Os protestos contra o governo estão de volta

Revital Poleg

Já é a terceira semana consecutiva que milhares de israelenses se dirigem, no sábado à noite, a uma praça central no coração de Tel Aviv, exigindo a destituição de Benjamin Netanyahu e a realização de eleições antecipadas. O pano de fundo de tais demandas é o desastre do dia 7 de outubro, que não foi previsto pelas lideranças do governo. Nas primeiras duas semanas de protesto, houve cerca de 10 mil manifestantes e, no último sábado à noite, esse número já duplicou. Simultaneamente, manifestantes se reuniram em diversos lugares ao redor de Israel, de forma modesta, mas com uma mensagem clara: o atual governo deve “ir para casa”. 

O protesto começou de modo gradual, hesitante, cauteloso, com muita ambivalência, mas, pouco a pouco, está ganhando força. Está diferente dos protestos que vivemos desde janeiro de 2023 e até momentos antes do ataque do Hamas, mas as circunstâncias também mudaram, e nossa realidade se alterou completamente. A única coisa que não mudou é o governo e os dirigentes do Estado, que estavam no cargo tanto nos meses que precederam o ataque do Hamas quanto agora. Conforme os manifestantes, líderes que falharam em suas responsabilidades e não anteciparam tal desenvolvimento significativo já não podem permanecer em suas posições, e devem renunciar de imediato. Portanto, o protesto está de volta e presente de novo

Sair para se manifestar no meio da guerra não é, de forma nenhuma, uma decisão trivial e gera controvérsia entre o público. A sociedade israelense sofreu um trauma grave devido aos acontecimentos de 7 de outubro, que ainda continua a se aprofundar. Sem dúvida, esse foi o maior desastre que o Estado de Israel viveu em seus 75 anos de existência. Os relatos horríveis a respeito dos sequestrados em cativeiro do Hamas, dos desaparecidos e dos assassinados continuam sendo parte integral de nossos dias. A guerra que sucedeu o ataque ainda está em andamento. Centenas de milhares de soldados estão na frente de batalha e a lista de caídos cresce a cada dia. Cada um de nós tem um membro da família, parentes e amigos que estão lutando em Gaza ou no norte, na fronteira com o Líbano. É legítimo protestar contra o governo em tempos assim, no meio da guerra, enquanto nossos parentes ficam na frente ou em cativeiro? É legítimo exigir agora as respostas do governo que possibilitou essa enorme e penosa falha, ou deve-se deixar que ele lidere a guerra e aguardar com nossas perguntas “para o dia após a guera”? Ou talvez, caso esperemos, estamos ampliando e agravando o problema já ocorrido? Será que aqueles que já falharam em detectar o ataque podem falhar em gerenciar a guerra que se seguiu? Qual seria a coisa certa a fazer?

Essas não são perguntas simples, são dilemas difíceis em termos de valores, e refletir sobre elas nos deixa com o coração apertado de dor por quase 100 dias, e isso ainda não é o fim.

É bem claro que a expectativa pública de que os líderes da nação assumam a responsabilidade não é apenas legítima, mas até mesmo imperativa. Parte fundamental do “contrato não-escrito” entre o Estado e seus cidadãos é que o Estado deve proporcionar segurança à população. Esse é um compromisso sagrado e primordial. Esse contrato foi violado ao extremo no dia 7 de outubro, de uma forma irreparável. Ele foi quebrado não apenas com os cidadãos que não apoiavam esse governo antes do ataque do Hamas, mas com todos os cidadãos, sem exceção. Muitos dos apoiadores do governo vivenciaram de perto os resultados da falha e compreendem que, na prática, foram abandonados. Essa imensa raiva contra o governo que nos levou a essa situação ultrapassa setores, opiniões políticas, status socioeconômico ou qualquer outro parâmetro. Na prática, trata-se de um enorme sentimento de desconfiança civil em relação à liderança atual. Será que devemos, então, aguardar com os protestos até o dia após a guerra?

É importante lembrar: a falha do governo em 7 de outubro não aconteceu em um vácuo. Em 4 de janeiro de 2023, poucos dias após a posse do sexto governo de Netanyahu, foi dado o tiro de partida da revolução jurídica. Sob os auspícios do Primeiro-Ministro, o ministro da Justiça Yariv Levin lançou seu plano para mudar o sistema judiciário, em uma tentativa de criar controle governamental sobre os três poderes do governo. Imediatamente depois, um grande protesto eclodiu em Israel contra a tentativa de colocar em risco o caráter judaico e democrático do Estado de Israel.

A revolução custou um preço sem precedentes de uma ruptura na sociedade israelense e uma ameaça à integridade do exército. O protesto continuou por 40 semanas consecutivas, até 6 de outubro. No dia seguinte, sábado, 7 de outubro, às 6h30, o povo de Israel acordou com o forte e aterrorizante som do alarme, anunciando o ataque terrorista do Hamas. Dentro de um instante, nossas vidas mudaram de forma irreconhecível e de modo que não voltaremos à realidade anterior.

Um ano depois, praticamente nada restou da revolução. Há cerca de duas semanas, a Suprema Corte invalidou as duas leis problemáticas que o governo conseguiu aprovar nesse contexto. Aparentemente, a guerra que eclodiu basicamente parou a revolução. 

Por outro lado, a ruptura que o público israelense experimentou durante a revolução mudou radicalmente sua face desde a eclosão do ataque do Hamas. Tanto no campo de batalha quanto na sociedade civil, as pessoas estão muito mais próximas umas das outras, mais tolerantes, mais empáticas, colaborando com um espírito sincero de solidariedade, independentemente de sua posição política. Ao mesmo tempo, na coalizão, continuam as mesmas pessoas, os mesmos jogos políticos e declarações desnecessárias. Será que esse é o modelo de liderança que a sociedade israelense merece atualmente?

Quando o Estado não cumpre com suas obrigações com o cidadão, e certamente no contexto atual, é legítimo exigir que ele deixe sua posição e permita novas pessoas assumirem o poder e escreverem um contrato novo, mais moral e de maior valor entre eles e os cidadãos. Aqueles que possibilitaram que tal situação ocorresse representam “conceitos de ontem” e não se pode confiar mais neles para liderar o povo rumo aos novos e melhores horizontes. É verdade hoje, e não “mais tarde”… 

O protesto contra o governo já começou. Ainda é limitado em seu escopo, com bastante empatia e compreensão com aqueles que se abstiveram de participar em virtude das circunstâncias. Porém, o protesto é certamente legítimo e vai continuar.

Foto: Bar Shem-Ur/Reprodução X

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