O dilema de Netanyahu: derrubar o Hamas primeiro ou trazer de volta os reféns?

Revital Poleg

No momento em que este artigo está escrito, a perspectiva de um novo acordo para a libertação dos sequestrados está em pauta. Os detalhes ainda não estão finalizados, mas vazamentos deliberados por parte do Hamas, cuja autenticidade não é clara, são transmitidos pela imprensa. Seu objetivo é duplo: por um lado, trata-se de uma guerra psicológica direcionada ao governo de Israel, que terá de tomar decisões a respeito do acordo e dos preços que serão incluídos nele; por outro lado, e acima de tudo, é direcionado à opinião pública israelense, que, em sua maioria, deseja a libertação imediata de todos os sequestrados a qualquer preço, com a esperança de que ela pressione o governo a aprová-lo.

A maioria do público israelense, que está muito angustiada com a situação dos sequestrados em Gaza por mais de 118 dias, considera a libertação dos sequestrados um objetivo primordial, acima de quaisquer outros alvos, por mais importantes que sejam (tais como a guerra mesma), e a qualquer preço. As decisões, que certamente são desafiadoras, estão, obviamente, nas mãos do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu.

Netanyahu, por sua vez, faz diversas afirmações a respeito da libertação dos sequestrados declarando que “estamos trabalhando para obter outro esboço sobre a libertação de nossos sequestrados, mas eu enfatizo: não a qualquer custo”. Ele afirma que possui linhas vermelhas, tais como não libertar terroristas com sangue nas mãos, sob nenhuma circunstância, e adiciona que “não pararemos a guerra até conseguirmos a vitória”.

Os dois objetivos declarados pelo governo de Israel ao entrar em guerra contra o Hamas como resposta ao ataque bárbaro e mortal contra Israel ocorrido em 7 de outubro de 2023 são: a derrubada do regime terrorista do Hamas e o retorno de todos os sequestrados. Os dois objetivos, por mais importantes que sejam (e são), não coincidem e, até mesmo, conflitam um com o outro. Este é precisamente o ponto onde se encontra o dilema que Netanyahu enfrenta.

A grande maioria do público de Israel está com raiva de Netanyahu. Isso se reflete de forma clara e significativa nas várias pesquisas que analisam o número de cadeiras que seu partido pode obter, sendo muito reduzido em comparação com a situação atual caso as eleições fossem realizadas hoje. O público está furioso com ele pelo fracasso que permitiu os eventos do Sábado Negro de 7 de outubro, fracasso que possibilitou que o Hamas atacasse Israel da forma mais horrorosa desde o estabelecimento do Estado, com péssimos resultados que também abalaram o sentido de resiliência existente no coração do povo de Israel. 

As Forças de Defesa de Israel, que fizeram parte desse fracasso, conseguiram restaurar a confiança pelo simples fato de assumirem a responsabilidade e organizaram-se de forma rápida, profissional e impressionante para a guerra que eclodiu na sequência dos eventos. 

Mas não é esse o caso de Netanyahu. A maioria do público está irritada com o fato de que, em um período tão complexo, o primeiro-ministro faça tanto esforço para manter sua coalizão de extrema direita e deixe que seus ministros se comportem de forma irresponsável e prejudicial, falando contra os interesses do público e expressando ideias delirantes, tal como voltar a construir colônias na Faixa de Gaza, sem que Netanyahu exija deles que se abstenham de tal comportamento. As pessoas também estão irritadas com os orçamentos extremamente altos e irresponsáveis que Netanyahu permitiu durante a guerra para os ultraortodoxos e elementos de extrema direita de seu governo, enquanto as necessidades da guerra são tão grandes, e é necessário gastar tanto para a reabilitação dos cidadãos que foram desalojados de suas casas queimadas e destruídas pelo Hamas e pelo Hezbollah. 

O público também está indignado com o fato de os partidários de Netanyahu incitarem e dividirem o povo e minarem o senso de unidade que é tão necessário em dias nos quais temos reféns em Gaza que não representam nenhuma linha política, mas sim a imagem do povo de Israel, com todas as suas facções, e quando os soldados combatem juntos, ombro a ombro, arriscam suas vidas, ficam feridos ou são mortos, independente de sua opinião política, gênero ou religião.

Para ser sincera, vou ressaltar que não tenho dúvidas de que Netanyahu se preocupa com a situação dos sequestrados e que quer o retorno deles. Porém, sua sobrevivência política, conforme aprendemos de sua conduta e suas mensagens, e as sondagens que não o favorecem, são o que o orienta e determina suas prioridades mais do que qualquer outro desafio, por mais sério que seja, enfrentado por Israel. Diante de tal realidade, a coalizão encabeçada por ele, com os elementos de extrema direita e até messiânicos nela presentes, serve como sua “cúpula de ferro” política. Mesmo se internamente ele possa não concordar com todas as suas ações, ou com suas declarações bastante problemáticas, e mesmo que eles não constituam, de forma alguma, a maioria na sociedade israelense, são eles que garantem seu governo. Há um equilíbrio do terror entre eles, no qual cada lado ameaça o outro, e ao mesmo tempo, sua existência depende do outro. Os extremistas de direita sabem muito bem que, sem Netanyahu, não poderão voltar ao poder, e Netanyahu sabe que, sem eles, não poderá preservar seu governo ao longo dos próximos anos.

A Redenção de Cativos (“Pidyon Shvuyim”) – ou seja – conseguir a libertação de um companheiro capturado ou preso injustamente, é um dever religioso no judaísmo que é anterior a qualquer outro objetivo. Netanyahu está bem ciente disso. Mesmo assim, e a fim de preservar sua sobrevivência política, Netanyahu está manobrando entre a extrema direita – que exige que ele dê prioridade à dissolução do Hamas como meta principal e, caso contrário, renunciará ao governo (e, na prática, o dissolverá) – e, por outro lado, a atitude dos representantes do partido Unidade Nacional, Gantz e Eisenkot, que fazem parte do gabinete de guerra de forma ad hoc e apenas pelo propósito da guerra. Os dois pressionam Netanyahu a priorizar o retorno dos sequestrados antes de qualquer outra ação. A sua posição é compartilhada pela maioria do público em Israel. 

Assim, infelizmente, a libertação dos sequestrados se torna uma polêmica política, com Netanyahu (mais uma vez) criando uma linha divisória na sociedade israelense, em dias tão difíceis para todos. Mais uma vez, o discurso que vivemos durante a reforma jurídica que precedeu os eventos de 7 de outubro, que “categoriza” o público de acordo com suas preferências, está de volta: caso você seja a favor do acordo com os sequestrados, então você é obviamente um esquerdista e um derrotista, e talvez até mesmo contra os soldados que combatem e o protegem, e se você for a favor do desmantelamento do Hamas acima de tudo, então é forte e corajoso, que apoia os combatentes e está certo e correto.

Derrubar o domínio da organização terrorista do Hamas é um objetivo justo e digno, que não deve ser visto como uma luta contra o povo palestino, muitos dos quais sofrem sob esse governo tirânico e cruel, que os utiliza como escudo humano, enquanto eles buscam uma vida pacífica e livre de ameaças.

Netanyahu busca conquistar uma ‘imagem de vitória’ contra o Hamas, visando restaurar sua aura de grande líder e conquistar a simpatia do público que o apoiou por anos. No entanto, definir uma vitória contra uma organização terrorista, com uma visão de mundo tão distinta dos países que seguem o direito internacional como bússola, é uma tarefa desafiadora. Vitórias como as experimentadas por Israel no passado, como na Guerra dos Seis Dias (1967), pertencem a uma era que já se terminou com a guerra fria, quando estados travavam conflitos uns contra os outros, não contra organizações terroristas (até a guerra Rússia-Ucrânia). Dessa forma, o desfecho final da guerra atual provavelmente será diferente do que Netanyahu deseja, e esse momento ainda não está próximo, infelizmente. Um acordo para libertar os sequestrados, se e quando acontecer, exigirá a pausa na guerra, não necessariamente o seu término. Netanyahu teme exatamente essa pausa. A guerra, se necessário, pode ser retomada, mas as vidas dos sequestrados, que estão desaparecendo cruelmente no cativeiro do Hamas, não podem ser recuperadas. Eles não têm tempo, e, portanto, essa também deve ser a ordem de prioridades. O valor moral de tal ação é significativo e importante, ultrapassando qualquer cálculo político.

Foto: Flickr/Ted Eytan

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