Democracia sob risco: o porquê das coisas  

O Primeiro Ministro Netanyahu de 2018, não ousaria incluir em seu governo o Netanyahu de 2023. Netanyahu de 2018 defendeu o sistema judiciário israelense e o elogiou em todas oportunidades, dizendo que nosso sistema é um dos mais magníficos do mundo, que nossos juízes e tribunais têm um nome excelente, e com razão, e que ele não tem nenhuma crítica contra eles, mas muito pelo contrário – um grande respeito e apreço.

Netanyahu, modelo 2023, lidera vigorosamente a revolução judiciária, que, se for bem-sucedida, abolirá a democracia israelense. Ele ataca o sistema e as pessoas que o fazem, ignorando suas indicações e falando contra eles com total desrespeito.

Então, o que mudou? E qual é a essência desta luta que tanto está dilacerando e desintegrando a sociedade israelense?

O que está acontecendo em Israel hoje não é uma mera “disputa política”, como o governo tenta retratar e assim diminuir a gravidade do que está sucedendo. É muito mais que isso. Na raiz das coisas está uma disputa ideológica significativa entre duas identidades, e duas concepções diferentes sobre a essência do Estado de Israel, que não têm um denominador comum:

● A primeira – quer manter Israel como um Estado judeu e democrático baseado nos princípios da Declaração de Independência, que concede igualdade e liberdade a todos os seus cidadãos, combinado com um sistema legal e de aplicação da lei ordenado e de alta qualidade, e com “gatekeepers” e meios de comunicação independentes.

● A segunda – aquela que representa o governo atual, procura transformar Israel em um Estado judaico-religioso, que não é uma democracia, mas sim um tipo de teocracia, espalhada entre o Mediterrâneo e a Jordânia, onde a ordem e a governança estão apenas nas mãos de políticos e autoridades religiosas, e com um sistema judiciário muito limitado, fraco e não independente, o que praticamente não garante o igualitarismo.

Estas concepções não são novas, fazem parte do mosaico social israelense há muitos anos e, ademais, podem ser divididas em sub identidades e variações que derivam delas, o que torna nossa realidade ainda mais complexa. Então, o que as faz colidir agora mais do que nunca?

Os governos israelenses anteriores nunca foram “monolíticos”, tanto se eram dirigidos por um partido da esquerda quanto por um partido da direita. Com a exceção de dois episódios curtos (o 30º governo liderado por Ariel Sharon, e o 36º governo liderado por Bennett-Lapid), os partidos ultra-ortodoxos sempre faziam parte da coalizão, de todas as coalizões, seja da esquerda, da direita, ou dum governo de unidade nacional.

Mas, pela primeira vez, temos hoje uma coalizão que inclui partidos de extrema-direita, que nunca foram membros de nenhum governo (tal como o partido de direita radical “Otzma Yehudit” liderado por Ben Gvir, e Noam – partido de extrema-direita fundamentalista liderado por Avi Maoz).

Portanto, a combinação da composição atual da coalizão, juntamente com a nova realidade que ela está promovendo apressadamente, modifica completamente as regras do jogo atual, e praticamente coloca em risco as fundações sobre as quais o “contrato” entre o Estado israelense e seus cidadãos sempre foi baseado. 

Isso se aplica tanto às relações entre religião e Estado (que sempre foram desafiadoras e complexas, mas jamais até o nível reacionário previsto) quanto ao caráter democrático de Israel, que nunca foi questionado. Acredito que Netanyahu está ciente disso, mas…

A motivação de Netanyahu para formar um governo de extrema-direita tão radical não deriva apenas dos resultados eleitorais que deram à direita uma pequena maioria sobre a esquerda e o centro, nem porque ele mesmo apóia tais idéias (E acredito que não é o caso).

Netanyahu, Modelo 2023, que no passado costumava elogiar o sistema judiciário israelense, está pressionando para uma tomada política desse sistema, apenas por questões pessoais (embora ele o negue, obviamente). Ou seja, para impedir a continuação do julgamento que é conduzido contra ele (por suborno, fraude e quebra de confiança) e o veredicto que eventualmente enfrentará. Sabendo bem que esta revolução não ganharia o apoio de nenhum dos outros partidos de centro-esquerda, Netanyahu, que era conhecido por ter pontos de vista liberais, preferiu pagar o preço que tal ação leva, e unir forças com partidos com os quais nunca se sentaria, para impedir qualquer resultado pessoal.

Não é surpreendente, então, que tantas pessoas de toda parte de Israel e de todos os estratos e setores da sociedade  (e sou uma delas) se sintam como reféns da realidade imposta a eles e temem da mudança radical que isso causará aos valores judeus e democráticos do Estado de Israel. Os protestos continuarão enquanto a democracia israelense estiver sob risco.

E mais uma coisa: nos últimos dias, o Presidente de Israel anunciou progressos na formulação de uma proposta de compromisso que ele está liderando (que é discutida sem o envolvimento de qualquer membro da Knesset). Simultaneamente, o Ministro da Justiça, Levin, continua declarando firmemente que sob nenhuma circunstância vai parar ou adiar o processo legislativo. Os debates no comitê do Knesset estão progredindo conforme o planejado, ignorando quaisquer propostas de alteração na redação original das leis.

Em tal realidade, as propostas de compromisso não são relevantes, e a revolução está bem encaminhada. Nossa democracia ainda está sob risco.

Revital Poleg / 8 de março de 2023

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