A guerra e o antissemitismo de esquerda

Texto original de Matheus Alexandre, publicado no “Le Monde Diplomatique Brasil”.

No último dia 07 de outubro de 2023, o Hamas (Movimento de Resistência Islâmica) iniciou uma ofensiva inédita contra Israel. Pega de surpresa, a sociedade israelense assistiu seus inimigos, fortemente armados, atacarem por diversas frentes: ar, mar e terra. Até o momento em que esse texto é concluído, no terceiro dia do conflito, já se somavam mais de 900 israelenses mortos, 2600 feridos e 150 civis sequestrados e levados para territórios palestinos. A grande maioria das baixas israelenses são civis. Desses 900 mortos, 27 eram soldados e 23 eram policiais. Na Faixa de Gaza, a resposta israelense já provocou, segundo a Autoridade Nacional Palestina, 560 mortos e mais de 2000 feridos.

No Brasil, o conflito israelo-palestino sempre foi polarizado. A posição das esquerdas sobre o conflito, desde meados da década de 1960, foi o antissionismo, que, naturalmente, levou os socialistas a olharem com simpatia não apenas a causa palestina, como também outros regimes árabes antiamericanos. Nesse vácuo, a direita conservadora, especialmente em sua versão neopentecostal, passou a ser apoiadora de Israel, especialmente a partir da ascensão de Benjamin Netanyahu. Ainda que o Estado de Israel imaginado por essa direita evangélica seja uma reconstrução imaginária do antigo Reino de Judá e, portanto, incongruente com o que, de fato, é Israel hoje. 

A polarização desse debate, portanto, não é nova. O que é um elemento relativamente novo é como ele tem ocorrido nos últimos anos no mundo virtual, onde, como de costume, temáticas complexas são simplificadas e mimetizadas, não permitindo a existência de nuances e de posições razoáveis, que consigam levar em consideração as vidas humanas tanto em território israelense como palestino. 

Para um considerável público de esquerda, no entanto, a morte de civis israelenses está sendo tratada como “resistência”, como um suposto processo de “descolonização”, muitas vezes comparado às guerras de libertação nacional da Argélia, Moçambique e até do Vietnã. Não são poucos os militantes que, em suas redes sociais, publicam trechos aleatórios da magistral obra de Frantz Fanon, “Os Condenados da Terra” (1961). Nesse contexto, a morte de judeus israelenses, ainda que em território não-ocupados, seria justificável, pois este encarna a figura do colonizador. 

Solidariedade às famílias vitimadas? Não. Esse é o preço que se paga pela “revolução”. Esse tipo de argumentação, entretanto, envereda por caminhos perigosos. Afirmar que os 7,1 milhões de judeus israelenses são, necessariamente, “colonizadores” e que, portanto, a ação terrorista do Hamas é, na verdade, uma resistência anticolonial é um violento apagamento histórico antissemita. Esse pressuposto nega o direito de judeus se autodeterminarem. Além disso, nega a relação originária desse povo com o território do Levante, tratando judaísmo apenas como uma religião, não um povo que tem o direito de construir um lar nacional. Ignora, ainda, que 50% da população judaica é composta por judeus Mizrahim, uma subetnia que é oriunda do próprio Oriente Médio, durante a diáspora.

O ANTISSEMITISMO NA GUERRA 

O problema, no entanto, é que nós, no Brasil, temos algum letramento para captarmos isso diante das questões raciais do nosso país. De forma muito semelhante, conseguimos compreender a situação de opressão a que estão submetidos os palestinos. Porém, nós, especialmente no campo progressista brasileiro, não temos letramento suficiente para entender como isso se processa na questão judaica. 

Isso acontece porque o antissemitismo, diferente do racismo antinegro, por exemplo, cria uma coletividade abstrata e imaginária que, por sua vez, é superpoderosa, super-ricos, colonizadora, controladora dos meios comunicação e dos governos do Norte global e, por fim, mas principalmente, “sionista”. Então, no repertório de alguns grupos de esquerda isso pode soar emancipador a ponto de o maior massacre de judeus desde o Holocausto ser tratado, necessariamente, como a morte de superpoderosos, super-ricos, colonizadores e sionistas. Enfim, a morte dos “opressores”. 

O REGOZIJO É DE QUEM NÃO TEM NADA A PERDER 

Para nós que, no Brasil, estamos há mais de 10.000 km de distância do conflito é muito fácil justificar a morte de pessoas que somente gostariam de continuar seguindo suas vidas, nesses inclusos os palestinos que rejeitam o Hamas e seus métodos. Enquanto alguns fazem isso e se creem “anticoloniais”, mães palestinas e judias estão chorando pelos seus filhos.  

Hannah Arendt, pensadora judia alemã, talvez visse nessa situação um exemplo da sua construção conceitual de “banalidade do mal”. Muitos de esquerda possuem certa aversão à autora. Porém, o que a realidade em processo está mostrando é que a banalização do mal dá a alguns grupos, sob determinada posição, o poder de matar e, agindo como uma máquina que justifica esses feitos, não tem problemas de consciência com isso. É esse o mundo que almejamos construir? 

Foto: Flickr/Stephen Coles

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