50 anos após a Guerra do Yom Kippur – o que aprendemos?

Revital Poleg

Às 14h do dia 6 de outubro de 1973, sirenes de alarme interromperam o silêncio do dia mais sagrado para o povo judeu, dando o sinal para o início da Guerra do Yom Kippur. Embora a guerra tenha acabado com uma vitória significativa, aproximadamente 2.656 soldados foram mortos, centenas foram capturados no Egito e na Síria e mais de 7.200 soldados e civis ficaram feridos. Aqueles dias de guerra e seus resultados foram insuportavelmente difíceis para um país que, apenas alguns meses antes, comemorava seu 25º Dia da Independência.

Não existe nenhuma pessoa que vivia em Israel em 1973 que não se lembre onde estava naquele momento, no dia 6 de outubro, quando as sirenes de alarme soaram no ar e chocaram o país inteiro. Nunca nos sentimos liberados daquela guerra que tocou os medos mais profundos da existência judaica.

A guerra conseguiu surpreender o Estado de Israel de forma quase completa. A falha da inteligência em alertar a intenção do Egito e da Síria de iniciar uma guerra é vista como o maior fracasso na história da comunidade de inteligência em Israel, que desde então influenciou e moldou todas as análises de inteligência para impedir uma surpresa estratégica no futuro. Indicações significativas de alerta mostraram que as forças do Egito e da Síria se preparavam para um ataque coordenado contra Israel, mas a avaliação da inteligência realizada durante o período que precedeu a guerra descartou completamente a possibilidade de que os árabes iniciaram uma guerra por sua própria iniciativa. A inteligência israelense permaneceu presa a esse conceito, e errou muito.

50 anos se passaram desde então. Mas todos os anos, no Yom Kippur, muitos israelenses voltam às lembranças dos dias difíceis da Guerra e da grande perda de tantas pessoas. O que aprendemos com aquela guerra e como e de que forma ela continua relevante hoje?

Para entender esse ponto, vamos voltar um pouco atrás. No período que antecedeu a Guerra dos Seis Dias (1967), Israel vivenciou uma tremenda ansiedade existencial do ponto de vista da segurança, combinada com a preocupação econômica e uma profunda recessão que começou dois anos antes. E aí veio a grande vitória. Israel terminou a guerra como um dos maiores sucessos militares, mesmo em termos internacionais. Foi uma vitória que removeu completamente, de imediato, a ameaça existencial que sentimos um momento antes, nos posicionou como uma potência regional e nos abriu as portas para uma onda significativa de crescimento econômico e social.

A euforia que a sociedade israelense sentiu repentinamente após a Guerra dos Seis Dias e até a véspera da Guerra do Yom Kippur era completamente o oposto do que sentimos antes da Guerra dos Seis Dias, e essa lacuna nos prejudicou.

Na véspera da Guerra do Yom Kippur, Israel ficou complacente, com a sensação de sucesso em termos de segurança, com a liderança cativa na concepção de sua capacidade e força militar, e deixou de lado as informações de inteligência que alertavam sobre a perspectiva de guerra  por parte de nossos inimigos. Não havia problema de informação, nem de pessoas inteligentes que pudessem compreender as informações; o problema residia no aspecto do processamento das informações e na disposição dos tomadores de decisão de aceitar o que até então não fazia parte da concepção aceita. Por quê? Simplesmente porque não acreditávamos que nossos inimigos fossem capazes de fazer isso. E então o golpe veio. E foi muito doloroso.

O trauma após a Guerra do Yom Kippur não foi apenas no aspecto da segurança. Tocou todos aspectos de nossas vidas, sociais, econômicos, políticos e mais. Uma comissão de inquérito estadual foi estabelecida para investigar o fracasso que precedeu a guerra e as deficiências no funcionamento do exército e do escalão político encarregado. Grandes protestos eclodiram contra o governo por causa do grave erro da inteligência e o alto custo de vidas humanas. A primeira-ministra, Golda Meir, renunciou e o Chefe do Estado-Maior foi demitido. Em 1977, aconteceu a primeira reviravolta política quando o Likud, liderado por Menachem Begin, chegou ao poder após 30 anos de domínio da esquerda.

Em muitos aspectos, o país perdeu o norte também na condução econômica. Os sinais claros disso foram: uma grande queda no crescimento, a inflação se intensificou e chegou a 500% em 1984, com a dívida nacional de 260% e gastos nacionais de defesa de cerca de 35% (para comparação, hoje essa taxa é pouco menos de 6%). Essa situação perdurou por uma década (conhecida como a “década perdida”), mas, a partir desse ponto baixo, houve uma grande mudança positiva.

A Guerra do Yom Kippur causou uma tremenda mudança na doutrina de combate e na construção de poder do exército, em seu processo de reflexão, no sincronismo entre os diversos recursos de poder e na utilização dos diferentes recursos humanos disponíveis. Uma das principais mudanças ocorridas foi no campo da inteligência, que era a raiz do grande fracasso da guerra. Nessa área, uma mudança fundamental foi feita, o que colocou a inteligência militar israelense em posição completamente distinta no nível global. O preço foi extremamente alto, os erros que o causaram são imperdoáveis e as feridas ficarão sempre abertas, mas podemos dizer que o mérito do sistema de inteligência foi não ficar parado e tirar as conclusões da maneira mais profunda, ampla e abrangente possível. Às vezes, para mudar os padrões de pensamento, os países e os líderes atingem o limite, onde a própria realidade exige que ajam de forma diferente do que fizeram até então.

Um dos aspectos que mudou após a guerra foi a questão das reservas. O reexame do conceito de reservas resultou na ampliação do tempo de reserva anual e no crescimento da diversidade de forças convocadas para as reservas, o que, por um lado, acrescentou ao exército áreas de conhecimento e experiência e, por outro, ampliou o escopo total das forças militares disponíveis ao Estado de forma contínua e, principalmente, em momentos de emergência. Tal elemento é também bastante relevante no contexto atual, o que explica o efeito considerável do protesto dos reservistas contra a revolução jurídica sobre a capacidade militar do país.

Do lado positivo, deve-se lembrar também que a Guerra do Yom Kippur não é apenas um exemplo do fracasso do conceito. É também um exemplo de incrível capacidade de recuperação, sem igual no mundo, que permitiu que Israel vencesse essa terrível guerra contra todas as probabilidades e com custo extremamente alto, contra um conceito caracterizado por uma fixação mental perigosa. A guerra “sacudiu” Israel e permitiu o ressurgimento do espírito de empreendedorismo, de iniciativa, da capacidade de improvisação e da criatividade que possuímos e que, desde então, não pararam mais, em quase todas as áreas de nossas vidas.

É importante lembrar que a resiliência de um país não é garantida de antemão e para sempre. Existe o risco de cair em um conceito errado, mesmo se nossos sistemas atuais pensam e agem de forma a impedir isso. A Guerra do Yom Kippur também nos ensinou a importância da liderança, da visão, de assumir responsabilidades, de tomar decisões com coragem e até mesmo com um certo elemento de risco (como o processo de Oslo, por exemplo), de liderar desafios de longo prazo e não pensar apenas no dia seguinte, como  é o caso com o atual governo.

E há também uma luz de advertência que deve ser levada em consideração:  Quando o líder tenta “preservar a situação”, e não resolvê-la, e é constantemente responsivo e defensivo, conforme é o caso da liderança atual, e tal como temos feito por anos na fronteira com Gaza, na Cisjordânia ou nas fronteiras com o Líbano, ele não produz de fato , ele de fato não produz nenhuma iniciativa, nem no aspecto de segurança nem no político. 

Apesar de todas as diferenças em relação ao período da guerra de desgaste que precedeu a guerra do Yom Kippur, há muitas similaridades entre a situação de então e a de hoje: naquela época, estávamos preocupados principalmente com a reação e a defesa, e com a preservação da situação, e isso também é o que está acontecendo hoje. 

Na véspera da Guerra do Yom Kippur, não analisamos a fundo a situação, nem tomamos medidas para transformar a realidade política regional, nem sequer prestamos atenção ao que não correspondia à nossa visão e, no final, acabamos surpreendidos e pagamos um preço extremamente alto. Essa conduta é a semente de um desastre. 

Essa lição é muito relevante hoje, referindo-se especificamente ao nosso primeiro-ministro, e esperamos que seja levada em consideração, apesar de todas as diferenças que ocorreram desde então em todos os aspectos. E quanto mais cedo, melhor.

Foto: IDF

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