O Acordo do Século: sem acordo, sem palestinos, sem futuro

O chamado “Acordo do Século”, idealizado pelo presidente americano Donald Trump e seus assessores, é realmente um ótimo acordo. Mas entre israelenses e… americanos. Os palestinos, que – acho que todos concordam – têm “algo a ver” com o conflito centenário no Oriente Médio, não estrelaram o photo-op na Casa Branca. Por incrível que pareça, o aperto de mão para os fotógrafos foi um desajeitado cumprimento entre Trump e o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu.

Nada parecido com o famoso aperto de mão entre o primeiro-ministro israelense Menachem Begin e o presidente egípcio Anwar Sadat, em 1979, que selou o duradouro acordo de paz entre Israel e Egito. O presidente americano Jimmy Carter estava na foto, mas apenas como moderador. O mesmo aconteceu com o acordo de 1994 entre o premiê israelense Yitzhak Rabin do rei Hussein, da Jordânia. Bill Clinton foi o moderador. Mas quem deu as mãos foram israelenses e jordanianos.

Todos os outros acordos, os que deram ou não frutos, tiveram apertos de mão entre os dois lados que tentam se entender. Nos de Oslo, em 1993, a saudação entre Rabin e o futuro presidente palestino Yasser Arafat foi épica – mesmo que os resultados dos acordos sejam, hoje, interpretados pela polarizada opinião pública como uma dessas ilusões de ótica da internet (o vestido é rosa/azul ou branco/dourado?). Clinton também foi o moderador. Mas Arafat e Rabin (e Shimon Peres) foram as estrelas.

Outros apertos de mão receberam cliques, desde então. Sempre com a presença de israelenses e palestinos. No caso do natimorto acordo de Wye Plantation (1998), o então primeiro-ministro Benjamin Netanyahu saudou Yasser Arafat. Em 2003, foi a vez de Ariel Sharon apertar a mão do então primeiro-ministro palestino Mahmoud Abbas (Abu Mazen) como parte do já esquecido “Roadmap para a Paz”. Em 2010, Netanyahu e Abbas novamente se envolveram em negociações de paz sob os auspícios de Barack Obama.

Pode-se dizer que quando um dos times não comparece, o outro vence por W. O. Mas aqui não se trata de esporte. Quando dois povos não se entendem, ignorar o outro não é um bom sinal. E não dá a ninguém medalha de ouro. O juiz de partida, que deveria ser neutro ou pelo menos aceito como juiz pelos dois lados, também não pode declarar vitória para si.

O forfait palestino é um excelente sinal de que esse “Acordo do Século” não entrará para a História como um sucesso. Não parece ter futuro. Os americanos – com total aquiescência do atual governo de Netanyahu – rascunharam mapas, condições e concessões. E pronto. Alguns podem dizer que se trata apenas de um ponto de partida para negociações entre os dois lados. Mas esse ponto de partida não levará a nada se um dos lados não aceita nem isso.

Como Trump disse durante a apresentação do “acordo”, muitos já tentaram resolver o conflito no Oriente Médio e falharam, mas ele – claro – não teme um desafio. Seu approach é o de vendedor de carros ou de um negociante no shuk de Jerusalém: colocar o preço original do produto lá no alto – mesmo sabendo que o valor é exagerado e que o produto não é tudo isso – e esperar que o “comprador” seja ingênuo o suficiente para aceitar o primeiro lance. E, mesmo se decidir barganhar, o preço final ainda pode ser alto.

Usando toda a pompa que seu terno e seu cargo proporcionam, Trump acredita que pode atrair os palestinos para esse toma-lá-dá-cá básico. O presidente palestino Mahmoud Abbas sentiria a pressão para negociar, tentando baixar o valor das consequências aos palestinos e chegar a uma espécie de “meio termo”. Aliás, o mesmo seria esperado do lado israelense.

Certamente Abu Mazen teria algo a ganhar com negociações, caso aceitasse voltar a conversar com Israel. O prospecto de ter um Estado independente reconhecido por Israel em quatro anos, com fronteiras definidas (mesmo que esquisitas para quem não conhece a complexidade da situação), sem o terrorismo do Hamas (que entregaria as armas) e de recebendo US$ 50 bilhões para melhorar a situação de seus cidadãos não é nada ruim. A princípio, parece uma boa proposta. E é.

Mas tudo isso é embalado de uma forma que Abu Mazen não pode aceitar. O plano de Trump não leva em consideração a opinião pública palestina e árabe, em geral. Há décadas, os palestinos mantêm seu próprio preço inicial “no alto” para qualquer negociação de paz. Gerações de palestinos foram criadas com esse preço na cabeça: Jerusalém como capital (não apenas bairros na periferia da cidade), o direito de retorno de refugiados palestinos a suas cidades originais e um Estado com fronteiras baseadas na “Linha Verde” (pré-Guerra dos Seis Dias, em 1967). Esses três princípios são duros para Israel, mas se não forem parte do começo das negociações, não há como começar.

Israel também tem sua opinião pública e seu preço básico. Não aceitaria perder o controle da Cidade Velha de Jerusalém (de toda a área, mesmo os bairros não judaicos), por questões religiosas e de segurança. Não aceitaria a “volta” dos atuais 5 milhões de refugiados palestinos (netos e bisnetos dos 700 mil refugiados originais) para dentro de um país com apenas 10 milhões de pessoas. E teria dificuldades em retirar grandes grupos de assentamentos além da Linha Verde.

Mas o caminho para a paz passa pelo olho no olho. Os líderes dos dois povos precisam chegar a um real meio termo, ao mesmo tempo em que transmitem para seus povos a ideia de que é preciso fazer concessões pela paz e que isso não é uma humilhação. “Humilhação” e “respeito”, no Oriente Médio, são sentimentos mais fortes do que um racionalismo seco. Sair-se como “vencedor”, ou quase assim, fala mais alto do que receber US$ 50 bilhões. O conflito palestino-israelense não é socioeconômico. Aqui, religião, nacionalismo, etnia e território falam mais alto.

É preciso que os líderes sejam vistos como vencedores por seus povos. Que os preços sejam “traduzidos” como vitórias. Que os líderes façam a cabeça do povo para que entendam a realidade de outra forma. Todo o conflito deve ser repaginado, reformulado e repensado para que todos se sintam respeitados e vitoriosos.

Uma cerimônia de anúncio de um acordo de paz na qual o aperto de mão é apenas entre um dos lados e o “juiz”, não parece ser um bom ponto de partida. Elevar o preço a priori para confundir o outro pode dar certo no comércio. Mas estamos falando de diplomacia, de respeito, de dois povos que há anos têm princípios distintos.

Para terminar, parece claro que esse “Acordo do Século” contou com um aperto de mão entre Trump e Netanyahu porque esses dois líderes precisam de um photo-op, agora, por motivos internos. Os dois enfrentam a justiça. Os dois estão em campanha eleitoral. É realmente um ótimo acordo, mas para eles. Nesse sentido, o fato de não haver um palestino sequer na foto faz sentido.

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