país. Mas, água mole em pedra dura tanto bate até que fura. E furou no momento em que Netanyahu decidiu, em comunicado lacônico de apenas uma linha, demitir o ministro da Defesa, Yoav Gallant, que 24 horas antes havia feito um pronunciamento à nação apelando a Netanyahu para que suspendesse – mesmo que temporariamente – a reforma jurídica que o governo mais ultradireitista, ultranacionalista e ultraortodoxo que Israel jamais teve em seus 75 anos de existência tenta aprovar.

Gallant é um homem de direita. Um ex-militar que quase foi chefe do Estado-maior das Forças Armadas e que ingressou na política com uma visão de “falcão”, como se diz aqui. Isto é: não é uma “pomba” pacifista, esquerdista. Hoje, ele é do Likud, do partido de Netanyahu. E ele – esse homem sisudo e de poucos sorrisos – fez de tudo para avisar Netanyahu que as forças de segurança estão prestes a se dividir, se rachar em duas, caso a reforma jurídica avance.

Muitos reservistas já avisaram que não irão mais servir como voluntários no exército de um país não democrático. E há o perigo de que isso influencie soldados da ativa a se insubordinar. Gallant escutou as vozes dos soldados, dos reservistas, dos comandantes, dos policiais, do Mossad, do Shin Bet e entendeu que a reforma jurídica pode significar um perigo real às forças de segurança de Israel – e isso no começo do mês do Ramadã, em meio a um Irã cada vez mais perigoso e próximo e diante de grupos terroristas como Hezbollah e Hamas que comemoram esse momento de convulsão nacional em Israel (e preparam atentados).

Gallant queria revelar ao público, já na noite de quinta-feira passada, seu apelo a Netanyahu para que deixe de escutar só as opiniões radicais e antidemocráticas de pessoas como de Yariv Levin (o esquisito ministro da Justiça obcecado por enfraquecer o Judiciário), Simcha Rothman (o mais esquisito ainda presidente da comissão de Constituição e Justiça do Kensset), Bezalel Smotrich (o ministro da Economia que não sabe falar inglês e discursou diante de um mapa de Israel que incluía a Jordânia) e Itamar Ben-Gvir (o ministro de Segurança Nacional obcecado por causar caos por onde passa).

O ministro da Defesa Yoav Gallant queria ser a vozão da razão nesta coalizão que coloca fogo no país desde janeiro. Alguém que ousasse falar com racionalidade a Netanyahu, que só escuta vozes loucas e fanáticas de verdadeiras “Karens” israelenses como Tally Gotlib, May Golan e Orit Shtruck. Alguém que demonstrasse responsabilidade diante do perigo à frágil democracia israelense.

Netanyahu, no entanto, o proibiu de falar, prometendo tomar as rédeas do país e acalmar a população, já em alvoroço diante do fim do país que eles tanto amam. Do fim do sonho sionista de um país democrático e judeu, liberal e pluralista. Mas, como o premiê não cumpriu o que prometera, Gallant decidiu falar assim mesmo, à revelia de Bibi, na noite de sábado. Ele chegou a ser elogiado por alguns membros mais moderados do Likud, como Yuli Edelstein e David Bittan. Havia certa esperança de que Netanyahu fosse finalmente cair na realidade.

Mas, pela decepção de todos que prezam pela democracia, Netanyahu anunciou a demissão do ministro da Defesa, na noite deste domingo. O que se seguiu foi uma explosão de manifestações populares por todo o país, com centenas de milhares de pessoas tomando as ruas e bloqueando rodovias em solidariedade a Gallant e em protesto contra Bibi, um ex-gênio da política que parece ter perdido todas as estribeiras e seu toque mágico.

Netanyahu já foi o político mais admirado de Israel – até mesmo entre seus opositores, em certa medida. Mas hoje, se transformou, aos olhos da maioria dos israelenses, num proto-Putin, aprendiz de Orban e Erdogan. E tudo por quê? Só há um motivo: Bibi tem medo da prisão. Para evitar ser condenado por corrupção (ele está sendo julgado em três casos), o atual premiê não se importa em golpear fatalmente a democracia de um país de apenas 75 anos, que surgiu como símbolo do renascimento de um povo perseguido.

Um país com muitos defeitos. Mas também com muitas virtudes. A maior delas era ser a única democracia do Oriente Médio. Em breve, talvez não seja mais.

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