Retrospectiva 2022: O que aconteceu em Israel no ano que termina?

Daniela Kresch

TEL AVIV – O ano de 2022 foi agitado em Israel. Novo governo, uma nova onda de atendados, novos acordos com países regionais, Covid, crise econômica… Escolhi dez principais assuntos que movimentaram os israelenses, no ano que se encerra.

1) Covid: da variante ômicron à reabertura

O ano começou com um país praticamente fechado, de novo, por causa da chegada da variante ômicron. Israel foi o país pioneiro na 4ª dose da vacina, se mantendo mais uma vez na ponta-de-lança em tudo o que tem a ver com a luta contra o coronavírus. Fora isso, Israel também foi um dos primeiros países a distribuir o novo remédio da Pfizer, que ajuda pessoas que contraíram Covid: o Paxlovid. Um dos primeiros doentes que recebeu o remédio, aliás, foi um brasileiro.

Em março, com a queda drástica dos números de infectados, Israel cancelou quase todas as restrições. Nos últimos meses, o país praticamente voltou ao “normal” pré-Covid. É raro ver alguém usando máscara – agora obrigatória só em clínicas e hospitais. No fim do ano, os israelenses começaram a receber a 5ª dose juntamente com a vacina anual contra a gripe.

2) Guerra da Ucrânia: Israel na corda bamba

Antes mesmo do começo da guerra, os israelenses já estavam preocupados com a situação de seus cidadãos e da comunidade judaica na Ucrânia. Estavam angustiados, também, como a saia justa diplomática que uma invasão russa ao território ucraniano significaria. Israel considerava suas relações com Moscou de extrema importância estratégica, especialmente no nível de segurança e em relação à Síria (Israel atua militarmente no país para evitar a transferência de armas do Irã para o Hezbollah, no Líbano). Mas a invasão russa, em março, complicou a situação geopolítica no Oriente Médio.

Israel passou meses preocupado em não melindrar russos ou ucranianos (e norte-americanos), apesar do sentimento claro de solidariedade com a Ucrânia. O presidente Volodymyr Zelensky, que é judeu, cobrou publicamente uma ajuda militar de Israel. Em outubro, a posição israelense pró-Ucrânia ficou clara e as consequências que Israel temia aconteceram. Os russos passaram a limitar seu apoio às ações de Israel na Síria e a se aproximar cada vez mais do Irã. Isso preocupa demais os israelenses nesta virada de ano.

3) Volta do relacionamento com a Turquia

Após mais de uma década de distanciamento diplomático, Israel e Turquia voltaram “às boas” em 2022. Já em janeiro, o diretor-geral da chancelaria israelense visitou Ancara. E, em março, o presidente de Israel, Isaac Herzog, desembarcou na capital turca para uma visita oficial a convite do presidente Recep Tayyip Erdogan.

Ninguém podia imaginar, apenas alguns meses antes, que o todo-poderoso “sultão” da Turquia iria fazer um discurso com bandeiras israelenses por trás. Ninguém podia imaginar que Erdogan, que há uma década e meia faz discursos violentamente anti-Israel, receberia um colega israelense com toda a pompa e circunstância.

O motivo da mudança de política externa turca é o interesse de Erdogan em se reaproximar do Ocidente, que ficou ainda mais claro depois do começo da guerra da Ucrânia. Erdogan deixou para trás sua diplomacia “ideológica” em prol de uma diplomacia mais prática, que pode trazer ganhos geopolíticos e econômicos para a Turquia.

4) Onda de atentados e confrontos com palestinos

O ano de 2022 foi o mais sangrento, no conflito entre israelenses e palestinos, desde 2006. Cerca de 150 palestinos e 30 israelenses morreram e outras centenas de pessoas ficaram feridas em atentados terroristas, incursões militares e confrontos entre soldados de Israel e militantes palestinos.

Tudo começou com uma onda de ataques terroristas em Israel, em março. Atentados paralisaram cidades como Tel Aviv, Beer Sheva, Hadera, Bnei Brak e Jerusalém. Também houve ataques contra a população civil israelense na Cisjordânia (colonos). Em reação, Israel intensificou as incursões militares na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental para deter suspeitos de terrorismo, o que aumentou ainda mais a tensão.

Em maio, o Dia de Jerusalém foi o mais tenso dos últimos anos. Mais de 3 mil policiais tiveram que fazer a segurança dos judeus que participaram da Marcha da Bandeira, que passou por bairros árabes. Líderes palestinos declararam que o Monte do Templo (a Esplanada das Mesquitas) estaria “em perigo” (o que é uma fake news).

A onda de violência acabou batendo com toda força à porta da comunidade brasileira em Israel. Em 8 de outubro, David Morel, 30 anos, natural de Belém do Pará e que também tem nacionalidade israelense, foi atingido gravemente com um tiro na cabeça nos arredores de Jerusalém. Ele sobreviveu e já deixou o hospital, mas ainda se recupera.

5) A morte da jornalista Shireen Abu Akleh

Em 11 de maio, enquanto cobria um confronto armado entre soldados israelenses e militantes palestinos em Jenin, na Cisjordânia, a jornalista Shireen Abu Akleh, da Al Jazeera, foi baleada e morta. Os palestinos acusaram imediatamente os soldados israelenses, insinuando que havia sido proposital. Israel disse, inicialmente, não ter provas de que o tiro saiu da arma de um dos soldados, afirmando que poderia ter saído de armas de um dos militantes palestinos. Posteriormente, o exército admitiu que o tiro provavelmente foi disparado por um soldado, mas não atingiu a jornalista de forma intencional.

Investigações separadas foram conduzidas por agências de notícias internacionais e pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Todos concluíram que o tiro que a matou veio das forças israelenses, com a CNN novamente repetindo a acusação falaciosa dos palestinos de que foi um assassinato proposital. Já uma investigação mais aprofundada do Departamento de Estado dos EUA, que também concluiu que ela foi “provavelmente morta por fogo israelense”, afirmou que não havia razão para acreditar que o tiro foi intencional.

A Al Jazeera decidiu registrar queixa contra o exército israelense no Tribunal Penal Internacional (ICC). Infelizmente, a morte da jornalista se tornou mais um instrumento de propaganda de palestinos e israelenses.

6) Fim do governo Bennett-Lapid

A coalizão de governo de Naftali Bennett e Yair Lapid, que conseguiu afastar o ex-premiê Benjamin Netanyahu do poder em 2021, após 12 anos, durou apenas um ano. Era formada por oito partidos heterogêneos (de centro, de direita e de esquerda), que se uniram só mesmo pela ojeriza a Netanyahu.

Mas as divisões internas levaram a coalizão a rachar. A gota d’água aconteceu no fim de junho, depois da saída do parlamentar de direita, Nir Orbach, do partido Yemina, liderado na época por Bennett. Ele foi atraído por truques políticos de Netanyahu, bem como outros parlamentares que abandonaram a coalizão.

Com isso, Lapid ganhou o privilégio de ser o premiê temporário quando o governo foi dissolvido e novas eleições foram convocadas para 1° de novembro. Seu mandato deve terminar neste fim de 2022, quando Netanyahu voltará ao poder. Apesar do pouco tempo como premiê, no entanto, Lapid se consolidou como o principal líder do bloco anti-Bibi em Israel.

7) Crise econômica na Nação Start-Up

Como todo o mundo, Israel sofreu, em 2022, com aumento da inflação e dos juros, consequências da Guerra da Ucrânia. Em agosto, o Banco de Israel começou a elevar os juros, que eram de apenas 0,75%. Após várias elevações, os juros estão, atualmente, em 3,25%. Trata-se do maior aumento de juros em 20 anos. Uma péssima notícia para quem financiou a casa própria e agora tem que pagar centenas e até milhares de shekels a mais por mês.

Fora a disparada dos preços e dos juros, Israel começou a sofrer também com a crise nas empresas de alta tecnologia. Centenas de funcionários de empresas de high tech e de start ups estão sendo demitidos. A previsão é de que a crise continue em 2023.

8) O acordo inédito com o Líbano

Em outubro, Israel e o Líbano protagonizaram um “avanço histórico” e concordaram em estabelecer uma fronteira marítima permanente entre eles. O acordo finalizado permitirá aos vizinhos, que estão formalmente em estado de guerra há meio século, explorar campos de gás natural no Mar Mediterrâneo.

O primeiro-ministro Lapid disse que o acordo fortalecerá a segurança de Israel e injetará bilhões em sua economia. O presidente libanês, Michel Aoun, descreveu os termos como “satisfatórios”.

Não se trata de um acordo de paz. Mas certamente é um passo na direção correta, que pode evitar que os dois países voltem a se enfrentar, como aconteceu em 2006.

9) A volta do turismo à Terra Santa

Em 2019, a Terra Santa recebeu o maior número de visitantes da História. Cerca de 4,5 milhões de turistas – a maioria cristãos – visitaram Israel e a Cisjordânia. Tudo mudou em 2020, com a Covid-19. O número de visitantes despencou para apenas 1 milhão em todo o ano de 2020 (isso porque a Covid só chegou em março).

Mas, após dois anos de pandemia, que levou ao fechamento de fronteiras e uma queda drástica no turismo, israelenses e palestinos festejam a volta de peregrinos cristãos e turistas em geral para as celebrações do Natal de 2022. O Ministério do Turismo de Israel estima que cerca de 120.000 peregrinos visitaram o país no período de Natal. Esse número é só 20% menor do que os 150 mil que visitaram a região no Natal de 2019. Prova de que há uma retomada do turismo pós-Covid.

Com base no ritmo até o momento, estima-se que o turismo receptivo em 2022 chegará a 2,6 milhões de turistas. O governo espera que o país volte, em breve, ao nível de 2019.

10) A volta de Netanyahu

Quem achava que a era-Netanyahu havia acabado, errou. O bloco que apoiava o ex-primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, 73 anos, venceu as eleições de novembro. E Bibi se prepara para assumir novamente o cargo – pela 6ª em sua carreira política. Mas ele nem bem assumiu e já está em rota de colisão com setores dentro e fora de Israel.

Isso porque seu novo governo será o mais direitista da história do país, com apoio de partidos antes considerados marginais. O Likud montou uma coalizão com três partidos de extrema direita – que concorreram juntos, mas que se separaram – e dois religiosos (ou ultra ortodoxos). Todos têm em comum uma visão de mundo reacionária e ultranacionalista, com líderes abertamente misóginos, racistas, ant-LGBTQI+, antiárabes e antisseculares.

Em seu pronunciamento, o premiê Lapid disse que os novos parceiros de Netanyahu podem “destruir as fundações da sociedade israelense e o status internacional do país”.

Preocupado com a reação internacional de países ocidentais, principalmente os Estados Unidos, e da Diáspora israelense, Netanyahu está dando várias entrevistas à mídia norte-americana. Ele tem prometido que a coalizão imporá a “lei talmúdica” a Israel e não violará os direitos das minorias do país.

O novo governo não é uma boa notícia para todos que prezam a tolerância e o pluralismo. Israel termina 2022 em uma situação preocupante, que, espero, leve a sociedade civil a agir para evitar que o país dê passos para trás. Como o Brasil, que enfrentou quatro anos de sobressaltos, agora é a vez de Israel – que completará 75 anos em maio – enfrentar seus desafios.

Feliz 2023, apesar de tudo.

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