Encruzilhada do tempo no palco chamado Brasil:  negros e judeus na ótica da democracia racial

Edilmar Alcantara dos Santos Junior

Estamos no Brasil, maior país da América do Sul e uma das principais economias do Mundo. Um lugar singular, com natureza exuberante, população que trabalha duro, clima agradável (na maioria parte do ano), regiões com peculiaridades marcantes, alegria, paz e esperança de um bom futuro.

Não se ignora que nesse mesmo Brasil há muita desigualdade social, problemas estruturais graves, desvios de condutas por parte de alguns agentes políticos, corporativismo exacerbado, autoritarismo, e um certo paternalismo que visa tutelar a população, por parte de alguns membros de instituições de Estado.

Este país que foi pensando por uma elite política e econômica, para que a mesma elite e seus descendentes nunca perdessem os privilégios advindos da administração estatal, não raro,ignoravam as reais necessidades que se apresentavam durante séculos na dinâmica social, enquanto o país se formava como nação e se apresentava ao mundo. 

Dispensa maiores explicações que o Brasil que conhecemos hoje, se constituiu a partir de uma invasão de território no século XVI. Pelos idos de 1500, quando às caravelas comandadas por Cabral aportaram na Bahia, cerca de cinco (5) milhões de pessoas já habitavam estas terras. Embora se ouçaque não se deve mexer na história (como se a história não fosse feita por narrativas de quem a conta), é necessário afirmar que o que aconteceuaqui foi uma invasão, e não um descobrimento. 

Não quero contar a história que já sabemos, em que os habitantes das terras que futuramente se chamaria Brasil, foram violentados, submetidos a trabalhos que não faziam parte das suas rotinas, além de muitos assassinatos. Por trás de tais violências, vinha a lógica mercantil de conquistar a qualquer custo, impondo a força se necessário fosse, para que os desejos da Coroa lusitana fossem atendidos. 

Não podendo mais praticar as ações nefastas que fizeram com os nativos no início da dominação, os engenheiros da colonização no novo mundo, começaram a importar mão de obra estrangeira, mas precisamente dos países banhados pela Atlântico, no continente africano.

Ignorando a humanidade de homens, mulheres e crianças vindo de África, os sequestradores europeus, jactando-se de estarem em um processo avançado de civilização, promoveram grande desgraça na história e na vida de tantas pessoas. Mais uma vez, a lógica mercantil de conquistar sem observar questões mínimas de humanidade, foi levada a cabo.

O genocídio promovido pelos traficantes de pessoas oriundas da África durou cerca de três séculos, observando apenas o tráfico que abasteceu fazendas e cidades no continente americano. Somente no Brasil, estima-se que cerca de seismilhões de africanos sob a condição de escravizados, chegaram aos portos da nossa imensa costa, sem contar os que não resistiram as encruzilhadas atlânticas, e foram lançados no seio do grande oceano. Conta-nos um historiador que o número de pessoas lançadas ao mar foi tão grande, que fez mudar a rota dos tubarões.

A instituição escravidão durou cerca de 350 anos no Brasil. Três séculos e meio de violência, desumanidade, desprezo de uma nação inteira, por pessoas que foram colocadas na condição de sub-humanos. 

Diante de pressões internas e externas, a Coroa brasileira entendeu por bem abolir a escravidão no país. Isso se deu praticamente na última década do século XIX. Uma vez assinada a chamada Lei Áurea, aproximadamente 700 mil pessoas que viviam sob os grilhões da escravidão, foram colocadas em liberdade.

Ora, para uma massa expressiva de pessoas que já nasceram escravizadas no Brasil, e não sabiam fazer outra coisa senão labutar nas lavouras, cuidar da casa e da criação dos filhos de outrem, carregar fardos pesados pelas cidades, dentre tantas outras atividades classificadas como coisa de preto, o que fazer dali pra frente, em um cenário social que não se preparou para absorver mão de obra de ex. escravizados?

Ao invés de estruturar e promover políticas públicas que absorvessem a farta mão de obra de pessoas que estavam livres, o Estado brasileiro encampou uma política de embranquecimento da nação, sob a perspectiva científica que afirmava que a miscigenação era uma forma degenerada na formação social brasileira, e a presença de negros na população, deixaria sempre ativa, a memória da escravidão. 

Diante das evidências trazidas pela ciência na época, o Brasil importou mão de obra estrangeira. Com a áurea de transformar o país antes agrícola em um importante polo industrial (na concepção do século XX que se apresentava), o Estado brasileiro promoveu a vinda de imigrantes de diversas partes do mundo, sobretudo da Europa, e todos brancos, ou quase brancos, mais que se tornaram brancos na ótica do privilégio brasileiro. 

Italianos, portugueses, espanhóis, alemães, japoneses e árabes (sírios, turcos, egípcios e palestinos), dentre outros povos, entraram no Brasil em fluxos distintos durante o final do império, e o chamado fim da primeira república. Os europeus tiveram incentivos por parte do governo brasileiro e dos seus próprios países, para virem habitar no Brasil. Vieram em maior número, e foram conduzidos para fazendas no Sul e Sudeste.

Sírio-libaneses e judeus, ao contrário dos europeus, não tiveram sua vinda ao Brasil patrocinada. O tempo em que esses povos ingressaram no país também era outro; foi a partir de 1925 em diante, que o Brasil passou a receber, em menor número do que os europeus, cidadãos de etnias que não são brancas, mas que no Brasil tornaram-se brancas.

Sob o auspício da democracia racial, o Brasil recebeu povos de diversas nações, e os acomodou por aqui, oferendo um país de paz, em que se pode trabalhar de forma livre e perene, sem ameaças de conflitos bélicos, dentre outras benesses. Tal tratamento não foi dispensado aos povos originários e nem tão pouco aos negros vindos de África!

Este ensaio (ou artigo), ou talvez essa reflexão, vai ao encontro da necessidade de se debater os privilégios que a chamada branquitude, ou Pacto narcísico da Branquitude, para utilizar a frase de Maria Aparecida Bento (Cida Bento), tem no Brasil. A intenção é provocar o debate, diante de uma situação flagrante e perene em nossa sociedade. Povos e etnias que não são brancos em sua essência ganham não a brancura na pele ao chegarem ao Brasil, mas os privilégios que o povo branco tem neste país. 

Diante disso é preciso deixar claro que não é culpa dos que gozam dos privilégios branco, as injustiças promovidas pela branquitude. Entretanto, é preciso entender tais privilégios, e combatê-los para o bem social. A questão mal resolvida do Brasil com o seu passado precisa vir à tona também, e entrar no mesmo debate; não se apaga um passado marcado por violência e desumanidade, promovendo uma política de miscigenação para mudar o tom da pele da população.

Povos com histórico de sofrimentos e muita violência, como é o caso de negros e judeus, têm muito a acrescentar na promoção de um país melhor, justo e benfazejo, onde possa reinar a paz e a equidade. Negritude e judeidade têm mais proximidade do que antagonismo. Histórias que se interseccionam, e que tiveram na encruzilhada do Atlântico, o caminho que mudaria os seus destinos. Negros, judeus, indígenas, periféricos, gente pobre, e tantos outros, podem (e devem) caminhar juntos contra as teorias autoritárias e sectárias, contribuindo em conjunto no debate da inclusão e do respeito às diferenças. 

*Bibliotecário (UNIRIO); Mestre em Biblioteconomia (UNIRIO); Estuda Ciências Sociais (UFRJ); Pesquisador do NIEJ; Pesquisa sobre: informação e sociedade, interseccionalidade, relações socias, raça, gênero e crença.

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