A sociedade árabe-israelense em tempos de guerra: Uma parceria cautelosa do destino

Revital Poleg

Nesses dias difíceis, desde o início do ataque brutal do Hamas ao Estado de Israel, muitos dos cidadãos árabes de Israel se encontram em uma situação muito complexa e vivem um verdadeiro dilema. Embora haja vozes em Israel que manifestam desconfiança em relação a eles, há também membros desse setor que perderam a vida no ataque de 7 de outubro. 

Apesar do incitamento de elementos extremistas dentro do setor árabe que desejam provocar conflito desnecessário agora, a grande maioria dos árabes israelenses não apenas não se deixou arrastar pelas provocações (como aconteceu durante os eventos da Operação Guardião dos Muros em 2021), mas também expressou total solidariedade com a sociedade judaica, que sofreu a maior parte dos horrores do ataque (uma reação que não era típica até agora). 

Podemos dizer com sinceridade que o comportamento dos árabes israelenses revela uma profunda compreensão da realidade difícil e, talvez, até mesmo um tipo de amadurecimento ou nova desilusão demonstrada pelos líderes políticos árabes e até mesmo por um número considerável de líderes religiosos (nem todos).

“Meu coração está dilacerado ao ver as famílias que perderam o mais precioso de tudo…”, disse o parlamentar Ayman Odeh, líder do partido árabe “Lista Conjunta”, no palco da Knesset, no dia de abertura de sua sessão de inverno, em 16 de outubro. “Tenho amigos pessoais (judeus) que perderam seus familiares. Não há nada no mundo que justifique prejudicar o inocente, o cidadão.”

Uma pesquisa bastante ampla realizada entre o público árabe israelense, após o início da guerra, publicada esta semana, indica que 80% dos árabes israelenses expressaram sua oposição ao ataque brutal de surpresa realizado pelo Hamas. Entre os 20% restantes, 5% expressaram apoio ao ataque e o restante se recusou a responder. A pesquisa, conduzida por Nimrod Nir, do Instituto Agam e da Universidade Hebraica, revela também que 75% de todos os entrevistados declararam sua disposição de se voluntariar e prestar ajuda aos civis afetados pelo ataque.

Tais resultados não são uma coisa trivial, e mostram uma virada na atitude do público árabe, que nas rodadas anteriores do conflito manifestou apoio e solidariedade inequívocos ao lado palestino e agora se opõe à agressão do Hamas. Na prática, eles separam sua filiação palestina da do Hamas. 

O levantamento mostra que 66% dos árabes israelenses apoiam o direito do estado de se defender contra um ataque do Hamas, e 85% dos entrevistados se opõem ao sequestro de civis. Entre os árabes muçulmanos, mais de 50% concordam com as palavras do líder do partido arabe Ra’am, Mansur Abbas, que disse que a forma como o Hamas atacou Israel é contrária aos valores do Islã.

Em sessão realizada esta semana no Comitê de Segurança Nacional na Knesset, o Comissário de Polícia falou sobre a ordem mantida nas cidades e aldeias árabes, assim como nas cidades mistas, desde o início da guerra. “Devemos elogiar o comportamento exemplar e zero incidentes. Mantemos contato e conversamos com toda a liderança árabe local, e ninguém quer violar a ordem.” Essas declarações são ainda mais significativas em vista das palavras do Ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, que foram ditas alguns dias após o início da guerra, estimando que haveria desordem entre a população árabe, tal como aconteceu durante a Operação Guardião dos Muros em 2021. Bem, ele se enganou!

No entanto, é importante observar também que, ao mesmo tempo, desde o ataque do Hamas, vários incidentes perturbadores foram registrados, nos quais cidadãos árabes incitaram o terrorismo, incentivaram a ação do Hamas e postaram mensagens e vídeos de incitação que apoiam os crimes cruéis contra judeus, tentando assim arrastar a comunidade árabe a um conflito desnecessário e provocar polarização e incitação entre judeus e árabes. Cerca de 100 homens e mulheres, suspeitos de tais ações, foram detidos pela polícia para interrogatório.

Por outro lado, há também cidadãos árabes que temem uma possível reação dura por parte da sociedade judaica e manifestações de suspeição e temor que possam ser dirigidas contra eles. Os muros de alienação e desconfiança mútua, como sabemos, não podem ser dissolvidos instantaneamente. Alguns deles sentem ansiedade, se fecham em suas casas e evitam ir a seus locais de trabalho em cidades judaicas e outros locais, por medo de reações negativas às quais possam ser expostos.

E há também aqueles na sociedade árabe que não têm medo de contribuir com o esforço geral: quando a extensão do desastre no sul começou a ficar clara, o proprietário de uma loja de bicicletas da cidade árabe de Tayibe decidiu doar 50 bicicletas para as crianças evacuadas da área afetada. A reação nas ruas árabes extremas foi dura. Naquela noite, sua loja foi arrombada, saqueada e queimada. Um empreendedor judeu israelense que ficou sabendo da história iniciou imediatamente uma campanha de crowdfunding, que já gerou mais de meio milhão de shekels de doações para esse comerciante.

Na cidade beduína de Rahat, localizada no Negev, mulheres beduínas e judias se uniram para embalar pacotes de ajuda para famílias beduínas e judias que foram prejudicadas pelo Hamas. Ao fazer isso, elas expressam o que deveria ser tão óbvio, mas que tendemos a esquecer, infelizmente: apesar de todas as diferenças, todos nós compartilhamos o mesmo destino e, enquanto lutamos para erradicar o terrorismo, também estamos lutando pelo nosso futuro comum.

A realidade é, de fato, complexa, mas muitos de nós, preferimos enxergar o bem da realidade em vez do mal que já existe.

O ataque do Hamas foi dirigido contra o Estado de Israel e contra todos os residentes de Israel. Seu foco foi na área vizinha à Faixa de Gaza, mas o plano original, conforme já ficou claro, era penetrar muito mais fundo dentro de Israel e assassinar israelenses em todo o país. Os milhares de foguetes que o Hamas lançou (e ainda está lançando) para todas as partes de Israel não sabem distinguir quem é judeu ou não. Os assassinos que se infiltraram em Israel não se preocuparam em verificar quem eram os assassinados, não sabiam se eram judeus, cristãos ou muçulmanos. Eles vieram para assassinar civis a sangue frio e com uma crueldade inimaginável e, de fato, entre os assassinados havia também 13 beduínos e árabes, todos cidadãos de Israel.

O ataque do Hamas apresentou ao público árabe questões difíceis. “Não estamos lutando contra os palestinos”, esclarece o influenciador nas redes sociais, Tamer Masaudin, beduíno israelense, cujos vídeos Tik Tok tem mais de 1,2 milhão de visualizações no mundo árabe: “Estamos lutando contra o terrorismo.” Ele diz em uma entrevista ao Canal 11: “Minha mensagem é clara – Hamas é ISIS, ISIS é Hamas. Mataram não só judeus, mas também árabes muçulmanos e beduínos.”

O influenciador Yahya Al-Mahamid de Umm Al-Fahm, cujos posts e vídeos recebem mais de 2,5 milhões de visualizações no mundo árabe, também acredita no mesmo, assim como um número considerável de árabes israelenses que se opõem ao terrorismo do Hamas e o expressam em suas vozes. Eles não veem isso como contradição com sua identidade palestina, nem têm medo de expressar essa posição nas redes sociais do mundo árabe.

O que se depreende da conduta da maioria dos árabes israelenses na atualidade, que também se reflete claramente nos resultados da pesquisa acima mencionada, é que o aspecto civil que se refere à vida cotidiana do cidadão, que está focada na sua própria existência e bem-estar, é fundamental para a maioria deles, e permite que muitos árabes israelenses se solidarizem com o sofrimento da sociedade judaica e repudiem as ações do Hamas. 

Até 7 de outubro, a sociedade árabe evitou condenar o Hamas, por medo de que isso pudesse ser visto como prejudicial à sua identidade palestina. Agora, sob circunstâncias difíceis, e pela primeira vez, eles fizeram uma separação nítida entre o Hamas e sua identidade nacional palestina, e isso é sem dúvida muito significativo.

Com a exceção dos elementos extremistas, a maioria do setor árabe costumava convergir dentro dele e se abstinha de expressar suas posições, deixando o palco cívico para a liderança política, que se concentrava na maior parte do tempo na questão do conflito israelense-palestino e muito menos nas necessidades atuais e agudas da sociedade árabe que eles representam. Mesmo que, sem dúvida, houvesse muitos que tivessem reservas, mesmo antes dos eventos recentes, quanto às atividades terroristas do Hamas, eles mantiveram suas opiniões para si mesmos. Agora, essa barreira foi rompida.

É ainda cedo para tirar conclusões e pintar esse desenvolvimento de cor-de-rosa. Tanto os cidadãos judeus como os cidadãos árabes têm ainda um longo caminho a percorrer juntos até que possamos, assim espero, tratar esses brotos como uma mudança real da realidade. No entanto, no meio do grande caos que todos estamos vivendo, não apenas não podemos deixar de lado os novos fenômenos, mas também é importante abraçar os brotos dessa esperança e cultivá-los.

Foto: The Israel Project/Flickr

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