Uma cronologia das manifestações em Israel

Daniela Kresch

TEL AVIV – Desde o começo de 2023, Israel se tornou um grande palco de protestos. Há quatro meses, centenas de milhares de israelenses vão às ruas, com bandeiras azuis e brancas, para protestar contra a reforma judicial anti-Suprema Corte que o atual governo Benjamin Netanyahu tentar aprovar. Em média, algo em torno de 200 mil pessoas se reúnem, todos os sábados, na Rua Kaplan, em Tel Aviv, e em várias outras cidades como Haifa, Jerusalém e Natânia. Houve semanas em que esse número inflou a quase 500 mil manifestantes pró-democracia.

Recentemente, começaram também a pipocar aqui e acolá protestos pró-reforma, o principal deles aconteceu há cerca de uma semana, no dia 27 de abril, com algo entre 150 e 200 mil participantes.

Israel parece estar em ebulição. E está. Mas isso não é novidade neste país de 75 anos recém-celebrados. Os israelenses sempre foram bastante politizados e sem medo de exigir de seus governantes o que acreditam ser justo. A inexistência de protestos em massa e manifestações de rua – violentas ou pacíficas – é que é a exceção.

Os últimos anos, nesse sentido, foram relativamente calmos. Calmos demais. A impressão era a de que os israelenses estavam cansados de monitorar todos os governos de Bibi Netanyahu, que assumiu o poder em 2009, foi derrotado em meados de 2021, mas voltou em 2023. Com seu carisma e retórica refinadas, Bibi parecia ter anestesiado as massas, mais focadas na sobrevivência diária diante do aumento implacável do custo de vida em Israel.

Mas o carisma do “mago da política” começou a diminuir em 2017, quando Netanyahu passou a ser investigado em casos de corrupção. Ele foi formalmente indiciado em novembro de 2019, o que levou a uma onda de protestos contra o primeiro-ministro. Pequenos grupos de israelenses passaram a protestar contra Bibi todos os sábados em pontes por toda a estrada 2 (que liga Tel Aviv a Haifa) e em frente à residência oficial do premiê, em Jerusalém.

Esses protestos deram parcialmente certo quando, em 2021, Netanyahu perdeu o posto de primeiro-ministro para uma coalizão de partidos anti-Bibi, que só tinham mesmo em comum a ojeriza a ele. Não é à toa que, ao voltar ao poder com uma coalizão de extremistas, as manifestações voltaram com toda a força, principalmente depois da revelação da tal reforma judicial anti-Suprema Corte, que Netanyahu acredita ser sua tábua de salvação da prisão.

A impressão é a de que, após um período de anestesia coletiva, Israel voltou a ser tomada por manifestações populares – algumas que deram certo, outras não. A politização do povo realmente não é novidade. Desde a criação, Israel já viu diversos protestos de ultraortodoxos contra o serviço militar e inúmeras manifestações contra problemas sociais (como as de deficientes, jovens mães e idosos, entre outros). Abaixo, após pesquisa online rápida, apresento uma lista dos maiores protestos dos últimos 75 anos.

1957 – A greve na fábrica da Ata
A greve na fábrica Ata (às vezes chamada de Grande Greve) foi uma paralisação de 1.680 trabalhadores da fábrica têxtil “Ata” na aldeia de Ata (atual Kiryat Ata), que começou em 10 de maio de 1957 e durou 107 dias. Em 1956, o CEO da fábrica, Hans Müller, queria ser mais eficiente e decidiu demitir muitos trabalhadores e congelar os salários. Isso levou, em 10 de maio de 1957, uma das maiores greves da História de Israel. Em 18 de agosto, as partes da disputa trabalhista chegaram a um acordo coletivo de dois anos prevendo a redução das demissões e um pequeno aumento salarial. Não podemos esquecer que Israel era um país socialista, na época, com sindicatos fortes.

1959 – Os distúrbios de Wadi Salib
Os distúrbios de Wadi Salib foram uma série de manifestações de rua e atos de vandalismo no bairro de Wadi Salib, em Haifa, desencadeados pelo suposto assassinato de um imigrante judeu marroquino por policiais. Os manifestantes acusaram a polícia de discriminação étnica contra os judeus orientais (mizrahim). Em 9 de julho de 1959, a polícia confrontou um morador de Wadi Salib, Yaakov Elkarif, que estava bêbado e perturbando a paz. Quando ele começou a se comportar de forma irregular e a atirar garrafas vazias contra os policiais enviados para prendê-lo, ele foi baleado e gravemente ferido. Os moradores cercaram a viatura e arrastaram um policial para fora dela. Ele foi solto somente depois que tiros foram disparados para o ar.

Depois que rumores falsos circularam de que ele havia morrido, várias centenas de residentes de Wadi Salib marcharam para Hadar HaCarmel, um distrito predominantemente ashkenazita, quebrando vitrines e incendiando carros. Em 11 de julho, tumultos eclodiram em outras localidades de Israel, principalmente em grandes comunidades de imigrantes magrebinos, como Tiberíades, Beersheba e Migdal HaEmek.

1971 – O movimento Panteras Negras
Os Panteras Negras foram um movimento de protesto israelense de imigrantes judeus de segunda geração do Norte da África e países do Oriente Médio. Foi uma das primeiras organizações em Israel com a missão de trabalhar pela justiça social para os judeus sefarditas e mizrahim, inspirando-se e tomando emprestado o nome da organização afro-americana Black Panther Party. O movimento foi fundado no início de 1971 por jovens no bairro de Musrara, em Jerusalém.

Em 18 de maio de 1971, aconteceu a “Noite das Panteras”, com entre 5.000 e 7.000 pessoas se reunindo em uma manifestação em massa contra a discriminação racial. Mais de 100 pessoas foram presas, muitas apenas curiosos, com vários casos de brutalidade policial registrados.

Os Panteras Negras aumentaram a consciência pública para a “questão oriental”, que posteriormente desempenhou um papel no debate político israelense nas décadas de 1970 e 1980, contribuindo para o sucesso do Likud naquele período.

1979 – Protestos de etíopes
As manifestações dos etíopes foram realizadas em Israel por israelenses de origem etíope e posteriormente também por seus descendentes. Nas primeiras décadas, os protestos centraram-se na questão da emigração dos judeus etíopes e do seu reconhecimento. Mais tarde, protestos foram dirigidos contra o racismo e a violência policial.

Em 7 de janeiro de 1979, ocorreu uma manifestação a favor da imigração judaica etíope e a implementação do caminho sudanês, após uma reunião dos chefes da associação de judeus etíopes em Israel com o primeiro-ministro de Israel, Menachem Begin, dois dias depois. Em dezembro de 1981, dezenas de expatriados etíopes fizeram uma marcha de protesto do Kibbutz Tzuba ao Knesset, exigindo que os judeus etíopes fossem trazidos para Israel.

Houve vários outros protestos de etíopes com o passar dos anos, sempre contra o racismo e o tratamento da polícia em relação aos judeus etíopes. Em 2019, por exemplo, houve manifestações violentas por causa da morte do jovem Salomon Teka, que foi morto a tiros por um policial à paisana em Kyriat Haim, subúrbio de Haifa.

1982 – Protestos contra Sabra e Shatila
Foi uma das maiores manifestações da esquerda israelense. Após o massacre de Sabra e Shatila, no Líbano, a Praça Malchei Israel (hoje Praça Rabin), em Tel Aviv, foi tomada por uma multidão em 25 de setembro de 1982. A mídia chamou o protesto de “A Manifestação dos 400 Mil”. A aglomeração foi organizada pelo movimento parlamentar de esquerda Shalom Achsav (Paz Agora), que pedia o estabelecimento de uma comissão de inquérito para investigar os motivos do massacre e o envolvimento de Israel nele, a retirada do exército israelense do Líbano, e as renúncias do primeiro-ministro Menachem Begin e do então ministro da Defesa, Ariel Sharon.

Em 10 de fevereiro de 1983, o Paz Agora liderou uma marcha até Jerusalém. Durante a caminhada, um ativista de direita jogou uma granada de mão na multidão, matando Emil Grunzweig, um proeminente ativista do Paz Agora. Como resultado da crescente pressão pública sobre Menachem Begin para adotar as recomendações da CPI, Ariel Sharon concordou em deixar o cargo de Ministro da Defesa. No entanto, permaneceu no governo como ministro sem pasta.

1994 – Manifestações contra e a favor dos Acordos de Oslo
Os acordos de Oslo causaram uma ebulição em Israel, no começo dos anos 90. Muitos protestos contra e a favor dos acordos de paz que tinham como objetivo criar um Estado palestino aconteceram no país por meses a fio. Alguns deles, em Jerusalém, foram realizados pela direita israelense contrária aos acordos, e ficaram infames porque alguns manifestantes levaram cartazes comparando o premiê Yitzhak Rabin a Hitler (com a imagem de Rabin com o bigodinho de Hitler).

Os israelenses em favor dos acordos também saíram às ruas. Na noite de 4 de novembro de 1995, uma grande manifestação aconteceu em Tel Aviv. Ao final dela, Rabin foi assassinado por Yigal Amir, um extremista de direita.

2000 – Protestos de outubro de 2000
Os eventos de outubro de 2000 foram uma série de protestos em aldeias árabes no Norte de Israel em outubro de 2000 que se tornaram violentos, evoluindo para tumultos que levaram a confrontos com o polícia de Israel e a morte de 13 manifestantes árabes e 1 judeu israelense. As manifestações começaram a se espalhar após repetidas veiculações de imagens mostrando a suposta morte a tiros, por soldados israelenses, do garoto palestino Muhammad al-Durrah, de 12 anos, que teria sido pego no fogo cruzado entre as forças israelenses e militantes palestinos.

Até hoje, esses eventos são uma sombra que paira na relação entre a minoria árabe de Israel (21% da população) e a polícia. Só recentemente, com o aumento exponencial de casos de violência entre os árabes-israelenses e que líderes árabes passaram a clamar por uma presença maior da polícia em suas cidades e vilarejos.

2004-2005 – Retirada de Gaza
Os protestos contra o plano de Retirada de Gaza, do então premiê Ariel Sharon, começaram antes mesmo de o plano ser aprovado no Knesset. Com a aprovação dos preparativos do plano, a onda de protestos se intensificou e se fortaleceu à medida que avançavam a data da retirada se aproximava. Os manifestantes ficaram conhecidos por usar peças de roupa laranja.

As pesquisas de opinião mostraram consistentemente apoio à Retirada de Gaza, que aconteceu em meados de 2005, mas os manifestantes – em geral mais à direita no espectro político, colonos, ultranacionalistas e nacionalistas religiosos – realizaram uma série de protestos públicos em cruzamentos, rodovias e praças. Em 16 de maio de 2005, um protesto não violento foi realizado em todo o país, com os manifestantes bloqueando as principais artérias de tráfego em Israel. Mais de 40 cruzamentos em todo o país foram bloqueados. A Retirada de Gaza é, até hoje, um trauma para a direita israelense.

2011 – A manifestação social
As manifestações por justiça social de 2011 foram o último grande movimento nacional de protesto antes do que estamos vendo, neste momento. Em julho daquele anos, centenas de milhares de manifestantes de várias classes sociais, contextos económicos e religiosos que se opunham ao aumento contínuo do custo de vida (particularmente da habitação) e à deterioração dos serviços públicos como a saúde e a educação, saíram às ruas para gritar “O povo exige justiça social!”.

Em Tel Aviv, dezenas de milhares de jovens acamparam na Avenida Rothschild por semanas. Os manifestantes foram influenciados por movimentos como Occupy Wall Street e a Primavera Árabe. Muita gente achou que tudo mudaria em Israel após os protestos, mas o custo de vida continuou a aumentar na última década.

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