Por que os Palestinos hesitam em se vacinar mesmo tendo vacinas de sobra?

Enfermeira prepara uma vacina em centro hospitalar de Ramallah, Territórios Palestinos. Foto: Ahed Izhiman/Unicef

TEL AVIV – Os palestinos hesitam em se vacinar contra a Covid-19, mesmo a vacina estando amplamente disponível na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Desde fevereiro, as autoridades palestinas receberam 2,8 milhões de doses da COVAX, o mecanismo internacional de compartilhamento de vacinas apoiado pelas Nações Unidas e pela Organização Mundial de Saúde. Outras 4,6 milhões de doses da Pfizer devem chegar em breve. 

Mesmo assim, segundo os números mais recentes, só 30% dos palestinos acima dos 18 anos foram receber a primeira dose da vacina e só 16% estão duplamente vacinados na Cisjordânia e em Gaza. Apenas 650 mil moradores da Cisjordânia e 220 mil de Gaza receberam pelo menos uma dose, enquanto o número total de palestinos elegíveis é de 2,8 milhões nesses territórios (de uma população de 4, 9 milhões). Lembrando que Israel oferece vacinas aos palestinos de Jerusalém Oriental e imunizou outros 100 mil palestinos que trabalham no país.

O que impede que os percentuais na Cisjordânia e em Gaza aumentem? As fake news e teorias conspiratórias que circulam por todo o mundo árabe-muçulmano, certamente. Também há falta de confiança nas autoridades médicas. O governo palestino não consegue convencer a maioria das pessoas a receber a picada. “Temos vacinas, mas precisamos urgentemente que as pessoas se vacinem”, disse Shadi al-Liham, alto funcionário do Ministério da Saúde no distrito de Belém, na Cisjordânia.

Em reportagem do New York Times sobre o assunto, Suha Gadeon, 41 anos, diretora da Câmara de Comércio de Belém, por exemplo, contou que se recusa a receber a vacina com medo dos efeitos colaterais como coágulos sanguíneos, complicações cardíacas e queda de cabelo: “Eu me oponho fortemente a tomar a vacina agora. Só me sentiria confortável depois de um estudo de três a cinco anos provar que é segura”, disse ela.

Também ao NYTimes, outro entrevistado chamado Abu Huleil, 53 anos, um vendedor de frutas, disse: “Li online que pessoas morrerão dois anos depois de tomarem a vacina. Então decidi que não vou tomar a vacina. Por que eu arriscaria? Minha saúde está excelente”. 

Os governantes palestinos tentam como podem. Tanto a Autoridade Palestina (da Cisjordânia) quanto o Hamas (de Gaza), ordenaram os funcionários públicos a se vacinar. Quem não aceitar, será colocado em férias não remuneradas (aliás, Israel também está adotando essa medida).

Em Israel, também há uma medida de hesitação e negacionismo. Dos 7,4 milhões de israelenses com mais de 12 anos, que podem ser vacinados, 880 mil (12%) não se vacinaram até hoje nem com a primeira dose, apesar de poderem ser imunizados a qualquer momento. Há um mês, eram 1,1 milhão e só com a chegada da variante delta e uma campanha forte do governo é que 220 mil dos hesitantes decidiram se vacinar. Mas ainda há quem ainda insista em ficar em perigo.

Entre os mais hesitantes estão os árabes-israelenses (21% dos 9,3 milhões). Os motivos são muitos e começam com o fato de que há uma verdadeira descriminação estrutural na sociedade, com as cidades e aldeias árabes mais pobres e mais na periferia do país. Mas os boatos e mentiras às quais eles têm acesso – assim como os palestinos de Gaza e Cisjordânia – ajudam a desinformar, apesar dos esforços das autoridades israelenses.

“Os árabes vão menos se vacinar. O primeiro fator é ligado à falta de confiança nas autoridades. Eles acreditam em conspirações, acham que o governo está fazendo um experimento com eles”, explica Nihaya Daoud, professora associada do Departamento de Saúde Pública da Universidade Ben-Gurion.

Quando Israel se tornou um dos primeiros países a vacinar seus habitantes contra a Covid-19, no final de dezembro de 2020, muita gente elogiou e passou a olhar o país como modelo na questão da vacinação em massa. Mas muitas pessoas – algumas maldosamente, outras não – decidiram diminuir o feito israelense afirmando que o país não fazia nada para vacinar os vizinhos palestinos. Não faltou quem acusasse Israel de realizar uma espécie de “limpeza étnica”.

Pouquíssimos se preocuparam em saber se os palestinos queriam ou pediram ajuda israelenses para vacinar a população da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. E menos ainda se perguntaram se o povo palestino aceitaria se imunizar contra o coronavírus.

Imagina se as vacinas tivessem chegado de Israel? Os números seriam ainda mais baixos, diante das muitas teorias conspiratórias antissemitas relacionadas à Covid-19 que circulam entre os palestinos. Elas vão desde acusar Israel de criar o vírus para matar palestinos até “apenas” acusar Israel de difundir o coronavírus deliberadamente na Cisjordânia, em Gaza e em Jerusalém Oriental.

Israel chegou a enviar alguns milhares de doses de vacina no começo do ano aos líderes da Cisjordânia, a pedido deles. E fechou um acordo de envio de 100 mil em junho (na época, os palestinos reclamaram que os imunizantes tinham prazo de validade só até 30 do mês). Uma doação americana de 500.000 doses também chegou na semana passada. Mas em momento algum, houve um real pedido dos governantes palestinos por uma ajuda de Israel – que seria vista como algo humilhante diante da vontade de demonstrar independência e liberdade.

O que houve foram fake news e acusações vãs contra Israel, sem levar em consideração a complexidade do conflito entre Israel e palestinos. Alguns palestinos surfaram nessa onda, acusando Israel de negar as vacinas aos palestinos, por um lado, ao mesmo tempo em que juravam nunca receber uma humilhante ajuda da força ocupante.

Não estou afirmando, aqui, que Israel não poderia ter feito mais pelos palestinos. Poderia (e talvez tenha feito, por debaixo dos panos, até por interesse próprio, porque a pandemia não conhece fronteiras). Mas, pelos Acordos de Oslo, de 1993, eles têm seu próprio Ministério da Saúde e Israel só está obrigado a lidar com urgências médicas em seus territórios caso seja “provocado” a isso. Israel não pode forçar essa ajuda.

No final das contas, esse episódio é mais um exemplo de como esse conflito não é para iniciantes.

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