Um pogrom às vésperas de uma possível terceira intifada

Daniela Kresch

TEL AVIV – O que aconteceu no domingo foi um “pogrom”. Mais de 300 israelenses judeus (a maioria absoluta de colonos) atacaram civis palestinos em Hawara, no Norte da Cisjordânia. Eles decidiram agir como “vigilantes”, como pessoas que fazem as leis em suas próprias mãos, e decidiram se vingar do assassinato de dois jovens israelenses: dois irmãos, em Hawara, foram mortos em um atentado terrorista, que havia acontecido pouco tempo antes. Eles colocaram fogo em uma dúzia de casas, em dezenas de carros, em tudo o que viram pela frente numa noite de caos. Foram horas de pânico e de desespero para a população local.

A vingança da vingança já aconteceu, hoje. Um palestino atirou contra três carros com placas israelenses nos arredores de Jericó. Num deles, estava uma família com crianças – por sorte, nenhum deles se feriu. Mas, em outro carro, um homem de 27 anos foi assassinado.

Violência gera violência. Neste momento, israelenses e palestinos se encontram em mais um círculo vicioso de sangue. Ouve-se cada vez mais a palavra que os israelenses sempre temem: Intifada (revolta popular). Talvez estejamos já no meio da terceira, 18 anos depois do fim da segunda. 

Desde o começo do ano, contabiliza-se 14 mortos israelenses e 62 palestinos. Eles se somam aos cerca de 30 mortos israelenses e 150 palestinos de 2022. Esses números são os maiores desde a segunda Intifada. Números que já podem ser, talvez, chamados de terceira intifada.

“Estamos no meio de um evento grande, mesmo com um DNA diferente”, disse o importante jornalista Ohad Hemo no podcast “Um por dia”, do Canal 12. “O atentado contra os irmãos foi terrível. Mas temos que lembrar o contexto. É um círculo que leva a sangue. Não sei como isso pode acabar”.

Esta nova Intifada contra Israel poderá ser muito pior do que a anterior, quando cerca de 1.000 israelenses e 3.000 palestinos morreram em cinco anos, de 2000 a 2005. Isso porque, atualmente, há dois elementos a mais: o primeiro é o Hamas na Faixa de Gaza, o que não havia antes. O Hamas pode, em breve, voltar a atirar milhares de foguetes, bombas e morteiros contra Israel.

O segundo elemento é a minoria árabe-israelense (21% da população), que pode se engajar mais do que antes em prol dos palestinos – com os quais se identificam – e transformar o conflito em guerra civil. Aliás, no momento em que escrevo estas linhas, há confrontos entre manifestantes contrários ao que aconteceu em Hawara no centro de Tel Aviv, com bandeiras palestinas em punho. São israelenses que protestam contra o governo de extrema-direita de Benjamin Netanyahu.

Tudo isso acontece sem a dimensão religiosa presente constantemente nesta parte do mundo. A recente escalada não teve essa dimensão. Não incluiu, até agora, confrontos no Monte do Tempo/Esplanada das Mesquitas. Os eventos mais recentes têm a ver com atentados de palestinos contra israelenses (em Jerusalém, mas não na Cidade Velha), na Cisjordânia e outros lugares cometidos por lobos solitários ou membros da nova facção “Cova dos Leões”. E tem a ver com as reações militares violentas de Israel – em busca de suspeitos de terrorismo – em lugares como Jenin e Nablus. 

Mas estamos a poucas semanas do Ramadã, o mês sagrado dos muçulmanos, que, nesta região, muitas vezes se traduz em violência contra Israel. Isso porque grupos de muçulmanos fanáticos interpretam as leis religiosas do Ramadã como um chamado divino para atacar “infiéis” (isto é, judeus). Isso seria uma “boa ação”.

Foi por causa da proximidade do Ramadã que autoridades de Israel, Jordânia, Egito, Estados Unidos e da Autoridade Palestina convocaram uma reunião de emergência em Aqaba, neste domingo, 26 de fevereiro, para tentar diminuir as chamas e suspender as vinganças das vinganças. Concluiu-se que Israel iria suspender a expansão de assentamentos na Cisjordânia por alguns meses e que a Autoridade Palestina faria mais para estancar o terrorismo interno. 

Mas o que se viu em Aqaba passou longe de realidade. Imediatamente após os comunicados oficiais, o diretor do Conselho de Segurança Nacional, Tzachi Hanegbi, emitiu uma nota dizendo que, “ao contrário dos relatos e tuítes sobre o encontro na Jordânia, não há mudança na política israelense”. “Nos próximos meses, o Estado de Israel autorizará nove postos avançados (isto é, colônias ilegais) e aprovará 9.500 novas unidades habitacionais na Judeia e Samária. Não há congelamento de construção”.

As decisões em Aqaba também não evitaram a violência que aconteceu no mesmo dia: o assassinato dos dois irmãos israelenses e o pogrom em Hawara.

Há boas almas que tentam acalmar os ânimos apelando para a humanidade dos israelenses. “Fazer justiça com as próprias mãos, tumultos e cometer violência contra inocentes – este não é o nosso caminho, e expresso minha condenação enérgica. Devemos permitir que as FDI, a polícia e as forças de segurança prendam o terrorista desprezível e restaurem a ordem imediatamente”, disse o presidente Isaac Herzog.

Até o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu tentou demonstrar moderação, dizendo que não pode haver anarquismo em Israel. Aliás, o ministro de Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, também tentou demonstrar uma rara moderação. Depois de 24 horas de silencio, ele disse que quem deve lutar contra o terrorismo são as forças de segurança, não quaisquer cidadãos.

Mas há almas que só querem que um novo conflito aconteça. E rápido. Um exemplo é o parlamentar piromaníaco (mais um) Tzvika Fogel, do partido Força Judaica (de Ben Gvir), que afirmou querer que Hawara seja “fechada e queimada” porque, segundo ele, seria a “única maneira de Israel conseguir dissuasão”. Depois ele pediu desculpas, mas o dano já havia sido feito. Fogel também deu like num post de outro extremista celebrando o pogrom em Hawara.

Outra parlamentar ultranacionalista disse que o vandalismo em Hawara foi uma manifestação “correta” e uma “resposta justa” ao terrorismo. Parece o que o Hamas diz quando ataca Israel: que é uma “resposta natural à agressão sionista”.

Israel passa por um momento de tensão como poucos. Paralelamente à reforma jurídica da coalizão ultranacionalista e ultradireitista de Netanyahu – que pretende enfraquecer a democracia do país -, o atual governo enfrenta uma onda de derramamento de sangue – talvez uma terceira intifada. Será que as duas coisas estão ligadas? Para mim, a resposta é clara.

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