Israel, a extrema-direita e as similares feridas pelo mundo

Evento promovido pelo Instituto Brasil-Israel em parceria com a Fundação FHC revela que momento social e político delicado pelo qual passa o país espelha complexidades igualmente enfrentadas no contexto global

O Instituto Brasil-Israel (IBI) e a Fundação FHC realizaram, nesta quinta, 21, o webinar “Israel: ruptura e resistência democrática”. O evento, gratuito e aberto ao público, teve como propósito debater os desafios enfrentados pela democracia israelense em seu atual momento político, as possibilidades de reação da sociedade civil e os possíveis reflexos desse processo no contexto global.

O evento contou com participações de Benjamin Teitelbaum, etnógrafo e comentador político, professor associado de Etnomusicologia e Assuntos Internacionais na University of Colorado Boulder (EUA) e autor do livro “Guerra pela eternidade”; Bernardo Sorj, sociólogo, diretor do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais e da Plataforma Democrática. Ph.D. em Sociologia pela Universidade de Manchester (Reino Unido) e autor de diversos livros; Daniela Kresch, correspondente internacional no Oriente Médio desde 2003, mestre em Políticas e Práticas Internacionais pela George Washington University (USA), colaboradora do IBI e da Rádio França Internacional em português (RFI-Brasil); e Sergio Fausto, cientista político e diretor geral da Fundação FHC.

Em sua apresentação, Fausto destacou que o que está acontecendo em Israel não é uma singularidade. “Muito desse cenário israelense é possível transpor, por exemplo, para os Estados Unidos, e tem uma tradução quase direta. A relação entre Estado e religião está longe de ter sido bem resolvida no país norte-americano. Então, quando falamos de Israel, falamos do mundo”.

A mesma relação Estado e religião foi ressaltada na fala de Bernardo Sorj. “Israel vive dois desafios, que estão relacionados. O primeiro é a relação entre o Estado democrático e religião. O segundo, entre democracia e ocupação dos territórios palestinos. Se a gente não relaciona essas questões, dificilmente entenderemos o que está acontecendo no país”.

Ao aprofundar o tema, Sorj destacou o sionismo, surgido no final do século 19, impulsionado por judeus seculares e pelo nacionalismo. “Foi um movimento ao qual as correntes religiosas quase sempre se opuseram. Então, a questão que se colocou pelo movimento sionista foi: o que tem a ver com a religião? Por um lado, um movimento nacionalista secular, e, por outros, um movimento ligado ao judaísmo e que em grande parte da história esteve ligado à religião. A própria declaração da independência de Israel expressa essa ambiguidade.”

Para o sociólogo, até recentemente, a convivência entre judeus ortodoxos e seculares mantinha “um equilíbrio precário, segurado pela Suprema Corte. Contudo, o ataque ao sistema judiciário soou o alarme dos judeus seculares. Se tratam, quase sempre, de judeus de classe média, com alto nível de estudo, ressentidos com os ortodoxos e preocupados com o peso demográfico desse grupo”.

O ataque ao sistema citado por Sorj refere-se à tentativa do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e de sua aliança de extrema-direita de avançar uma reforma judicial, “crítica e preocupante ameaça à democracia e aos pilares fundacionais que sustentam a nação desde a sua criação há 75 anos”, como mencionou Ruth Goldberg, presidente do IBI. Ao acompanhar sua fala, Daniela Kresch também destacou a perigosa situação pela qual atravessa o país: “há um ano, ninguém iria imaginar que agora, em pleno 2023, estaríamos discutindo o futuro democrático do Estado de Israel, que foi criado para ser um país judaico e democrático”.

Avanço da extrema-direita

Durante as apresentações e debates do webinar, outro ponto de destaque foi a contextualização global da extrema-direita, hoje liderada em Israel pelo governo de Netanyahu.

“Podemos pensar essa extrema-direita global, que se espalhou depois da Segunda Guerra Mundial, com base na ideologia das pessoas envolvidas: revolucionários, populistas e anti-modernistas. Os populistas geralmente trabalham pela lógica da democracia. Muitas vezes, fazem apelos à sociedade com ideias populares, que conseguem atrair as pessoas. É isso que eles dizem sobre a democracia. Contudo, observamos que a maior parte dos populistas não têm agenda, são mais moderados, ou seja, abraçam pedaços do pensamento democrático, liberal-democrático”, descreve Benjamin Teitelbaum. 

“Há, ainda, pessoas que usam a posição dentro da democracia para acabar com ela, vide o público de brasileiros, que viveram essa experiência. Mas, é possível ver isso em outros lugares, com pessoas que entram pelo voto no poder, se mostram democráticos, quando, na verdade, não são. E especificamente em Israel, a extrema-direita olha para o país como o etno-estado que eles querem ter, modelo este que atende muito bem à extrema-direita europeia, onde veem ali uma relevância muito profunda”.

Enquanto Netanyahu segue com sua tentativa de reforma judicial em curso no país, os palestrantes do webinar promovido pelo IBI e pela Fundação FHC fazem coro ao destacar a enorme mobilização de toda a sociedade israelense.

“Nesse quase um ano, tivemos manifestações massivas. Trata-se de um movimento à margem dos partidos políticos, realizados por pessoas da sociedade civil, que retomaram a bandeira de Israel antes apropriada por grupos de extrema-direita. Soma-se um fato inédito, onde centenas de reservistas do exército afirmam recusar participarem do serviço se a reforma passar, além de antigos chefes de serviços de inteligência se juntarem ativamente às manifestações”, ressaltou Sorj. “Essa é uma enorme demonstração da sociedade, ainda que seja difícil saber o que vai acontecer, uma vez que os problemas estruturais de Israel não serão resolvidos, mesmo que a Suprema Corte decida contra essa legislação, nos próximos anos. É um país muito tensionado. Só um país tão coeso pode viver uma tensão assim, porque todo o contexto de ameaças exteriores forma essa coesão. E essa divisão fica muito sentida, há um sentimento de comunidade e isso aumenta ainda mais o sentimento de crise.” 

“Israel está em uma encruzilhada, pode ir para um caminho de Hungria e Polônia, democracias iliberais, ou seguir como um país judaico e democrático”, disse Daniela.

“Na condição de judeus da diáspora, o impacto desses acontecimentos também gera impacto sobre nós. Em nome do IBI, eu expresso a nossa indignação e descontentamento com o que acontecendo por lá. E me solidarizo com a sociedade civil israelense, que há 9 meses vem dando demonstrações da sua força e resiliência”, concluiu Ruth.  

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