30 anos dos Acordos de Oslo: entre o passado e o presente à luz dos protocolos revelados 

Revital Poleg

Os próximos dias marcarão 30 anos da assinatura dos Acordos de Oslo nos gramados da Casa Branca em Washington, em 13 de setembro de 1993. Conforme a lei de Israel, o período de sigilo das discussões de governo realizadas por volta dessa data já venceu, o que viabilizou a revelação das 81 páginas confidenciais dos protocolos, da discussão realizada no governo liderado por Itzhak Rabin, às vésperas da assinatura do acordo.

Já no início da reunião do gabinete presidida por Rabin em 30 de agosto daquele ano, o primeiro-ministro ressaltou que não se tratava de um acordo simples. “Todo acordo de autonomia é complicado devido às circunstâncias”, afirmou ele, “não em sua redação, mas na forma como é traduzido na prática, em uma realidade complexa… Há também formulações desagradáveis no acordo, digo isso com cuidado, mas precisamos considerar todos os diferentes elementos em uma visão muito mais abrangente”. Ficou evidente que Rabin não confiava plenamente no “outro lado” e, mesmo assim, decidiu avançar.

“Quais eram as nossas alternativas, afinal? Preferir os sírios? Isso ainda não está definido neste momento, mas talvez seja o caso no futuro”, disse, referindo-se aos contatos iniciais realizados na época entre um time israelense e um sírio, patrocinados pelos americanos, que não se consolidaram. “E há a questão palestina, que é claramente um acordo interino neste momento.”

Referindo-se à questão dos assentamentos, Rabin mencionou que: “Toda a ideia da autonomia (dos palestinos), o acordo interino, é um conceito complexo. Surgiu na época em que quase não havia assentamentos judaicos nos territórios quando, naquela época, tudo era muito mais simples (a ideia surgiu pela primeira vez durante as negociações sobre o acordo de paz com o Egito, assinado em março de 1979). A colonização judaica, especialmente nas áreas densamente populosas, complicou a vida – esse foi seu objetivo político”, disse Rabin. “Eram assentamentos políticos e sem nenhuma contribuição à segurança. Eles (os colonos) vêm aqui para demonstrar, porém é o exército e os reservistas que protegem seus assentamentos, e não eles”.

Do ponto de vista histórico, esta é uma declaração muito importante, que deixa claro que, já durante as discussões sobre os Acordos de Oslo, ficou evidente para Rabin e Peres, de que os assentamentos não só prejudicam os palestinos, mas, acima de tudo, prejudicam Israel. Um dos objetivos dos acordos de Oslo, do ponto de vista de Israel, era resolver essa complicação e acabar com os assentamentos, a fim de possibilitar a separação entre os dois povos.

O ministro do Interior na época, Aryeh Deri, líder do partido ultraortodoxo Shas, disse: “Vim aqui porque todo mundo sabe… O quanto a paz é importante para o rabino Ovadia Yosef… mas acho que entre o público que representamos, que é bastante direitista, que a Terra de Israel, Nablus, Hebron e outros lugares semelhantes são emocionalmente importantes para eles… Será muito difícil para esse público aceitar os Acordos”. O falecido rabino Ovadia Yosef era o líder espiritual desse partido. Ele acreditava na fórmula: “Terra em troca de paz verdadeira, para garantir a salvação da vida” e, portanto, ele apoiou incondicionalmente os Acordos de Oslo. Porém, Deri acabou se abstendo do voto. Na realidade atual, a abstenção de Deri parece uma grande conquista, considerando o fato de que, desde o falecimento do rabino Yosef, o partido Shas se virou cada vez mais à direita. 

Com relação à oposição política e civil ao acordo, o Ministro da Saúde, Haim Ramon levantou a questão do protesto contra o acordo dizendo:  “Definitivamente, acho que o protesto deve ser feito e devemos ter o cuidado de permiti-lo. Não apenas que os oponentes do acordo têm o direito de se manifestar e tomar todas as medidas legítimas, mas que o governo garantirá seu direito de fazer isso”. No governo atual de Netanyahu, por outro lado, não só o protesto contra a reforma nem sequer foi considerado no início, por opção, mas o próprio governo está incitando constantemente ataques contra os manifestantes e limitando progressivamente seus passos.

O chefe do Estado-Maior na época, Ehud Barak, fez muitas referências durante a discussão sobre os aspectos de segurança, alguns dos quais ainda não foram revelados, mas apenas em 30 anos. Ele ressaltou que poderia ter elementos extremistas na sociedade palestina que teriam grande interesse em tentar impedir esse acordo. A isso, Rabin respondeu: “Mesmo na sociedade israelense (pode haver tais extremistas)”. Uma afirmação que, em retrospecto, parece quase profética…

Durante a discussão, o primeiro-ministro e os ministros não se iludiram com a possibilidade de o terrorismo palestino acabar. Shimon Peres esclareceu que os palestinos aceitavam o princípio de que devem anunciar o fim do terrorismo no momento da assinatura, e quando Deri perguntou: “E se eles não declararem?”, Peres respondeu: “Então não vamos assinar”.

A cautela e a consciência demonstradas por Rabin e Peres são, a meu ver, uma expressão de liderança. Apesar das preocupações, eles tiveram coragem e assumiram riscos. Para uma mudança cuja finalidade é possibilitar um futuro melhor, é necessário sair do já existente e familiar. Ademais, mesmo com todas as reservas quanto a Arafat, que foram muitas, eles reconheceram que nós não escolhemos o nosso inimigo, e é com ele que devemos negociar para resolver o conflito. Rabin e Peres o fizeram com os olhos abertos, pensando no futuro, e entendendo que qualquer outra alternativa prejudicaria Israel ainda mais e colocaria em risco a chance de permanecer um Estado judeu e democrático, com fronteiras acordadas e seguras, e sem controle de outro povo.  

Rabin e Peres sabiam que, no que depender deles, fariam o possível para garantir que o acordo fosse cumprido com todos os seus componentes e que o outro lado fizesse o mesmo. 

Nesses dois pontos, eles estavam errados: a sangrenta onda de terror palestina que Arafat não evitou a violência, apesar de seu compromisso, intensificou os protestos contra o acordo dentro de Israel e, eventualmente, levou ao terrível assassinato do primeiro-ministro Rabin, por um assassino judeu.

O assassinato de Rabin foi o catalisador para o crescimento e a radicalização da direita em Israel,  para a vasta expansão dos assentamentos, e para a política de Netanyahu, iniciada em 2009, de “administrar o conflito israelense-palestino” em vez de “resolver o conflito”, aprofundando a crise de desconfiança entre Israel e a Autoridade Palestina. Do lado palestino, o terrorismo continua criando muros de alienação entre as duas sociedades. Com o passar do tempo, as chances de resolver o conflito se tornam mais desafiadoras. A visão de Oslo, infelizmente, permaneceu manca e ferida e não conseguiu se recuperar desde então.

Quem alegou que o governo ignorou os riscos do acordo, pode se impressionar ao ler os protocolos, pois o contrário é verdadeiro. Rabin e Peres não se abstiveram de apontar as dificuldades no processo e de compartilhar com os membros do governo os possíveis pontos fracos, e os demais participantes não hesitaram nem um pouco em expressar sua opinião, mesmo que fosse contrária a dos dois líderes. Na atual realidade, um debate parecido no governo de Netanyahu não pode ser realizado, nem com seriedade nem com substância, e um processo político semelhante ao de Oslo ou alguma alternativa que apoie a tese de separação do território e fortalecer a democracia parece, no presente momento, um sonho irrealista, o que deve preocupar-nos mais do que tudo.

É interessante observar que, desde que os Acordos de Oslo foram assinados e parcialmente implementados, nenhum primeiro-ministro, incluindo Netanyahu, que está no poder há mais de 15 anos, procurou anulá-los. Então, será que eles de fato têm valor para Israel, apesar da grande oposição ao longo dos 30 anos? Sim, eu acredito nisso.

Para os que afirmam que “os acordos de Oslo fracassaram”, pergunto: qual é a alternativa? Alguma solução melhor foi apresentada em Israel nos últimos 30 anos? A alternativa a Oslo, sobre a qual ouvimos falar cada vez mais no período atual, é a de um estado de apartheid binacional, no espírito da visão messiânica e extrema de Ben Gvir e Smotritz, que exigem pela anexação total dos territórios, ignorando e alienando completamente do povo palestino. 

É assim que manteremos o Israel judaico e democrático? A resposta é clara: Não!

Foto: IDF/Flickr

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