Quando o Executivo e o Judiciário estão em rota de colisão

O primeiro-ministro se recusou responder à pergunta de um jornalista da CNN. Benjamin Netanyahu foi questionado sobre o que fará caso a corte decida intervir com a lei de cancelamento da cláusula de razoabilidade, sobre a qual várias petições foram apresentadas; Em dias como esse, fico pensando em Shimon Peres, imaginando: o que ele faria se pudesse estar conosco nestes dias?

A semana passada marcou o centenário do Shimon Peres, presidente, primeiro-ministro e ministro das Relações Exteriores, e um dos líderes mais importantes de Israel, com quem tive o privilégio de trabalhar de perto por vários anos. A democracia e a independência do judiciário foram sempre parte integrante de seus valores e de sua fé incondicional. Essa não era para ele apenas uma expressão idiomática, mas sim um princípio conceitual que deve ser sempre cultivado e, principalmente, transmitido às gerações mais jovens. 

“Devemos preservar a essência e a imagem do Estado de Israel”, disse o Presidente Peres em um discurso na Conferência da Juventude de Israel, em 2011. “A democracia não é apenas uma mecânica de eleições. A democracia é uma cultura de conduta. A justiça em Israel é visível. Os juízes nunca foram submetidos aos partidos, nem à pressão dos partidos. Digo a vocês, como jovens, que nessa questão é importante que sejam um rochedo. Como uma rocha! Dominar é apenas para ditaduras. Servir é para democracias!”

Apenas doze anos se passaram desde que Peres falou aquelas palavras, e o Estado de Israel acaba liderado por políticos cujos conceitos de democracia e independência da Corte não são os princípios que os norteiam. Muito pelo contrário. Estamos vivendo uma realidade na qual o governo conduz, de forma consciente e intencional, uma série de ações destinadas a reduzir significativamente o poder do judiciário e minar o sistema de freios e contrapesos que são princípios fundamentais da democracia. Assim, colocam em risco a identidade democrática de Israel e aproximando-o da beira da ditadura. Atualmente, os dois sistemas – o governo e o judiciário – estão em uma perigosa rota de colisão.

Na semana passada, quando a Knesset entrou em recesso, o “palco” mudou para a Suprema Corte, a sede máxima do poder judiciário que sempre foi respeitada pelos primeiros-ministros e presidentes de Israel (inclusive Netanyahu, até ser indiciado). Agora, esse poder se encontra “no coração da tempestade” e precisa lidar com as legislações perigosas promulgadas pela coalizão, contra as quais várias petições foram apresentadas, exigindo o seu cancelamento.

Petições apresentadas contra duas das leis da reforma jurídica já foram debatidas na semana passada. Ambas são leis de natureza pessoal, ou seja, leis que produzem uma clara prioridade para uma determinada pessoa: A “Lei de Tiberias” é a mais simples das duas e foi promulgada a pedido do líder do partido Shas, Aryeh Deri, que exigiu que seu colaborador próximo, que é gerente municipal de Tiberias, em vez de prefeito, possa concorrer às próximas eleições municipais de outubro.

Embora a lei original não o proíba de se candidatar, ela exige que isso só aconteça nas próximas eleições e após um período de arrefecimento. Visto que essa pessoa não aceitou a sugestão dos juízes de voluntariamente concordar e aguardar a próxima rodada de eleições, os juízes decidiram por unanimidade que essa seria a decisão legal, invalidando a intenção original da lei de fornecer preferência injustificada a uma determinada pessoa.

Foi um sinal negativo para Netanyahu, alvo da segunda lei pessoal discutida na Suprema Corte esta semana, a “Lei de Incapacitação”. A versão anterior da lei não detalhou o que constitui incapacidade, nem determinava quem está autorizado a declarar incapacidade. Segundo a emenda desta Lei Básica, os motivos para que a incapacidade seja declarada são apenas os de saúde física ou mental que impedem o titular de cumprir seus deveres. Assim, a emenda exclui outras situações de incapacidade de funcionamento que já foram reconhecidas na lei e, em particular, elimina a “incapacidade jurídica”, tal como quando os primeiros-ministros são incapazes de funcionar devido a processos criminais contra eles – como foi o caso do primeiro-ministro Ehud Olmert, em 2009.

A emenda define explicitamente que a decisão de declarar a incapacidade deve ser tomada pelo próprio primeiro-ministro.

Além disso, a emenda determina um procedimento de ratificação muito rigoroso e com várias etapas. Somente depois disso, caso seja alcançado, o pedido de incapacitação será levado à votação do plenário e exigirá uma maioria de 80 apoiadores, uma situação que é – por definição – completamente irrealista.

No fundo dessa emenda está o temor de Netanyahu, sendo acusado por três crimes, de que um processo de incapacidade seja apresentado contra ele com base nisso, e está tentando impedir ao máximo qualquer chance que o force a deixar sua posição.

Na audiência legal, que foi transmitida ao vivo em todas as redes e amplamente assistida, houve um consenso entre os juízes de que a lei foi criada sob medida para as necessidades de Netanyahu. Mesmo durante as discussões da lei no Knesset, o motivo pessoal não foi escondido. 

A Procuradora Geral do Governo se opôs à lei e acredita que deve ser revogada, e sua representante na audiência recente classificou a lei como “um acidente constitucional – administrativo particularmente preocupante”.

O tribunal não concluiu ainda a audiência e determinou que a petição merece uma audiência constitucional adicional e significativa. Impedir a possibilidade de impeachment, o que a lei permite, retira de Netanyahu todas as restrições de ética e o libera para tratar a reforma jurídica, sendo partes dela destinadas a absolvê-lo de seu processo criminal.

Muitos membros da coalizão se referem às discussões do tribunal sobre “suas” leis como uma provocação dos juízes, que “tomam o direito” de decidir pelo público, embora não tenham sido eleitos. O nível e o escopo das declarações hostis e pouco elegantes que foram e continuam a ser ouvidas contra os juízes são preocupantes e incluem até mesmo ameaças de futuras legislações para anular seus poderes. Somente poucos disseram que respeitariam as decisões da Suprema Corte. O primeiro-ministro Netanyahu não está entre eles.

E não é só isso.

Em 7 de setembro, o tribunal ouvirá petições que visam obrigar o Ministro da Justiça, Yariv Levin, a convocar o comitê para a seleção de juízes, o que ele, deliberadamente, evita. A demora prejudica muito a conduta diária dos tribunais em todos os níveis. Isso ocorre pois a questão da composição do comitê – que é um dos elementos mais controversos da reforma jurídica – só será discutida pelo Comitê de Constituição no retorno da Knesset do recesso, em meados de outubro. No entanto, Levin, que é totalmente dedicado à reforma, ignora as necessidades dos cidadãos e está determinado a aprovar o projeto de lei que, se aprovado, mudará com certeza o caráter democrático de Israel.

O ponto máximo da série atual das audiências na Suprema Corte ocorrerá em meados de setembro, assim que as petições para revogar a lei que elimina a cláusula de razoabilidade serão discutidas. Essa é a “bomba-relógio” que provavelmente gerará grandes protestos a favor e contra. O Presidente da Suprema Corte já determinou que a audiência contará com a presença de todos os 15 juízes da Suprema Corte, o que indica a importância e a gravidade da questão. A tensão está aumentando a cada dia que antecede o debate.

O tribunal enfrenta um grande desafio hoje em dia, mas o desafio é ainda maior para o governo de Israel, cuja conduta determinará o rumo a ser seguido por Israel. Se o governo se opuser às resoluções do tribunal, estaremos em uma crise institucional grave, nunca vista antes. E como Netanyahu vai agir? Esta questão ainda continua em aberto.

Foto: WikimediaCommons

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