O ataque do Irã foi apenas um “gesto” teatral?

Daniela Kresch

TEL AVIV – Há duas interpretações diferentes sobre o ataque do Irã a Israel que competem entre analistas e nas redes sociais. Duas interpretações surgiram quase imediatamente depois que o ataque do Irã com mais de 330 mísseis e drones não conseguiu matar um israelense sequer ou causar danos graves no país. As versões são importantes porque, dependendo de qual você acredita ser a correta, você vai tender a defender um tipo de reação de Israel a esse ataque sem precedentes à sua soberania.

Por um lado, uma versão diz que o ataque não deu certo – apesar de ter atingido uma menina de 7 anos e causado danos a uma base da Força Aérea – porque Israel conseguiu uma grande vitória: conseguiu deter 99% dos mísseis e VANTs numa ação militar incrível, com ajuda de aliados como EUA, Reino Unido e até mesmo a Jordânia (e a Arábia Saudita, sabe-se agora). Há 35 anos Israel desenvolve seus sistemas de defesa aérea com um investimento altíssimo e lutando contra o ceticismo de até mesmo pessoas de dentro do país. E todos esses 35 anos deram frutos na madrugada de 14 de abril (horário local).

A outra versão – que ganhou força e virou manchete dos jornais no Brasil e clichê em redes sociais – é a de que, na verdade, o Irã fez apenas um “gesto” (palavra usada pelo assessor especial e ex-chanceler Celso Amorim), quase um teatro, uma performance que já tinha como objetivo não causar danos a Israel. Os iranianos teriam sinalizado tudo com muita antecedência para que Israel se preparasse para destruir os 330 drones e mísseis no ar. Sabiam que Israel e os seus aliados iriam interceptar todos. Eles só precisavam mostrar que estavam retaliando, mas não queriam infligir danos ou mortes, só “enviar uma mensagem”.

Afinal, os iranianos emitiram um comunicado para a ONU antes mesmo de os drones e mísseis alcançarem Israel dizendo que, para eles, o assunto estava “concluído”.

Pois bem, antes de tudo, acho que é preciso um pouco de malabarismo mental para pensar que um país lança 330 drones e mísseis balísticos e de cruzeiro e, na verdade, só quer “enviar uma mensagem” ao Estado que atacou. Nada muito letal. Só um “gesto”. Foram 160 ou 170 drones de ataque, 36 mísseis de cruzeiro, 110 mísseis balísticos contra Israel. Isso é sério. Não é um ataque bobo, teatral. Uma vez que você envolve mísseis de cruzeiro, que miram em bases militares onde há aviões de combate de Israel, não se trata de uma brincadeira. Alguns diriam, com razão, que se trata de uma declaração de guerra. Por muito menos guerras começaram.

O Irã adoraria que o ataque tivesse dado certo, que tivesse sido eficaz e destruído a base aérea de Nevatim, no Neguev. Que tivesse chegado perto ou atingido a usina de Dimona, onde, segundo informações da imprensa estrangeira, Israel mantém seu aparato nuclear. Adoraria ter atingido bases militares ou vilarejos civis israelenses nas Colinas de Golan. Mas não conseguiu. Só conseguiu deixar 9 milhões de pessoas em pânico, sem dormir, crianças e adultos com ataque de ansiedade, comprando comida enlatada e preparando bunkers estilo “juízo final”.

Parece a fábula da raposa de as uvas. A raposa não consegue colher as uvas, que estavam altas demais, e depois justifica dizendo: “mas eu nem queria as uvas mesmo, elas estavam verdes”. No momento em que falhou em seu ataque com centenas de projéteis caríssimos e letais, o Irã e seus porta-vozes (incluindo alguns analistas, que caíram nessa narrativa) disseram: “mas eu nem queria causar danos e mortes em Israel, ataquei sabendo que eles iriam interceptar todos os mísseis.”

Mas não. O ataque do Irã não foi algo “combinado” ou “coordenado” com os Estados Unidos ou com Israel. Os iranianos lançaram muito mais mísseis do que até a própria inteligência americana havia imaginado. Fora isso, não sabemos que mais o Irã fará através de suas proxies. Não sabemos se o Hezbollah ainda entrará nesta equação. A situação é volátil. 

O Irã não conseguiu causar mortes e danos porque Israel contou com sua já citada capacidade de defesa aérea e com a ajuda de aliados, alguns inesperados. Há algumas semanas, a capa da revista The Atlantic estampava: “Israel sozinho”. Mas, ficou claro que, apesar de todas as críticas quanto à guerra de Israel contra o Hamas em Gaza, Israel conta com uma aliança que, até agora, atuava na surdina. Além de Estados Unidos, Reino Unido e França, outros países se esforçaram para interceptar os mísseis lançados contra Israel, notavelmente a Jordânia (e também a Arábia Saudita). Como eu sempre digo, o mundo tem muito mais nuances e níveis do que as pessoas que caem de paraquedas conseguem perceber.

Aqui cito o jornalista Jonathan Freedland, do jornal britânico The Guardian, em seu maravilhoso podcast “Unholy” (com a jornalista israelense Yonit Levi): “Há anos, Israel conta com este tipo de aliança do Crescente Sunita contra o Irã. Se ela estava nas sombras, foi uma espécie de estreia em público e da forma mais dramática. Esta é a chamada aliança de Defesa Aérea do Oriente Médio. É uma coisa real agora”.

Se você acreditar na narrativa que o Irã coordenou seu ataque “teatral” com Israel e os EUA, ou que, mesmo sem ter combinado, lançou um ataque “brando” sabendo que não causaria maiores danos, você deve inclinar para a ideia de que Israel não deve reagir. Biden teria dito a Netanyahu: “Declare vitória, aceite a vitória e deixe por isso mesmo”. Afinal, os aiatolás do Irã apenas reagiram ao assassinato do general Mohammad Reza Zahedi em Damasco, em 1° de abril. Só um “gesto”. E você dirá que o presidente americano Joe Biden está certo em dizer ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu que os EUA não ajudarão Israel caso retalie e arrisque uma guerra aberta com o Irã (na verdade, Israel e Irã estão em guerra há anos, uma guerra às sombras e por proxies). 

Se, por outro lado, você tender para a ideia de que o Irã cometeu um ataque sério, uma declaração de guerra, Israel não poderia deixar as coisas assim. Se não retaliar, Israel corre o risco de parecer fraco numa região onde a força, a bravata e a honra contam mais do que o Ocidente quer crer. Israel estaria dizendo ao Irã: “Ok, agora não faremos mais nada contra vocês porque sabemos que vocês são fortes”. Como pode um país deixar passar um ataque como esse, com mísseis que ultrapassam o espaço aéreo de outros países, contra seu território soberano? Israel teria que reagir para dissuadir o Irã de fazer isso de novo.

Não estou dizendo aqui que acredito nessa segunda opção. Se Israel reagir de forma aberta e drástica, poderá deslanchar uma guerra de proporções inimagináveis. Não sabemos se a sociedade, a economia e o exército israelense estão preparados para isso. Seria um pesadelo. Daria tudo para que isso não acontecesse.

Como diz a âncora de TV Yonit Levi, do podcast “Unholy”: “Não creio que a questão de uma resposta aqui seja exatamente preto no branco. Israel, durante muitos anos, faz todo o tipo de ações em relação ao Irã, principalmente para frustrar o programa nuclear iraniano e o contrabando de armas para seus proxies na fronteira de Israel.” Yonit Levi acredita que Israel deveria manter seu mote de “fazer mais e falar menos”. 

Certas coisas podem ser feitas debaixo dos panos. Há formas sofisticadas de enviar uma mensagem ao Irã sem levar a uma guerra. Israel já realizou, no passado, ataques cibernéticos, como o famoso vírus Stuxnet.  Por outro lado (isso também tem dois lados…), se Israel for sutil demais e não puder admitir o que fez, seria isso uma dissuasão real? Seria isso uma mensagem de que um país não pode sair impune depois de lançar diretamente – e não por meio de proxies, como fez até hoje – 330 drones e mísseis?

Ninguém que ama a paz e a vida quer uma guerra com o Irã (que envolveria o mundo todo, não só Israel, claro). Por outro lado, seria inteligente adiar esse embate até o Irã ter uma bomba nuclear para chamar de sua? Isso pode acontecer em breve. Aí, quem sabe, essa guerra seria inevitável…

O que está claro, para mim, é que Israel deve aproveitar o momentum da coalizão de países que ajudaram a interceptar os mísseis iranianos para consolidá-la. Há meses (ou anos), Israel é só vilipendiado internacionalmente. Sua reação ao 7 de outubro do Hamas levou muita gente a demonizar o país, apesar da guerra urbana e impossível que luta neste momento (talvez tenhamos que dizer “lutava”, porque já não há mais batalhões do exército israelense em Gaza, neste momento). Então, talvez fosse a hora de se unir à aliança regional e internacional contra o único país ainda mais odiado no Oriente Médio: o Irã.

Nas palavras de Jonathan Freedland: “Seria dar corpo diplomático à aliança militar (anti-Irã) e transformá-la em algo genuíno. Mas, obviamente, Israel teria que dar passos diplomáticos para que isso se tornasse real em termos da situação de Gaza e da questão palestina, oferecendo um horizonte político para isso”. Yonit Levi completa: “Israel não está sozinho. Depois desta noite (de 14 de abril), isso está muito claro. Se conseguir agora, com uma habilidade diplomática calma e tranquilizadora, compreender como avançar, pode transformar a crise em oportunidade”.

Eu não gostaria de estar na pele de quem toma as decisões em Israel neste momento. Só gostaria de confiar em quem toma essas decisões. Infelizmente, nem eu e nem a maioria dos israelenses confiamos no atual governo para que faça o melhor possível. Respiremos e contemos até 100 na esperança de que Netanyahu tenha momentos de clareza e escute os aliados que realmente querem o melhor para Israel e para o mundo.

Este texto não reflete necessariamente a visão do Instituto Brasil-Israel.

Foto: WikimediaCommons/Hossein Velayati

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