Desigualdade de Fardo: Crise política em meio à guerra

Revital Poleg

Embora o apelo cívico para que Benjamin Netanyahu dissolva o governo e anuncie eleições imediatas, que começou logo após 7 de outubro de 2023, tenha se intensificado desde então, o furor popular ainda não conseguiu abalar a estabilidade do governo. 

No entanto, parece que a verdadeira ameaça ao governo agora vem de uma direção inesperada, que o próprio primeiro-ministro não previu: a questão da falta de igualdade no fardo do serviço militar e a isenção de recrutamento amplamente concedida ao público ultraortodoxo. O tema provoca uma agitação pública generalizada.

Entre as muitas turbulências que afetam a sociedade israelense desde o ataque do Hamas e a guerra subsequente, a tensão com o público ultraortodoxo também está presente. Embora isso não seja novidade, agora atingiu novos patamares, ameaçando a estabilidade do governo. Em dias em que tantas famílias se juntam ao círculo do luto, milhares de feridos enchem os hospitais, e as necessidades de segurança e o pessoal requerido são maiores do que nunca – conforme anunciado pelo próprio Chefe do Estado-Maior – as Forças de Defesa de Israel são forçadas a estender a duração do serviço tanto dos soldados, quanto dos reservistas, muito além do que era costume anteriormente. Nessa realidade, a questão da igualdade no fardo do serviço militar torna-se mais problemática e aguda do que nunca.

No momento, a questão é ainda mais complicada do que antes. A Lei do Serviço de Segurança, que estabelecia a não prestação de serviço dos ultraortodoxos, expirou no final de junho de 2023. Para evitar uma crise de coalizão imediata e grave que, sem dúvida, ocorreria como resultado da expiração da lei, caso o exército convocasse imediatamente os estudantes de yeshiva, o governo decidiu estabelecer uma ordem temporária adiando sua convocação. Esta decisão tinha um limite de tempo e está prevista para expirar no final deste mês. A intenção era que, durante este período intermediário, o governo apresentasse um novo projeto de lei a Knesset que permitiria a continuação da isenção dos ultraortodoxos do serviço militar (em outras palavras, permitir a sobrevivência da coalizão). Isso não aconteceu devido a desacordos políticos significativos sobre a questão dentro da coalizão.

Desde junho de 2023, quando a lei expirou, as circunstâncias em Israel mudaram significativamente. A guerra que se seguiu ao ataque do Hamas alterou a realidade, criando novas e maiores necessidades dentro do sistema de segurança, necessitando de um aumento no número de cidadãos sendo convocado. Este aumento poderia ser alcançado se os jovens do setor ultraortodoxo fossem convocados como qualquer outro jovem. Apesar de estarem cientes desta realidade, os partidos ultraortodoxos recusam-se a mudar sua postura e estão até irritados com Netanyahu, que, em sua visão, os colocou em uma situação difícil.

Essa postura desencadeou uma significativa indignação pública. Persistir com soluções políticas já consideradas inadequadas antes de 7 de outubro, como se nenhuma mudança tivesse ocorrido, é insustentável. Ignorar a nova e multifacetada realidade enquanto ainda se coloca todo o ônus da conscrição exclusivamente em uma parcela da população é indefensável. A vasta maioria dos reservistas que foram mobilizados naquele mesmo dia do bárbaro ataque do Hamas (já há cinco meses) ainda está em serviço, e aqueles que foram liberados já receberam uma nova ordem de convocação. Esta situação abrange centenas de milhares de indivíduos, homens e mulheres, que deixaram suas casas, famílias, empregos e carreiras para lutar em uma guerra cujo fim ainda não está à vista. Esse cenário, sem precedentes e complexo, impõe um fardo desproporcional aos cidadãos comprometidos em servir seu país e cumprir suas responsabilidades cívicas, enquanto um setor inteiro permanece isento.

A bomba política que marcou a crise atual foi imposta nada menos que por Yoav Gallant, ministro da Defesa no governo de Netanyahu. Em um anúncio dramático ao público, ele declarou há alguns dias que não apresentaria uma nova lei de alistamento sem que ela ganhasse ampla concordância de todos os setores da coalizão. “O desafio da igualdade no ônus chegou à nossa porta em um momento de guerra como não conhecíamos há 75 anos”, disse Gallant, “e, portanto, somos obrigados a alcançar acordos e decisões que não tomamos há 75 anos”. Créditos devem ser dados a Gallant por agir como um líder consciente focado no futuro do exército e na segurança nacional, em vez de apenas um político, demonstrando assim o tipo de liderança que tem sido notavelmente ausente ultimamente.

No início desta semana, o Supremo Tribunal deliberou sobre petições submetidas a ele exigindo que o governo recrutasse o público ultraortodoxo, dado que a lei anterior havia expirado e uma nova lei ainda não havia sido submetida em seu lugar. Ao final da discussão, os juízes emitiram uma ordem condicional ao governo, exigindo uma explicação sobre porque a decisão do governo que impede a execução do serviço dos estudantes de yeshiva não será cancelada, porque eles não estão sendo recrutados seguindo a expiração da lei de alistamento, e porque esses jovens ultraortodoxos ainda estão recebendo apoio financeiro para estudos em yeshivas do orçamento do estado, dado a expiração da lei de alistamento. O governo é obrigado a dar explicações dentro das próximas três semanas.

As declarações recentes do Ministro da Defesa, as exigências do Supremo Tribunal e a crescente insatisfação pública sobre a desigualdade na conscrição colocaram Netanyahu sob pressão significativa. Preocupado em manter seu governo, Netanyahu enfrenta um padrão histórico no qual questões de desigualdade no fardo levaram anteriormente a colapsos do governo, assim como aconteceu em 2012 e 2018.

A isenção da conscrição para os ultraortodoxos, estabelecida desde a fundação de Israel, expandiu significativamente desde sua permissão inicial para 400 estudantes de yeshiva, justificada então como meio de “reconstruir o mundo da Torah pós-Holocausto”. 

Apesar do recente e modesto alistamento ao exército de jovens ultraortodoxo nos últimos anos, realizado contrariamente às orientações rabínicas — que veem esta ação como uma ameaça à sua liderança contínua, temendo que a conscrição distancie os jovens do estilo de vida ultraortodoxo —, os número estão muito distantes de atender às necessidades do exército ou de alcançar a igualdade de fardo na conscrição. Nos bastidores, alguns políticos ultraortodoxos reconhecem a necessidade de mudança, mas permanecem silenciados pela autoridade rabínica dominante.

Em resposta ao discurso inesperado de Gallant e à crise política iminente, Netanyahu tentou publicamente amenizar a crise, chamando por um novo marco e afirmando a impossibilidade de alcançar um ‘acordo absoluto’. Com isso, sinalizou aos políticos ultraortodoxos sua disposição para um gesto simbólico, que, claramente, não resolverá o problema. Seus alertas sobre o perigo das eleições antecipadas, apresentando-as como uma ameaça à segurança nacional, apenas intensificaram a frustração pública. Atualmente, a coalizão se esforça para encontrar uma solução mutuamente aceitável tarefa complicada devido às divisões acentuadas, enquanto protestos significativos ultraortodoxos e a oposição rabínica à conscrição persistem.

À medida que o prazo se aproxima, a questão de se Israel está à beira de eleições permanece sem resposta. Sem dúvida, se antevê um período de manobras políticas, visando aliviar temporariamente a crise sem abordar suas causas subjacentes.

Foto: Flickr/IDF

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