Tishá BeAv e a reforma jurídica: para onde a sociedade israelense está indo?

Revital Poleg

No dia seguinte à aprovação do projeto de lei que aboliu a cláusula de razoabilidade, Israel acordou diante de uma nova realidade. O ânimo nacional oscilava entre dois extremos: euforia entre os partidários da reforma jurídica e tristeza e dor profunda entre seus oponentes. Para os últimos, esse foi um dia triste para a democracia israelense, como anunciavam as capas dos principais jornais daquele dia, pintadas todas de preto.

Dois dias depois que essa lei foi aprovada, com uma maioria de 64 apoiadores contra zero oponentes, ela foi publicada no diário oficial e entrou em vigor. Seis petições para revogar a lei já foram apresentadas à Suprema Corte, mas a deliberação será realizada em setembro, quando a Corte voltar do recesso de verão.

Então, para onde caminha a sociedade israelense daqui para frente?

Com toda intenção e olhos bem abertos, e sob a liderança e responsabilidade do primeiro-ministro Netanyahu, a coalizão marcou esta semana o primeiro passo rumo à reforma jurídica que mina os fundamentos democráticos do Estado de Israel e o sistema de equilíbrio existente e institucionalizado entre os três poderes, enquanto leva o país a um futuro incerto e perigoso.

Enquanto o Ministro da Justiça, Yariv Levin, o idealizador da reforma, disse no plenário que a aprovação do projeto é “o primeiro passo na trajetória histórica importante de reforma do sistema judicial”, Lapid, líder da oposição, disse que “isso parece ser o dia da destruição do Templo. Dia de ódio gratuito”. Às vésperas do jejum de Tishá B’Av, que é nesta semana (quinta-feira, 27 de julho), o dia mais triste no calendário judaico, quando relembramos a destruição do templo por ódio gratuito, essa declaração assume um significado mais profundo e tangível, trazendo consigo uma dolorosa carga histórica. A sociedade israelense de hoje está sangrando, e será muito difícil curá-la, o que terá um impacto em todos elementos do mosaico de nossas vidas.

A ruptura e a divisão vivenciadas pela sociedade israelense desde que esse governo de extrema direita assumiu o poder, que atingiu seu ápice esta semana, são mais profundas do que nunca. Quando o próprio governo fala contra a metade da sociedade que se opõe às suas ações, age contra ela com arrogância e, na prática, vira a outra parte da sociedade contra ela, o governo praticamente encoraja o ódio gratuito e agrava a divisão social. O abismo gerado manifesta percepções diferentes sobre a essência do Estado de Israel e sobre os componentes de sua identidade: O Estado é “judeu e democrático”, conforme fundado e definido na Declaração de Independência?  É “democrático, mas não liberal”? É “teocrático”? A pergunta ainda fica aberta.

Durante anos, a sociedade e a política israelenses conseguiram lidar, às vezes mais e às vezes menos, entre as interpretações polarizadas desse superconceito complexo – de “judeu e democrático” – e, não obstante, levaram Israel a conquistas extraordinárias, dentro de uma realidade desafiadora de divisões sociais e contrastes políticos acentuados. Ademais, apesar das diferentes percepções, a sociedade israelense conseguiu criar coesão social e um senso de destino comum que lhe possibilitou ser resiliente diante dos inúmeros e complexos desafios de segurança que conhecemos. Isso ficou particularmente evidente entre os soldados e oficiais do exército – o ponto de encontro de todas as partes da sociedade. 

A coesão sempre fez parte do “orgulho israelense”, que marcou nossa singularidade como sociedade, e era considerada como multiplicador de força de nossa resiliência nacional. 

Podemos dizer com grande probabilidade e também tristeza que hoje, depois de sete meses de um processo tão dramático de mudança de regime (do qual a aprovação do projeto de lei que abole a cláusula de razoabilidade, é apenas o começo), esse racha – não só prejudica nossa resiliência social, mas também põe em risco a segurança nacional, como se manifesta de forma bastante concreta no exército. 

Não é em vão que o Comitê de Relações Exteriores e Defesa fará uma discussão na próxima semana, com foco na prontidão do exército para executar suas missões. O contexto da discussão é o anúncio de centenas de reservistas, a maioria deles pilotos da Força Aérea, de que não continuarão a se voluntariar, e as intenções de mais milhares de reservistas de várias unidades de agir do mesmo modo, alegando que a reforma constitui uma violação do contrato moral do Estado com eles, que os convocou para o serviço enquanto era democracia, mas que, entretanto, mudou sua natureza. 

Diante da nova realidade criada, será possível questionar a legitimidade das decisões que o Estado tomará e que eles serão chamados a cumprir. Ademais, em vista do enfraquecimento da Corte, eles poderão ficar expostos a ações judiciais na Corte Internacional de Justiça. Trata-se de um caso sem precedentes na história do Estado de Israel.

A lei aprovada é apenas a primeira de uma longa série de outras leis em pauta, que podem minar a natureza democrática do país e que podem mudar sua face de forma irreconhecível. Tais projetos de lei não se referem apenas a mudanças no sistema jurídico, mas afetam quase todas áreas de nossa vida. Embora essa afirmação possa parecer dramática, ela poderá se tornar realidade caso o processo prossiga conforme o desejo da coalizão. A história dos últimos anos mostra que essa mudança é viável, infelizmente. Já aconteceu na Hungria, na Polônia e na Turquia. A democracia não tem nenhuma imunidade se ela não é mantida e fortalecida de forma constante, e o mesmo se aplica à resiliência social. 

Nessa complexa realidade, também há aqueles que transmitem mensagens de reconciliação. Tal é a declaração comovente do Presidente Herzog da última quarta-feira. É muito positivo e extremamente importante, no entanto, enquanto o governo pretender continuar com a reforma, como Netanyahu declarou muito claramente, a reconciliação ainda está longe de se concretizar, infelizmente.

E o protesto? Para onde está indo? Apesar dos acontecimentos desta semana, e, de fato, devido a eles, o protesto prossegue com sua missão e não abre mão dela. Muito pelo contrário. A luta por Israel judaico e democrático ainda está longe de terminar. Os líderes do protesto já estão ativamente engajados na formulação dos próximos passos. Com as energias que pulsam nos corações de tantas pessoas para proteger a casa, há uma chance boa de sermos bem-sucedidos. Isso não será simples, mas não temos outra opção.

Foto: Shlomi Kakon/WikimediaCommons

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