Uma nova guerra com o Líbano à vista? 

Daniela Kresch

TEL AVIV – O caos político e jurídico causado pela reforma judicial que o governo Benjamin Netanyahu tenta aprovar a todo custo, à revelia de todos os alertas e avisos da liderança política, empresarial, militar e da sociedade civil do país, pode levar Israel a uma nova guerra com o Líbano, 17 anos depois do conflito de 2006.

A tensão só aumenta ao longo da fronteira Norte de Israel, nos últimos meses. E o motivo é claro: a sensação do líder da guerrilha libanesa Hezbollah, Hassan Nasrallah, de que a ameaça à democracia em Israel e as manifestações populares antigoverno enfraqueceram tanto Israel que agora é uma boa hora para comprar briga com o país que considera seu inimigo.

Nos últimos meses, uma série de eventos têm acontecido na fronteira, com o Hezbollah claramente tentando provocar Israel. Militantes da guerrilha e civis libaneses têm se aproximado ou até cruzado a fronteira com Israel. Em 12 de julho, três membros do Hezbollah ficaram feridos quando Israel lançou gás lacrimogêneo para afastá-los da fronteira.

Houve casos de foguetes sendo disparados contra Israel. Num dos incidentes mais estranhos e graves, em março, um enviado do Hezbollah conseguiu se infiltrar em Israel e acionar uma bomba perto do cruzamento de Megiddo, a 60km da fronteira. A bomba feriu um árabe-israelense e o atacante foi morto.

Recentemente, membros do Hezbollah ergueram duas tendas perto das fazendas de Shebaa, outro ponto nevrálgico na fronteira. A ONU conseguiu convencê-los a desmontar uma delas. Mas a outra continua lá. 

Nasrallah é um “conhecedor” da política interna de Israel. Ele analisa os israelenses há anos. Ele sabe que a reforma judicial está causando um bololô político em Israel e pior: está levando milhares de reservistas voluntários – principalmente pilotos da Força Aérea – a avisar que não irão mais comparecer a exercícios militares ou realizar funções como voluntários. 

A quantidade de reservistas que se negam a servir no exército – por medo de que o país se torne uma democracia iliberal como Hungria, Polônia e Turquia – é enorme. É uma revolta generalizada de reservistas, que está começando a influenciar também soldados da ativa. Sem dúvida, as Forças de Defesa de Israel estão sentindo o impacto desse movimento.

Hassan Nasrallah, que está sempre à espreita para aproveitar qualquer fraqueza de Israel, certamente está se regozijando com a divisão interna em Israel. E está usando esse momento de fraqueza para recalibrar a imagem do Hezbollah. 

Depois de sofrer um duro baque em 2006, durante a Segunda Guerra do Líbano, Nasrallah recuou e passou anos escondido em um bunker subterrâneo, lambendo as feridas. Mas a ajuda financeira e bélica do Irã fez o Hezbollah ressuscitar. Em 2011, com o começo da Guerra Civil na Síria, Nasrallah aceitou enviar, a pedido do Irã, milhares de seus ativistas para a Síria com o objetivo de ajudar o governo Bashar Assad a lutar contra o Estado Islâmico e sobreviver. 

Agora que Assad está novamente fortalecido, o Estado Islâmico foi vencido e o Irã consolidou sua presença na Síria, o Hezbollah se encontra novamente “livre” para voltar os seus olhos contra Israel, sua reison d’etre. Afinal, o Hezbollah foi criado em 1982 para lutar contra a ocupação do Sul libanês por Israel durante a Guerra do Líbano. Quando a ocupação acabou totalmente, no ano 2000, o Hezbollah perdeu sua razão de ser e, desde então, busca motivos para continuar vivo e relevante. Nasrallah precisa urgentemente justificar a sua existência.

Para isso, ele busca, sempre que pode, desculpas para atacar Israel, como os 13 pontos na fronteira entre os dois países que considera ainda ocupados pelos israelenses. Um deles é a cidade alauíta de Ghajjar (pronuncia-se Hajar). A história desse vilarejo minúsculo é complicada, mas o que importa é que, hoje em dia, Ghajjar é cortada pela fronteira reconhecida pela ONU entre Israel e Líbano. A parte Norte da cidade fica no Líbano e a parte Sul, em Israel. 

Por anos, os moradores de Ghajjar vivem uma situação complicadíssima e quase impossível. Há cerca de um ano, no entanto, seus próprios moradores decidiram construir uma cerca separando a parte Norte da cidade do resto do Líbano, manifestando a vontade de fazer parte exclusiva de Israel. Desde então, a cidade vive um boom de turismo e de desenvolvimento.

Obviamente, Nasrallah não aceitou isso. Mas não reagiu imediatamente. Esperou o momento certo para reagir e, ao que tudo indica, decidiu que o momento chegou. 

A cúpula militar de Israel diz ao público que, segundo suas estimativas, Nasrallah não quer começar uma guerra de verdade, quer só provocar. Mas o Hezbollah está ousando e cutucando a onça com vara curta porque acha que Israel está mais fraco e quer provar ao povo libanês que ele é o “protetor” do Sul do Líbano. Essa situação pode degringolar para um confronto maior. E isso todos sabem.

Foto: Wikimedia Commons/Guillaume Piolle

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