O dia após a guerra: o que acontecerá com a Autoridade Palestina?

Revital Poleg

Esta semana marca dois meses desde o ataque do Hamas a Israel e a subsequente guerra que eclodiu. Apesar da neblina da guerra e da incerteza em torno de seus resultados, a discussão sobre o “dia seguinte” torna-se cada vez mais vital e necessária. Na visão do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, expressada já nos primeiros estágios da guerra, ele enxerga a “Autoridade Palestina renovada” como a entidade que assumirá a responsabilidade pela gestão de Gaza após o conflito, juntamente com a Cisjordânia, como parte da necessária implementação da solução de dois estados para dois povos. Embora Biden não tenha esclarecido o uso do termo “renovada”, é razoável supor que esteja relacionado não apenas à sua conduta operacional, uma medida necessária em qualquer caso, mas também à questão da liderança palestina que guiará a Autoridade para a próxima etapa.

A questão do que acontecerá no dia seguinte a Mahmoud Abbas, atual mandatário da AP, não é nova e tem ocupado muitos governos e institutos de pesquisa muito antes do ataque do Hamas. No entanto, torna-se mais aguda à luz das circunstâncias atuais e da discussão sobre a solução futura para Gaza. A idade avançada do presidente palestino (88) é, por si só, um impulsionador quase natural para a relevância da pergunta. Ainda assim, é razoável presumir que passos práticos, não apenas discussões teóricas e jogos de simulação estratégica, estão iminentes.

Durante a maior parte dos anos do mandato de Abbas como presidente, desde 2005,  a Autoridade tornou-se um órgão debilitado e corroído pela corrupção. O regime de Abbas é considerado totalmente corrupto pela grande maioria dos próprios palestinos (conforme várias pesquisas palestinas), e não há dúvida de que ele falhou tanto em construir um órgão profissional e eficaz para um bom governo palestino quanto em estabelecer seu status como líder respeitado entre seu próprio povo.

Mas, precisamente agora, com o fim da guerra, a Autoridade Palestina tem um papel a desempenhar. Supondo que a guerra em Gaza termine com a destruição da infraestrutura do Hamas e que a liderança do movimento seja removida, “alguém” terá que assumir a responsabilidade ou concordar em aceitar a tarefa que será colocada sobre seus ombros. Enquanto a Autoridade Palestina parece ser a “escolha natural”, ainda será difícil para alguns dos países que se espera que se sentem à “mesa de desenho” e remodelar o Oriente Médio, ignorar a situação da Autoridade Palestina e seu líder, quando estão prestes a assumir um papel tão importante.

Para superar esse desafio, é provável que seja necessária uma mudança fundamental na estrutura de governo na Faixa de Gaza, bem como uma reorganização da Autoridade. Também será uma oportunidade para implementar os princípios nos quais foi fundada há 30 anos, no âmbito dos acordos de Oslo.

O processo de renovação levará inevitavelmente a questão da realização de eleições na Autoridade Palestina à pauta local, regional e internacional. Desde as eleições presidenciais realizadas em 2005, logo após a morte de Arafat, e as eleições para a autoridade legislativa em 2006, não houve eleições na Autoridade Palestina. Em janeiro de 2021, Abbas declarou que as eleições seriam realizadas, mas, em abril do mesmo ano, anunciou o adiamento para data indeterminada.

Abbas alegou, na época, que as eleições não podiam ser realizadas sem a participação dos árabes de Jerusalém Leste (devido à rejeição do governo de Netanyahu em aprová-la). O Hamas, na época, acusou Abbas de se render a Israel e argumentou que ele tinha medo de perder as eleições. Essa alegação não era infundada, tendo em vista a crescente popularidade do Hamas na Cisjordânia. Atualmente, essa situação é ainda mais evidente e gera um verdadeiro desafio em qualquer processo eleitoral que venha a ser realizado pela Autoridade.

Supondo que os EUA (e provavelmente também a Arábia Saudita, o Egito, a União Europeia e talvez outras entidades internacionais) exigirão que a Autoridade Palestina realize eleições, como parte do seu processo de “renovação”, é difícil prever, hoje, sob quais circunstâncias elas serão realizadas.

Será que isso acontecerá com o consentimento da liderança palestina atual (seja por escolha própria ou por pressão aplicada a ela) e com o entendimento de que esse é o único cenário que pode garantir a sobrevivência e a senioridade do movimento Fatah? Será que isso acontecerá por causa das circunstâncias decorrentes do fim do mandato de Mahmoud Abbas devido à sua idade e saúde debilitada? E o que se decidirá a respeito do direito do Hamas na Cisjordânia de participar nessas eleições? É de se estimar que, de qualquer forma, esse processo levará à agitação nos territórios, ao ponto do caos, violência popular, aumento no terrorismo contra Israel e também um crescimento no apoio ao Hamas na Cisjordânia, que já é bastante elevado e continua a ganhar força.

Mesmo com todas as reservas do atual governo, Israel possui um interesse nítido em preservar a Autoridade Palestina sob a liderança do Fatah, que em seu ponto de partida opera em virtude dos acordos de Oslo (apesar dos muitos abusos dos seus termos). Embora Israel seja limitado em sua capacidade de influenciar a política interna palestina, o país pode contribuir para que as chances do processo de mudança na Autoridade Palestina se concretizem. Um exemplo de atuação seria deixar claro que não vai interferir nos assuntos internos da Autoridade Palestina e que não impedirá um processo que se presume democrático. No entanto, é esperado que se oponha à participação dos árabes de Jerusalém Leste nessas eleições e que enfrente a exigência de alguns elementos da comunidade internacional para permitir isso (conforme foi aprovado pelo governo israelense em 1996 e também em 2006, de acordo com o esquema estabelecido nos Acordos de Oslo). Caso o processo eleitoral seja bem-sucedido, isso aumentará muito a chance de criar uma nova ordem regional, da qual Israel também se beneficiará.

Há muitos núcleos de poder na Cisjordânia que se consideram possíveis sucessores de Abbas e que provavelmente concorrerão entre si nas eleições – se e quando ocorrerem. Entre eles, o colaborador próximo de Abbas, Hussein al-Sheikh, que passou 11 anos na prisão israelense por envolvimento em terrorismo. Abbas até o apresentou ao presidente Biden durante sua visita de julho de 2022. O secretário-geral do Fatah, Jibril Rajoub, oponente de al-Sheikh, vê a si mesmo como um candidato para suceder Abbas; Marwan Barghouti, considerado a alternativa mais popular nas ruas palestinas, e uma oposição a Abbas, que se encontra na prisão israelense após ter sido condenado a 5 sentenças de prisão perpétua por atividades terroristas. Nasser Al Qudwa, sobrinho de Arafat, que tentou sua sorte contra Abbas nas eleições canceladas de 2021 e, portanto, foi expulso do Fatah, é esperado retornar e renovar sua candidatura. Mohammad Dahlan, que vive em Abu Dhabi, também poderá se considerar candidato, embora seja ele quem atualmente lidera a opinião de que a solução de dois Estados está morta e, portanto, os palestinos devem agora lutar por um Estado binacional. Os representantes das várias milícias que operam na Cisjordânia e, principalmente, o Hamas, também tentarão sua sorte nas eleições, algo que desafiará muito não apenas Israel, mas também os membros internacionais envolvidos no processo, e isso são apenas alguns dos nomes em pauta.

É importante notar que, no momento de escrever este artigo, não está claro qual será o cenário político em Israel no momento em que a questão da renovação e as eleições na Autoridade Palestina, como parte disso, se tornarem concretas. Será que o próprio Israel entrará em um processo eleitoral? E, se assim for, quem se espera seja o próximo líder? Será que o governo de Netanyahu completará seus dias (ou seja, três anos a mais) ou haverá outra opção. Cada situação dessas terá também seu impacto direto sobre o processo de renovação da Autoridade Palestina, sobre as eleições que mais provavelmente farão parte dele e, obviamente, sobre o quadro geral do “dia seguinte”.

Foto: Flickr/Martin Schulz/European Union 2016 

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